sábado, 16 de março de 2013

O Convento dos Capuchos (Sintra)




Convento de Santa Cruz, conhecido popularmente como Convento dos Capuchos é uma invulgar construção nos confins da Serra de Sintra, fundada em 1560 para uma pequena comunidade de ordem Franciscana. Inicialmente, a comunidade contava com oito monges investidos em fazer uma vida meditativa, pobre e de renúncia ao mundo. Ainda hoje este lugar está isolado em relação à cidade de Sintra. ficando de fora mesmo dos percursos turísticos que, infelizmente, ocupam o centro das preocupações políticas e urbanísticas dessa cidade.
O estudo da História da Arquitectura ensina-nos a procurar traços comuns a edifícios da mesma época. Em Portugal, a Arquitectura atravessa uma fase, de vários aspectos, difícil de definir. Por um lado, os modelos medievais, especialmente o Românico tinham-se prolongado enquanto o resto da Europa já os abandonara. O classicismo entra tarde em Portugal, e é difícil destrinçar os traços Renascentistas dos Maneiristas. Mas, apesar de servir um extenso programa (Dois terreiros, um alpende, três capelas, uma igreja, um coro, um claustro, uma enfermaria, trinta celas, quarto-de-banho, refeitório, cozinha, sala do capítulo e biblioteca.), não há no Convento dos Capuchos muito que nos indique o século XVI. 



















Se há alguma referência na concepção deste edifício, ela tem mais a ver com os princípios teológicos de Francisco de Assis e com a forma de vida, extremamente pobre e austera, da Ordem respectiva. Os corredores estreitos, baixos e escuros dão acesso a celas exíguas por portas baixas que incitam a genuflexão, ou então para compartimentos de utilização colectiva que, apesar disso, são igualmente contidos. Em todos os espaços é visível o despojamento que causaria certamente um tremendo desconforto físico a quem habitasse aquele lugar. A iluminação natural existe apenas através de pequenas e toscas janelas com acesso para o exterior, sendo o resultado que, mesmo assim, grande parte dos espaços, mesmo durante o dia, estão mergulhados numa penumbra que parece fechar os homens sobre si mesmos, retirando-os do mundo que, ali, existe apenas na imagem de um pequeno quadrado da paisagem da Serra de Sintra. É talvez uma forma de provocar essa ''elevação'' que conduz a um contacto mais directo com deus e, nesse sentido, a Arquitectura funciona aqui, mais do que como uma concepção espacial, como forma de viabilizar essa comunicação entre entidades. Ou seja, e por estranho que pareça, o espaço actua sobre o Homem para o tirar do próprio espaço e levá-lo a um outro, que não é físico. Este é um espaço capaz de se anular a si mesmo, e talvez por isso, mesmo agora que está já desocupado, continua a transpirar o ambiente religioso que, podemos supor, não será eventualmente muito diferente daquele que existia entre o século XVI e o século XIX, quando foram extintas as ordens religiosas masculinas. Mais ainda, esta capacidade do espaço de fechar o Homem sobre si mesmo para o abrir ao divino, confere também ao Convento dos Capuchos uma espécie de vinculação ideológica com o que conhecemos da cultura arquitectónica do Antigo Egipto. Desta civilização, conhecemos essencialmente os túmulos, as cidades dos mortos, porque a dos vivos era irrelevante. Essa despreocupação perante a vida terrena, que se compensa numa concentração na vida espiritual definiu toda a primeira Arquitectura egípcia, e é também o cânone que parece orientar a concepção do Convento dos Capuchos.

Outro aspecto a assinalar, e que é igualmente decisivo para a eficácia do Convento, é a sua relação com a natureza, com o espaço natural onde é construído. As dependências do Convento distribuem-se tirando partido tanto das cotas irregulares da serra, como das formações rochosas que não raro integram as paredes, as coberturas ou o chão dos espaços. O edificado propriamente dito abre-se para um terreiro, por um dos lados, e para o pequeno claustro com a capela, mais elevado. A integração do Convento na natureza simboliza, por um lado, a não-interferência com a obra directa de deus, por outro, é uma forma de recusar o luxo ou a grandeza da própria concepção espacial que, para se adaptar ao terreno, perde uma série de possibilidades de organização.




A segunda questão, ligada intrinsecamente com a primeira, é a da construção do Convento. Apesar da sua recusa ao ornamento e ao luxo, o Convento é um edifício de construção sofisticada. Por mais que o seu aspecto seja tosco e quase bruto, a sua construção não poderia ser mais meticulosa e mais inteligente (A prova disso é que cinco séculos depois, o Convento continua erguido.). A forma como as formações rochosas que integram na estrutura é impressionante e o efeito poético do conjunto dos espaços em muito contraria a ideia inicial de pobreza e de imediatismo que o edificado pode dar.



Dificilmente, portanto, se encontraria um edifício mais complexo do que este. É frequente que a Arquitectura se imponha a si mesma a necessidade de perguntar como encontrar as soluções mais simples e menos artificiosas de conceber espaços habitáveis. O Convento dos Capuchos fornece-nos uma resposta a um tempo assombrosa e perturbadora a esta pergunta. Porque, por mais que nos possamos sentir asfixiados pelos espaços severos e claustrofóbicos, somos também obrigados a reconhecer que nos seria possível satisfazer ali todas as nossas necessidades mais básicas. Somos, assim, obrigados a confrontar-nos com a resposta mais pura à simplicidade que a Arquitectura procura, sem qualquer contaminação do mais diminuto vício burguês, por assim dizer, que nos leva a construir de outras formas.

(Uma versão resumida deste texto foi publicada em http://coisas-gerais.tumblr.com/)

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