terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Armas brancas


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Entre cantares (solitários, do povo)
e discursos exacerbados de políticos
a terra trabalha o seu fermento
lêveda ainda das bocas
colectivas.
Cada semana absorve-te e resolve-se
nas marés vivas dum corpo facetado.
A economia é um pilar estilístico.
Os homens de teatro imitam os tribunos
e as noções de equipamento
estendem-se à arte dos trágicos.
O sexo, dizes, não se determina.
Antes de senso
Visconti declarou
a terra toda que trabalha
treme.
Pasolini foi assassinado pelos seus próprios
mitos.
Não era tempo ainda da mão solidária
figurar entre os ciclones da Roda que desanda
inexoravelmente
sobre o campo dos mártires sem causa.
Virgens de uma razão alucinada
os seus heróis dançavam por entre uma flora
incandescente a meio termo do néon
a um passo da vida pitoresca.
As telas de cinema só se compadecem
com a maquinaria hirsuta e caricatural
dos enormes charutos do academismo
e das cosmopolitas capitais do Falo.
Esse jogo, jogava camuflado.
Nos seus trabalhos diários, a terra
continua a tremer por cima dos seus órfãos.
Proletários do sexo e de todo o mundo
uni-vos.

Armando Silva Carvalho
Armas brancas
1977, ed. Limiar
imagem: James Ensor

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