sexta-feira, 18 de maio de 2012

Coisas de infância




O café onde costumo ir todos os dias, bem aqui perto de casa, e de cuja esplanada interior se vê o fim da cidade de Lisboa. A rádio está sempre sintonizada na M80, bastante irritante por norma, ou bastante nostálgica noutras raras vezes. A playlist é sempre rigorosamente a mesma, só muda a ordem, e regra-geral desagrada-me.
Uma das canções que por norma passam é essa que fica acima, The Logical Song, dos Supertramp. Não é música que eu prefira, no entanto, eu e os Supertramp, we go way back...  Esta canção em específico remonta ao ano de 1979, muito antes de eu existir, ao álbum 'Breakfast in America'. Uma cópia desse álbum em audiocassete andou pelo carro dos meus pais durante vários anos, costumava ser o que ouvíamos naquelas viagens mais longas, até aos Arcos ou Vila Real, quando íamos visitar família, ou algo assim. De facto, não posso dizer que seja este o som da minha eleição -falta-lhe algo de, digamos, nine-inch-naílico- mas também é facto que é uma canção que me faz lembrar aquela idade que, por um lado, era mais sufocante e, por outro, bem mais simples. Era aquele tempo em que andar de carro por sucessivas estradas e auto-estradas era vagabundear, de certa forma, por lugares que, por mais que eu não conhecesse e por mais que fossem apenas lugares perdidos às margens das estradas, multiplicavam um mundo em que vivia e que sempre parecia muito pequeno, deixando pouco mais que algum espaço para imaginar outros mundos e, com eles, outras vidas. Acho que, ainda hoje, seria muito capaz de fazer a pé a estrada até Braga sem me perder uma única vez, ou de Braga aos Arcos, de tal forma é ainda forte a memória de ter percorrido essas estradas de carro, noutros tempos, em que não havia ainda as auto-estradas que perdem em fascinação o que ganham em pragmatismo.
Raramente hoje percorro de novo essas estradas, portanto, e talvez não fosse muito fácil fazê-lo. Seria talvez reentrar por um tempo que está perdido já. O mesmo tempo em que a rotina básica era um filme ao sábado com a Chris, como o 'From Hell', que ainda vimos no cinema do BragaShopping na altura da estreia. Eram filmes por norma violentos e arrepiantes, mas cujo difícil dramatismo não deixava de ser uma fuga à clausura.
Desde sempre os poetas mitificam a infância e fazem dela uma fuga interior que salva o ser humano da cruel realidade em que vive quando crescido. Mas eu não sei, às vezes, o que é mais cruel...

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