sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

[podes levar os dias que trouxeste]


podes levar os dias que trouxeste

os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue

podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois

daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido

não    é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites

as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca

podes levar os dias que trouxeste

Pedro Sena-Lino
Zona de Perda/ Livro de Albas
2006, ed. Objecto Cardíaco
imagem de David Penprase

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