sexta-feira, 11 de outubro de 2013

a angústia da repetição

O rock foi sempre campo por excelência para as angústias humanas. Sendo um tipo de música que se destaca pelo peso, pela agressividade redentora e pela expressão directa dos sentimentos, é apenas normal que o rock tenha sido o primeiro género de música a expressar-se com uma sinceridade desarmante e violenta. Desde o lançamento do primeiro álbum dos Nine Inch Nails, ''Pretty Hate Machine'' (1988), Trent Reznor tem-se afirmado como um dos mais criativos e inteligentes músicos rock. Após o álbum instrumental ''Ghosts I-IV'' (2008), Reznor parecia pouco interessado em continuar com o projecto dos Nine Inch Nails, razão acrescida para ''Hesitation Marks'' (2013) ter sobre si expectativas acrescidas.




Depois do lançamento do single de Came Back Haunted, foi disponibilizada na internet uma segunda canção, Copy of A.
Trata-se de uma canção que enfatiza a dimensão electrónica que existiu desde sempre nos Nine Inch Nails e que fazia a ponte entre o rock e o industrial. O som do sintetizador marca do ritmo de Copy of A e, ao contrário do que acontecia em clássicos como Hurt ou We're in This Together, Reznor parece embalado numa espécie de dormência _não é contemplativo e comovido como no primeiro exemplo, nem grita nem desespera como no segundo.
Em Copy of A, a ideia do desespero, da angústia da repetição, é clara logo pela performance vocal de Reznor que se coaduna com a instrumentalização repetitiva e insistente que não é quebrada senão brevemente após os refrãos. A letra tem aqui um lugar central, e deixa à mostra um Reznor poeta, faceta do músico que é sistematicamente negligenciada. Aqui, assume uma espécie de síndroma de clonagem muito característico da cultura contemporânea: diz-se cópia de uma cópia, sombra de uma sombra, eco de um eco. Copy of A é uma espécie de monólogo em que Trent Reznor, por um lado se define continuamente como resultado previsível de uma cultura controladora, castradora e formatada e, ao mesmo tempo, interpela um tu que ora é ele mesmo (no refrão), ora é uma entidade que se assume como figura autoritária que coordena a repetição dos indivíduos, uma figura do Poder a um tempo definidor e anulador, que os esvazia até que deixem precisamente de ser indivíduos.
Copy of A também contraria a ideia culturalmente enraizada de que a diferença cria solidão e a igualdade aceitação. No antigo Egipto, aconselhava-se o abafamento de qualquer invulgaridade, a promessa de gregatismo e sucesso estava na formatação. Essa ideia permanece, mas Reznor parece afirmar justamente o contrário. A solidão e a angústia são os ecos que mais se fazem ouvir em Copy of A. O princípio promissor da vida foi condicionado, até que se perdesse o eu original e sobrasse apenas a cópia de um modelo infinitamente copiado. A atmosfera tépida da canção ajuda a criar a sensação de fechamento, de que não há saída possível para o indivíduo que se descobre apenas como repetição.
Numa linha politizada que, no trabalho dos Nine Inch Nails, teve o seu ponto máximo em ''Year Zero'' (2007), Copy of A também não deixa de soar como uma crítica à lógica da internet, em que a música é copiada de site em site, perdendo-se o vínculo entre músicos e ouvintes representado pelo objecto físico do disco ou do CD.
Tratando-se de uma das melhores canções de ''Hesitation Marks'', Copy of A é um comentário brilhante a uma era que perdeu os seus valores, em que ninguém sabe assumir um lugar no mundo nem procurá-lo sequer, e é irónico que seja alguém como Trent Reznor _que é tudo menos uma cópia de uma cópia _a chamar a atenção para o problema.

Sem comentários: