terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Por um Dia de Inverno



O homem do talho morreu. Deixou mulher,
dois filhos e carne fresca estendida como roupa
no varal. Lembro-me do orgulho com que passava a mão
pelo cachaço. Lembro-me da peixeira
que nos acordava de manhã «peixe fresco
tão vivinho» e como era caro o estertor do linguado.
Mesmo as alfaces são frescas depois de mortas,
o molho de nabiças, até de uma cenoura esperamos
que seja fresca ali no prato com o linguado rigorosamente
apartado das espinhas. Tão fresco! O homem do talho
vai a enterrar depois do almoço. Agora jaz na capela mortuária
de rosto descoberto para a família e os curiosos. O homem
do talho morreu cansado, mas agora está fresco:
foi abatido ontem, será embalado às quatro da tarde.



Rosa Alice Branco
Da Alma e dos Espíritos Animais
2001, ed. Campo das Letras

pintura de Francis Bacon


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

José Saramago: Claraboia

APENAS UM HOMEM QUE PENSA

Que entre a 'Terra do Pecado' (1947) e 'Os Poemas Possíveis' (1966) existia um outro livro de José Saramago foi coisa que, estando desde há algum tempo dito pelo próprio autor, só recentemente voltou a ser falado. 
Estamos no início de 1953 quando Saramago termina a redacção do seu segundo romance. 'Claraboia' é enviado à Editorial Notícias que só responderá ao autor já nos anos 90, quando o autor já não desejava ver o romance publicado. Deixou, no entanto, a Pilar del Rio, a decisão de, postumamente, editar ou não o livro.

Chegados a 2011, o romance é editado, e dificilmente poderíamos louvar mais a decisão de Pilar. Isto porque, e desde já o afirmo, 'Claraboia' é um grande romance. Escrito aos 31 anos, de imaturidade só poderemos falar de compararmos este romance com os que viriam, principalmente a partir de 'Levantado do Chão' (1980), e apenas de um ponto de vista estilístico. Se 'Claraboia' fica a dever alguma coisa aos romances que Saramago viria a escrever, é apenas no que toca a questões formais, questões de escrita. No resto, e que, a mim, me parece mais importante, este livro é plenamente conseguido e, se lhe faltam aqueles ritmos e aquelas marcas escritas que chegariam depois, 'Claraboia' é escrito com uma simplicidade desarmante, que em muito poderá ser uma excelente introdução a uma obra magnífica, que inclui romances tão importantes como 'Memorial do Convento' (1982), 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo' (1991), 'Ensaio sobre a Cegueira' (1995) ou 'Ensaio sobre a Lucidez' (2005).
'Claraboia' abre com a seguinte citação de Raul Brandão

Em todas as almas, como em todas as casas, além da fachada, há um interior escondido.

e este aforismo, de certa forma, é a génese deste livro. José Saramago apresenta-nos um prédio modesto em Lisboa, com seis apartamentos, e, como se operasse um corte no edifício, mostra-nos aquilo que acontece dentro de cada apartamento, e as relações que se tecem, mais intensas ou menos, no espaço comum, ou seja, entre os vários inquilinos. Um sapateiro e a sua mulher, um casal conflituoso constituído por um caixeiro e a sua mulher espanhola, mais o filho de seis anos, uma viúva velha que vive com as suas duas filhas e a irmã, uma bela mulher, amante por conta de um empresário rico, um casal que se odeia e se despreza, marcado pela morte da única filha e um último casal mais aparentemente funcional, que vive com a filha de dezanove anos, os três algo perdidos numa série de delírios pretensiosos.
Um dos aspectos que mais impressiona neste 'Claraboia' é o seu extraordinário arranque. O primeiro capítulo deste romance funciona como uma espécie de curta-metragem, em que Saramago parece seguir, com uma câmara, desde o rés-do-chão, o começar do dia de cada um dos apartamentos, fazendo as transições sempre a partir do espaço comum das escadas, não inserindo, portanto, um corte abrupto de um apartamento para o outro. Este efeito é fortíssimo e, num movimento contínuo, dá-nos uma primeira visão do que se passa naquele prédio.
O que se segue serão vários capítulos, centrando-se cada um, alternadamente, sobre o que sucede dentro de cada um dos apartamentos. Com uma lucidez que não pode deixar de ser notada, Saramago analisa problemas que, começando numa dimensão familiar, se estendem a uma análise que se prende com uma série de questões sociais, tornando-se o livro, discretamente, uma profunda reflexão sobre a vida daquelas pessoas, e o que, nelas, é símbolo de um grupo maior. Assim nos parece tão pungente o ódio entre Justina e  Caetano, gerado possivelmente pela incapacidade de fazer um luto saudável por Matilde, a filha morta, cujo retrato sorridente parece observar a casa e de alguma forma comprometer o que nela se vive; ou então os conflitos entre Emílio e Carmen, ele inerte e indefinido, e ela irascível ao ponto da histeria, junção que só pode confundir o pequeno Henrique, que não parece capaz de compreender a natureza real dos afectos que o ligam aos pais ou ou a sensação de que dentro da casa de Amélia, Cândida, Adriana e Isaura, o tempo pára, como se a casa fosse uma espécie de organismo fechado e autónomo em relação ao mundo.
No entanto, a narrativa é praticamente iniciada quando Silvestre, o sapateiro, e Mariana, a sua mulher, decidem alugar um quarto que têm vazio. Abel é o jovem que se muda, e que, com Silvestre, estabelece um diálogo sobre a utilidade e a finalidade da vida. Estas discussões que os dois mantém parecem ser como fulcros, à volta dos quais irradiam os efeitos práticos dessa vida que ali é discutida.
Os personagens surgem sempre dentro das suas casas, existindo o exterior apenas em conversas ou memórias dos seus habitantes. No entanto, nada em 'Claraboia' é claustrofóbico. Se assim é, é porque o que Saramago criou neste prédio é uma espécie de mundo, a que nada mais faz falta do que, neste caso, o que existe dentro das suas paredes, talvez porque mais importante de tudo seja esse interior escondido de que falava Raul Brandão e que Saramago aqui expõe. O facto de este prédio não ser nunca especificado, ou seja, de nada sabermos quanto à sua localização precisa -sabemos apenas que é na grande Lisboa- nem das suas características arquitectónicas, só vem reforçar essa ideia de que este prédio é um mundo, é um exemplo do mundo, que poderia ser qualquer prédio em qualquer lugar. Afirmar isto sobre um romance que, apesar de só agora vir a lume, foi escrito em 1953, significa ainda dizer que este romance não envelheceu e que nada, nem nos seus assuntos, nem na sua escrita, realmente envelheceu até aos dias de hoje. Bem pelo contrário, neste romance ressoam uma série de dificuldades económicas que se fazem sentir precisamente nos dias de hoje. O essencial, mesmo assim, de 'Claraboia' são os aspectos das relações humanas e Saramago escreve decididamente sobre elas, sem distracções. Ora, se as relações humanas, como sabemos, se vão mantendo sempre, é o facto de Saramago escrever sem distracções que garante ao romance o seu não envelhecimento, pois o que envelhece, nas melhores obras, são os ornamentos e as distracções que essas, já se sabe, vão e vêm. Mas não podem envelhecer coisas como os sentimentos contraditórios entre as pessoas, a sensação de que se vive sem saber porquê, a procura do nosso lugar no mundo, o despertar da sexualidade, as aspirações que temos para a vida, as pretensões de ascender de determinado estrato social, a noção de que não nos inserimos na maioria, ou as formas de dependência que temos pelos outros.


As vidas de cada um dos inquilinos vão seguindo o seu curso e, discretamente, vão-se criando condições para que alguns deles se vejam enredados numa espécie de intriga, que culmina no final do livro, e que vem abalar, de certa forma, o estado em que, no início, encontramos o prédio. Esta intriga, no entanto, parece também ela ser secundária àquilo que é o mais importante do romance, é que é o revelar daquilo que está escondido, e que nos mostra como, efectivamente, as casas são um prolongamento das próprias pessoas. De facto, em parte nenhuma nos é dito sequer que o prédio tem uma claraboia, mas essa claraboia, seja como for, existe, e ela é a escrita, pois é no exercício da escrita que o autor revela aquilo que são estas personagens.
No diálogo do último capítulo, Silvestre, que parece ocupar nesta narrativa um lugar algo central, aquele que observa a vida e lhe destrinça os sentidos, descreve-se como apenas um homem que pensa (p.394). Se não noutros aspectos, pelo menos neste, Silvestre é uma projecção do próprio José Saramago, já aos 31 anos. E isso lhe bastou para escrever um romance que, apesar do estranho destino que teve, é um romance maduro, nítido e edificante. Como uma casa, de resto.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

À Luz o Sangue



Tanto amor pela carne, aqui, à flor
dos ossos.
Mas nada me sacia, nem os velhos
nem os moços.
Nem a esponja da terra que vem de águas
tingidas mostrar à luz o sangue
e me arrasta os destroços.

Armando Silva Carvalho
Técnicas de Engate
1979, ed. &etc
desenhos de Brian Kenny

domingo, 22 de janeiro de 2012

24 de Julho [de 1993]


O prazer profundo, inefável, que é andar por estes campos desertos e varridos pela ventania, subir uma encosta difícil e olhar lá de cima a paisagem negra, escalvada, despir a camisa para sentir directamente na pele a agitação furiosa do ar, e depois compreender que não se pode fazer mais nada, as ervas secas, rente ao chão, estremecem, as nuvens roçam por um instante os cumes dos montes e afastam-se em direcção ao mar, e o espírito entra numa espécie de transe, cresce, dilata-se, não tarda que estale de felicidade. Que mais resta, então, senão chorar?

José Saramago
Cadernos de Lanzarote- Diário I
1994, ed. Caminho


sábado, 21 de janeiro de 2012

Onde Todas as Identidades se Confundem


Distingo, como autor e actor, de entre todos os versos
os de uma funesta
melza: «Doravante
terás o pénis mole, não mais filhos; e depois
morrerás.»
Distingo. Não confundo, pois, o organismo
do texto
com a eternidade do seu órgão
genital.
Acredito que, se o jogo do escritor, a partir de certa altura,
é por si mesmo
proibido de bem o representar
ou pôr em cena; o do órgão desvalorizado e aguardando
uma morte iminente
pode apodrecer, nele, como um poema
sem carne.
Esclareço e de uma forma amável
que se podem fazer versos sem órgãos, sangue,
sexo: ha (sempre houve) perfumes sem flores
e santos sem altares.
No entanto. A partir do momento em que o desejo de vida
a não penetre, a poesia torna-se,
para mim, um embuste
insuportável.

Eduarda Chiote
Órgãos Epistolares
2011, ed. Afrontamento
pintura de Francesco Goya y Lucientes

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

L'Amoreux


La masturbation doit se pratiquer les yeux fermés. Car le plaisir onaniste n'est rien moins que solitaire et l'imagination se doit de convoquer les partenaires les plus divers. Leur visage se maintient dans le flou -artistique- mais la peau s'avère plus sèche ou plus grasse, les chairs plus fermes ou plus souples selon la pression de la main, la dextérité de la caresse, l'amplitude et la vitesse des mouvements. Pourtant, au fur et à mesure que nos mains acquièrent, à force de la parcourir, une conaissance plus profonde et plus sùre notre corps et de ses zones érogènes, de notre sexe e de ses parties les plus sensibles, la diversité initiale des fantômes venus se prêter à notre plaisir singulier fait place à une sélection rigoureuse. Les corps factices sont un à un rejetés dans les limbes tandis que se fait jour peu à peu l'évidence qu'auncun partenaire, réel ou virtuel, ne saurait nous satisfaire comme notre propre main. La masturbation ne rend pas sourd, elle nos change en Narcisse tâtonnant et aveugle.

Saguenail
Jeux de Lazare
2005, ed. Hélastre

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

The Borgias de Neil Jordan

A HISTÓRIA MAIS ANTIGA DO MUNDO



No segundo volume do díptico 'Lisboaleipzig', intitulado 'O Ensaio de Música', diz Maria Gabriela Llansol

''poder'' era a palavra mais próxima de uma palavra muito feia

e sobre estas duas palavras, ''poder'' e a que está próxima dela, poderíamos dizer que versa a mais recente criação de Neil Jordan. 'The Borgias' é uma reconstituição, cingida ao formato televisivo, da família Borgia, no século XV em Roma. 
Com a morte do Papa Inocêncio VIII em 1492, instala-se no Vaticano uma crise de sucessão, uma vez que não parece ser claro, dos três cardeais mais poderosos, qual ocuparia o cargo de Papa. Rodrigo Llançol de Borgia (Jeremy Irons), com ajuda do filho, Cesare (François Arnaud), um clérigo contrariado, irá comprar os votos da maioria dos cardeais do conclave, e assim se torna o Papa Alexandre VI.


Mas a série centra-se, além das peripécias corruptas e calculistas de Alexandre VI, na sua difícil vida familiar. Com a amante Vannozza dei Cattanei (Johanne Whalley), tem quatro filhos: Cesare, clérigo, rapidamente feito cardeal, quando Alexandre VI decide aumentar o conclave para garantir a sobrevivência do seu pontificado, que veste o hábito por imposição do pai, Juan (David Oakes), um militar sem grande aptidão, que acabará por se tornar Duque de Gândia, Lucrezia (Holliday Grainger), uma inocente rapariga cujo primeiro e desastroso casamento iniciará num longo percurso de manipulação diga da verdadeira e perigosa sedutora, e ainda Joffre (Aiden Alexander), um rapaz de catorze anos, que, em breve, estará casado com uma filha do rei de Nápoles, que aproveita para dormir com os dois irmãos mais velhos do marido. A este conjunto acrescente-se ainda Giulia Farnese (Lotte Verbeek), a nova amante do Papa.
É entre a complexidade do agregado familiar, gerido mais pelos interesses do poderio do que pelos afectos, e o percurso pessoal de cada um dos Borgias que esta série cria o seu enredo, denso e certeiro no que toca a dar-nos uma dimensão do estado da Igreja Católica durante o Renascimento. Mais ainda, esta série demonstra-nos que, realmente, o Poder como forma de controlo e manipulação é a história mais antiga do mundo, de que os Borgias foram exemplo crasso, e assim verificamos que Gabriela Llansol estava correcta, e que o Poder concentrado nas mãos de um é a melhor forma de foder todos os outros (Sabemos perfeitamente que esta era a palavra a que ela queria chegar...).
É evidente que a série, para existir enquanto isso mesmo, série de televisão, se vê forçada a, muitas vezes, distorcer um pouco os factos históricos, não só em vários lapsos temporais, como na própria concepção de personagens. Por exemplo, Cesare Borgia foi responsável pela morte de muitas pessoas e, depois de renunciar ao seu lugar de cardeal, tornou-se um déspota de tal forma exacerbado, que mereceu referência no 'Príncipe' de Maquiavel, ao passo que aqui o encontramos como um personagem algo torturado e que ganha em intensidade o que perde em alegria, intensidade essa que François Arnaud parece hesitante em conseguir no episódio-piloto, mas que encarna assinalavelmente nos restantes. O mesmo se diga em relação à escolha de Holliday Grainger para o papel de Lucrezia Borgia: Neil Jordan surpreende-nos com uma Lucrezia Borgia que não é a femme-fatale canónica e, bem pelo contrário, torna-se manipuladora e sedutora por parecer tão cândida e quase acriançada. Mais ainda, Jordan segue o rumor, nunca comprovado historicamente, de que existiria uma relação incestuosa entre Cesare e Lucrezia.


Ora e se evidentemente não poderíamos exigir rigor histórico num formato destes, poderíamos, isso sim, exigir uma recriação verosímil da época da família Borgia e, nesse aspecto, Jordan excede todas as expectativas. Tudo em 'The Borgias' parece ter sido pensado ao pormenor, desde as roupas aos cenários, com diálogos eficazes e bastante significativos.
Terminada a primeira época, que só recentemente começou a ser exibida em Portugal, a segunda começará em breve nos Estados Unidos, e pode ser seguida pela internet. Se a qualidade continuar, é caso para dizer, corruptos eles ou não, longa vida aos Borgias.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Björk: Biophilia

FEEL IT

A meia-dúzia de pessoas que eventualmente vá lendo este blog já deve ter percebido que eu sou fã de Björk a um nível bastante extremo. Quer isto dizer que, por um lado, estou bastante por dentro daquilo que tem sido o percurso dela, que é bastante desafiante, mas também que, por outro lado, me falta algum distanciamento em relação a esse mesmo percurso. Não creio que me falte sentido crítico, mas, de certa forma, talvez tenha para Björk uma predisposição, um estado de open mind, que possivelmente não terei em relação a outros projectos. Ao mesmo tempo, acho que não tiver essa capacidade de open mind, de qualquer forma nunca irá conseguir apreciar verdadeiramente o trabalho desta islandesa.
Pensemos, portanto, no que tem sido o percurso de Björk, desde 1993 (Deixemos para trás os álbuns 'Björk', de 1977 -tinha ela, portanto, 12 anos- e 'Gling Gló', de 1990, que não contém originais e se situa ainda na área do jazz.). Onde o álbum 'Debut' parecia reinventar a música de dança, 'Post' (1995) vinha revelar um lado mais polido, oscilando entre a agressividade de canções como Army of Me ou I Miss You, e a serenidade de outros como Hyperballad ou Isobel. Em 1997, 'Homogenic' vinha trazer um lado novo à musica de Björk, mais denso, fazendo a síntese entre a electrónica e o acústico. 'Vespertine' (2001) levava a experiência do álbum anterior a um novo extremo, focando-se no lado melódico das composições, particularmente através da inclusão de instrumentos como a harpa, a celesta e as caixas de música. Em 2002 e 2003, Björk parece ter-se interessado por fazer uma retrospectiva do seu percurso que, não sendo longo, era já bastante complexo: assim surgem, em 2002, o 'Greatest Hits' e a caixa 'Family Tree' e, em 2003, a 'Live Box' com registos ao vivo de cada uma das digressões.
Segue-se em 2004 um dos álbuns mais polémicos de Björk, 'Médulla', gravado parcialmente a-capella e que não caiu bem a muita gente, incluindo fãs desta artista completa. Em 2005, em tempo record, surge ainda a banda sonora para 'Drawing Restraint 9' de Matthew Barney, um trabalho ainda mais complexo e mal-entendido por ainda mais pessoas, e que já nada tem a ver com 'Selma Songs' (2000) que continha algumas das canções de 'Dancer in the Dark' de Lars Von Trier.
O álbum seguinte, 'Volta', veria a luz do dia em 2007 e, em muito, recuperava a pujança de alguns dos primeiros momentos da discografia de Björk, acrescentando-lhes uma dimensão algo ancestral que não dispensava alguns sentidos políticos bastante eloquentes em canções como Earth Intruders ou Declare Independence.

Chegados a 2011, e depois de alguns breves atrasos, tivemos finalmente acesso ao novo álbum de originais, o nono. Apresentados os conceitos e feita a primeira audição, pensa-se deste 'Biophilia' que é provavelmente o projecto mais complexo que Björk já concretizou até hoje. Depois, lembramo-nos que foi exactamente isso que pensamos no momento em que ouvimos qualquer um dos álbuns. Esta é uma das características que eu mais admiro na minha querida islandesa: parece completamente incapaz quer de se cansar quer de se resignar. Com uma carreira fulgurante como a que tem tido até agora, seria de esperar que já se tivesse repetido, ou que já tivesse acalmado a inquietude que tem originado a grandeza dos seus conceitos. Nada disso. Muito pelo contrário, a criatividade de Björk parece estar cada vez mais espicaçada e mais irrequieta. Acho que é isto que faz um grande artista, sem dúvida.
Entre a criação de apps originais para estas canções, o fabrico de instrumentos especificamente inventados para estas composições e as múltiplas investigações sobre as mais variadas e inesperadas formas de vida do nosso planeta, 'Biophilia' dificilmente poderia chegar com mais promessa. O conceito deste álbum vem colocar uma série de questões que convém não esquecer. Por exemplo, na questão do apps para as canções, podemos perguntar-nos se estas canções ficam empobrecidas sem eles (E isto interessa quando sabemos que um álbum difícil como era 'Drawing Restraint 9' era apreciado de uma forma totalmente diferente quando acompanhado das imagens do filme de Barney.). Ou então se a pesquisa sobre a biofilia (Entenda-se, o amor por tudo o que vive.) e sobre as formas de vida do planeta não seria, de certa forma, uma proposta difícil de resolver liricamente.
Começamos a ouvir Moon e percebemos que, de facto, não só não há razões para alarme, como não nos faltam razões para, mesmo tratando-se de Björk, ficarmos surpreendidos com a desenvoltura como ela resolve as dificuldades de um projecto tão ambicioso. Esta primeira faixa parece recuperar alguns aspectos do álbum 'Medulla' onde, de uma composição perfeitamente serena, subvem, de repente, uma certa violência, conseguida através da inclusão dos coros e de um trabalho bastante elaborado e subtil com a voz.   A letra, escrita por Björk, é feita de um discurso proferido pela lua, acerca dos ciclos lunares, e, fazendo uso de uma dimensão algo mitológica e transfiguradora, não lhe faltam qualidades poéticas. A ideia dos ciclos lunares é aumentada no esquema instrumental, onde sequências de harpa, que contam com a habitual participação de Zeena Parkins, são repetidas, ciclicamente, mais ou menos como acontece com a lua.
Segue-se uma das melhores canções do álbum, Thunderbolt, verdadeiro momento de um romantismo dramático, tanto pela letra, que nos fala de um amor universal


my romantic gene is dominant
and it hungers for union
universal intimacy
all embracing

como pelo esquema instrumental, onde a electrónica ajuda a criar uma sonoridade grave e pesada, mas sóbria apesar de tudo, a fazer um contrapeso perfeito para a voz, sensual e exacerbada, contrapeso esse que confere à canção um equilíbrio perfeito. A questão da pausa é também bastante importante nesta canção, que várias vezes pára para respirar, o que representa o tempo de espera entre o momento em que vemos um relâmpago e o momento em que o ouvimos.
Crystalline parece trazer de volta algumas questões que existiam já num álbum como 'Post', e que em muito se prendem com um lado mais expansivo, quase dançavel, da música de Björk. Neste caso, os sons estridentes do gameleste (Uma nova versão da celesta, concebida na Islândia para este 'Biophilia'.) que começam a canção vão criando uma estrutura bastante definida com a voz, que nos canta sobre a formação de cristais, e o esquema instrumental vai crescendo e acrescentando alguns elementos de percussão e alguns momentos de pausa. Este jogo é colmatado, no final, com um segmento de percussão e electrónica bastante mais pesado, que, tal como acontecia em Army of Me, nos faz pensar um pouco em drum'n'bass ou até em rock, universos que, de resto, Björk soube sempre incorporar na sua música.
Segue-se Cosmogony, outro dos temas a que tivemos acesso ainda antes do lançamento do álbum, e que, de certa forma, tem a letra que melhor poderia ser a génese de 'Biophilia', centrando-se sobre a questão da origem da vida e do universo, dando-nos uma espécie de imagem geral, dentro da qual cada uma das restantes canções se centra num pormenor. Musicalmente, a canção é construída em torno dos arranjos de sopro, um pouco como já vinha acontecendo desde 'Drawing Restraint 9', acabando a canção por ser uma das mais despidas do álbum, fazendo a voz uma espécie de discurso sereno.
Dark Matter segue mais ou menos a mesma lógica, ainda que deposite na dimensão electrónica um papel importante, acabando no entanto a canção por se fazer valer da sua leveza, como que remetendo-nos para a impossibilidade de ver a matéria negra.
Sobriedade é ainda a lei que parece reger a canção seguinte, Hollow, que, de certa forma, quase faz uma síntese entre 'Medulla' e 'Volta'. A utilização do arranjo de órgão com os coros resulta numa canção de certa forma assustadora, ou tenebrosa mesmo, e o som dos coros atrás da voz de Björk parece ser a melhor maneira de ultimar o tema da letra, que se prende com a presença dos nossos antepassados no nosso corpo, através do ADN. Os coros que ressoam atrás da voz principal parecem dar voz a esses antepassados. Quase no final da canção, a linha de electrónica parece ocupar o lugar desse 'colar' que é o ADN, movimentando-se entre todas as vozes e o órgão.
Um pouco a recuperar o dramatismo lírico de Thunderbolt, mas bastante diferente dessa canção em tudo o resto, surge Virus, uma interpretação romântica da relação entre um vírus e a célula que ele ocupa. A letra, no mesmo tom quase fatalista de Thunderbolt, narra esta história de um ponto de vista invulgar, fazendo da fusão parasitária do vírus uma forma derradeira de amar o corpo a que se agarra, como se quisesse juntar-se-lhe para sempre. Já musicalmente, a utilização da gameleste, num registo bastante diferente de Crystalline, começa por orientar a canção sem se fazer ouvir demasiado e, no decorrer desta, vai dominando tudo, sobrepondo-se, no final, à própria voz, ou seja, recriando um pouco o efeito que um vírus tem numa célula.
Canção de excelência é também Sacrifice, que nos apresenta outro instrumento original, o sharpsichord, espécie de cravo modificado, que é o acompanhamento perfeito, dramático mas não sentimental, para a história de auto-sacrifício de que fala a letra. A voz sibila sobre o som deste instrumento, num tom que está entre o acusatório e o comovido. No final, as percussões electrónicas vêm dar algum movimento mais à canção, como se as exigências feitas pelo narrador, dirigidas ao Homem em nome da Terra, começassem a ser cumpridas.
O órgão regressa em Mutual Core, num registo consideravelmente menos lúgubre do que o de Hollow. A composição é bastante discreta e harmónica, surgindo quase como pano de fundo à voz que, neste caso, tem o protagonismo. A meio, a electrónica vem recuperar aquele sabor a drum'n'bass que Crystalline também já continha, e assim uma canção perfeitamente discreta se transforma num momento explosivo e emotivo, que recusa completamente a simetria, preferindo a todo o momento recuar, avançar de novo, oscilando entre as duas facetas extremas que a canção parece conter. Mutual Core é outra das grandes canções de 'Biophilia'.
A fechar o álbum, temos Solstice, uma letra de Sjón, outra colaboração já antiga, musicada por Björk. O poema, apesar de ser o único escrito por outra pessoa que não Björk, adequa-se perfeitamente aos conceitos do álbum. A análise do solstício, em relação com o efeito da gravidade, é legitimada no esquema instrumental pelas harpas-de-gravidade, que funcionam segundo uma estrutura pendular. É outro caso em que o que é realçado é a voz, numa espécie de diálogo com o fundo instrumental bastante simples e harmonioso, recriando, nalguns aspectos, aquilo que acontecia com Moon, como se o álbum se reiniciasse na sua última faixa.

Acima de tudo, 'Biophilia', independentemente do seu alinhamento, parece funcionar como uma espécie de universo próprio. Não é inteiramente analítico, pois isso implicaria um certo distanciamento face ao que é analisado, ao passo que estas canções são escritas não raras vezes na primeira pessoa. 'Biophilia' é todo um projecto complexo e profundamente intelectual mas que, de certa forma, para ser experienciado precisa, acima de tudo, de ser sentido. É um álbum emotivo e exacerbado, que não negligencia o pressuposto do amor por todas as formas de vida. Os seus pontos de vista são frequentemente surpreendentes e insólitos. Como seria de esperar, Björk não esgota na escrita das letras o tema da natureza. Isto porque está longe de ser gratuita a criação dos novos instrumentos para este álbum. Pelo contrário, nota-se o objectivo de encontrar novas sonoridades, sons que tenham algo de telúrico e de orgânico e que se esquivem de criar para as letras fundos instrumentais que nada tenham que ver com elas. Pelo contrário, todas as composições e todos os esquemas instrumentais são pensados ao pormenor para servirem o tema que tratam, e é por isso que tudo, nestas canções, canta esse amor pela natureza.
Como parece ser seu hábito, Björk excede as expectativas e excede-se a si mesma, provando que um conceito desta polivalência e desta densidade não é demasiado ambicioso para as suas capacidades criativas. Este é um álbum realmente novo, que dificilmente poderíamos aproximar muito de qualquer outro dos álbuns passados, ainda que, deles, 'Biophilia' vá colhendo um ou outro aspecto, no sentido de o reinventar e ampliar.
Mais ainda, este não é um álbum que possamos definir com as diferenças entre o acústico e o electrónico, porque muito nele é completamente inédito, e recusa categorizar-se por aquilo que essas definições habitualmente comportam. Björk faz-se acompanhar de uma equipa bastante competente, que conta com algumas participações nada recentes, como é o caso de Zeena Parkins, mas também dos Matmos, de Mark Bell, de Damien Taylor, Leila Arab ou Matthew Herbert. Esta questão está longe de ser secundária, uma vez que é muito importante quando se trabalha com conceitos desta delicadeza, fazê-lo com aqueles que melhor conhecem a dinâmica de trabalho de Björk.
Uma vez mais, Björk apresenta-nos um disco entusiasmante e assombroso, que apetece ouvir repetidamente e nos deixa bastante curiosos sobre o que fará ela a seguir.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Anima Anceps



Till death have broken
Sweet life's love-token,
Till all be spoken
That shall be said,
What dost thou praying,
O soul, and playing
With song and saying,
Things flown and fled?
For this we know not--
That fresh springs flow not
And fresh griefs grow not
When men are dead;
When strange years cover
Lover and lover,
And joys are over
And tears are shed.

If one day's sorrow
Mar the day's morrow--
If man's life borrow
And man's death pay--
If souls once taken,
If lives once shaken,
Arise, awaken,
By night, by day--
Why with strong crying
And years of sighing,
Living and dying,
Fast ye and pray?
For all your weeping,
Waking and sleeping,
Death comes to reaping
And takes away.

Though time rend after
Roof-tree from rafter,
A little laughter
Is much more worth
Than thus to measure
The hour, the treasure,
The pain, the pleasure,
The death, the birth;
Grief, when days alter,
Like joy shall falter;
Song-book and psalter,
Mourning and mirth.
Live like the swallow;
Seek not to follow
Where earth is hollow
Under the earth.

Algernon Charles Swinburne
Poems and Ballads
1866,  ed. Edward Moxon, London
pintura de Felix Labisse

sábado, 14 de janeiro de 2012

A Feiticeira Cotovia



Se a palavra poderosa
Ilumina o que é vedado
Há-de abrir-se a brusca rosa
Do que está vaticinado.


Onde não soube a cidade
Merecer a alma que tinha
Num espasmo de carvões há-de
Ter na cinza a sua sina.


Como a Virgem dos Destroços
Que é o luar das ruínas
Plantarei florestas de ossos
Onde eram Sete Colinas.


Vou joalhar no ourives
De um áureo tempo futuro
O poeta que em mim vive
Como um gato no escuro.


Pela peregrinação
Dos nervos de Fernão Pinto
Vou partir no galeão
Que falta do nosso instinto.


Vou pelos campos de linho
Do Poeta D. Dinis
Atirar a flor do pinho
Que onde cai é um país.


Vou por tardes de alecrim
Unir em saltos de corça
A abelha Bernardim
Com a rosa menina e moça.


 Eis-me nua e salamandra
Enchendo a noite de jóias
Trazendo como Cassandra
Um diadema de Tróias.


Nossa Senhora Astarteia
Com seios como damascos;
Pancada de lua cheia
Na fronte dos meus carrascos.


Natália Correia
Comunicação
1959, ed. Contraponto
desenho de Edward Burne-Jones

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Os Outros Mundos XXVII



Seremos como a vela arrancada do mastro,
entregue aos vendavais, numa inútil procura.
Atravessaremos os mares sem conhecer a paz
da âncora no porto, submersos no nosso próprio ímpeto.


Estáticos horizontes contemplarão o voo
que jamais tocará o fogo das estrelas.
Dir-nos-ão as nuvens, mostrando-nos o arado:
«Descemos para tornar o solo fértil.»


Seremos um delírio girando eternamente.
Passaremos sedentos à beira do infinito,
ávidos de luz e loucos de voar;


e cobertos do pó que sobe dos caminhos,
repassados de orvalho até à alma,
seremos os peregrinos desta aventura eterna.

Félix Cucurull
trad. de António de Macedo e Carlos de Oliveira
Vida Terrena
1966, ed. Ulisseia
gravura de Giséle Célan-Lestrange

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Direito de Resposta



Com as mãos fechadas
se constrói a nossa única
verdade: o amor desencontrado


Apertamos as mãos suadas
uma contra a outra
para as molharmos
nas mãos reinventadas


e vamos no frio do Inverno
e nos seus gumes
ao encontro um do outro
e somos só os desencontros


Nas roupas já suadas descobrimos
a fúria de viver e os mil perfumes
do fundo destas mágoas
e a verdade passa a ser


o modo como calamos e fugimos
das palavras e dos gestos   Já sabemos
que nada pode mais acontecer
só o gosto da pele em que existimos

António Carlos Cortez
À Flor da Pele
2007, ed. Casa do Sul
fotografia de Slava Mogutin

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Depois de um exame, pensar em amor

gouache de Isabel de Sá



Anathema: Thin Air (2010)
letra de Vincent Cavanagh, Daniel Cavanagh e John Douglas


AUSÊNCIA SETE

Morro de te morrer diariamente,
habito no fundo destas latas.

Caminho para os bichos que me devoram
em teu incêndio
e teus joelhos sombrios,
esta neve agitada de cinzas.

São de morte meus ossos, de uma cor
dançante e muda.

São de túnicas podres
como um reino de ruas reflectidas.

São lúgubres os corpos, braços magros,
sinto o meu espectro, uma origem nua.

Cerejas que
são morte de te morrer.

Jaime Rocha, Beber a Cor
1985, ed. &etc


Natalie Merchant: My Skin (1998)
letra de Natalie Merchant



sábado, 7 de janeiro de 2012

Maria Teresa Horta

Isto de prémios é assunto que, regra geral, me interessa pouco, provavelmente porque, regra geral uma vez mais, os considero entre mal entregues e muito mal entregues. Por exemplo, a entrega do Prémio Fernando Namora, em 2011, a Gonçalo M. Tavares, quando, de entre todos os finalistas, se contava apenas um verdadeiro escritor e um verdadeiro grande livro, que era o 'Adoecer' de Hélia Correia. Nunca sei muito bem se estas minhas opiniões terão algum fundamento mais que o pessoal, mas o facto é que raramente um prémio literário me parece bem entregue.

Não é caso, devo admiti-lo, do Prémio D. Dinis da Casa de Mateus, entregue esta semana a Maria Teresa Horta, pelo romance 'As Luzes de Leonor'. O que tinha a dizer sobre o romance, já o disse aqui, mas não podia deixar de assinalar o momento em que Maria Teresa Horta que, a meu ver, muito injustamente tem sido deixada de lado no que a prémios e reconhecimentos diz respeito, é finalmente galardoada com um prémio importantíssimo como é este e que mais não faz do que dar o seu a seu dono, neste caso, a sua dona.
'As Luzes de Leonor' é certamente um dos momentos mais importantes de 2011, um romance que convém não deixar escapar e que vem muito adequadamente juntar Maria Teresa Horta a uma lista de laureados que, desde 1980, inclui Agustina Bessa-Luís, Maria Velho da Costa, José Saramago, Fernando Guimarães, Maria Gabriela Llansol, Luísa Costa Gomes, Sophia de Mello Breyner, Joaquim Manuel Magalhães, Eduardo Lourenço, Fiama Hasse Pais Brandão, Lídia Jorge, António Lobo Antunes, Gastão Cruz, Hélia Correia, António Franco Alexandre e João Barrento, entre muitos outros.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Linked Hybrid (Pequim) de Steven Holl: do desenho à construção



Pratt Institute Higgings Hall, de Steven Holl







Steven Holl está longe de ser um dos meus arquitectos de eleição. No entanto, o Higgings Hall do Pratt Institute, a ligação entre dois dos edifícios do Pratt Institute, uma escola de Arte, parece-me um trabalho bastante conseguido que não trai, de forma alguma, os conceitos presentes nas obras mais conhecidas de Holl, como  o Kiasma de Helsínquia, o Simmons Hall do MIT ou o Knut Hamsun Center de Hamaroy. Aliás, se isolarmos estes dois últimos trabalhos, o primeiro projectado em 1999 e o segundo projectado em 1994, veremos que este Higgings Hall, projectado em 1997, ou seja, entre os dois, de certa forma contém aquilo que de melhor ambos os projectos parecem ter. Por um lado, faz o uso da irregularidade desconcertante e quase excessiva que encontramos no Knut Hamsun, que parece talhar as formas até nada nelas restar de puro e, por outro, utiliza a multiplicidade de planos como forma de, mais subtilmente, conferir alguma assimetria e alguma arritmia dentro de uma forma regular.
Assim sendo, o Higgings Hall apresenta-nos uma fachada rectangular, divida em seis rectângulos agrupados numa grelha em que, verticalmente, são iguais, e horizontalmente são diferentes, construídos em vidro. Esta grelha é encimada por uma cobertura, também em vidro, que  nivela as cotas.
Mas o clímax desta obra, que surge, como seria de esperar, descentrado, e que vem transtornar o ritmo da grelha, é um aglomerado, quase literalmente, de portas e janelas de vidro, que, ao contrário da restante fachada, não têm qualquer material translúcido a protegê-las. Assim, o que fica em destaque nesta fachada é  o amontado de janelas e portas, todas com caixilharia vermelha, em que não há duas superfícies da mesma dimensão e que, numa composição perfeitamente equilibrada, vêm inserir o elemento desconcertante como protagonista, levando a um outro nível a experiência que Holl já havia feito na Sala de Exposição da Pace Collection em 1985/6 (Um trabalho menos conhecido de Holl que, não obstante, me parece pessoalmente, um dos mais valiosos.) ou nas fachadas das Vivendas de Fukuoka de 1989/91.
Sendo que o Higgings Hall faz a passagem entre dois edifícios cujas fachadas em tijolo apresentam uma clara regularidade, o projecto de Holl ganha ainda mais destaque, não só pela disconexão que cria, mas, por outro lado, por inserir um elemento perfeitamente luminoso e, apesar de tudo, suave, entre dois edifícios robustos e maciços. 

A Sala da Pace Collection

As Vivendas de Fukuoka

Alguns desenhos de Steven Holl

(Para o Knut Hamsun Center)





(Para a Glasgow School of Art)







domingo, 1 de janeiro de 2012

Canção para 2012



Se há coisa que canções como este 'We Found Love', de Rihanna e Calvin Harris têm de engraçado é que, por norma, não duram mais que umas semanas, o suficiente para os seus intérpretes lançarem mais um single.
Será, por isso, estranho, dizer que esta seja a canção para um ano inteiro. Mas, para mim, é. Isto porque 2012 será, segundo o nosso canino governo, um ano maldito, o hopeless place de que a letra fala.
E se Dante disse 


There is no greater sorrow
than to recall happiness in times of misery

ou seja, que não há maior angústia do que a de recordar a felicidade em tempos de miséria, eu torço um pouco as coisas e digo que não haverá alegria maior do que encontrarmos a felicidade em tempos de miséria, quando é suposto encontrarmos só angústia.
 E como de 2011 levo algumas coisas boas e que, por sinal, são para continuar e crescer em 2012, acho que esta música pode bem ser o outro lado do ano da austeridade e dos cortes e da vontade ainda mais aguçada de que morra Passos Coelho.
E portanto, a música aqui fica, para mim, e para quem partilha comigo o seu RUÍDO!!!!!!!!!
Porque é de ruído que precisamos! Ou então sou só eu.