sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

[Aonde está o vidro da janela,]



Aonde está o vidro da janela,
aonde está o longe, o além, o ali
réstia de sol que eu sabia
morar dentro de mim?


Que pássaros vorazes comeram as estrelas
tragaram nos penedos
nuvens de fogo correndo à desvairada?


Miragem da distância transparente
que mãos te destruíram memória sonhos ruína
na ponte que me leva as lágrimas ao vento?


E o meu cabelo preso na porta que fechaste.


             Não há canto de galo
             nem manhã com perto
             não há silêncio,
             nem vozes para o ver.
             Não há senão
             o não haver.


Morre fastio azul no corredor deserto.


Sem rebanhos,
perco mãos nas cristas das montanhas
e sinto as algemas da ordem
sem segredo.


Manteiga sem vaca, nem mugido, nem esterco.


Ai rio, rio,
braços que me escorrem à procura de mar.
Como me dói o ar!

Salette Tavares
Espelho Cego
1957, ed. Ática
pintura de Frank Auerbach

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