terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Homem do Saco


Uma incontinência de vapores oleará as máquinas que se furtam
aos ritmos colectivos
aos coaxos perfeitos
aos amores volúveis.
O homem do caso lava-se uma vez por século, pensava eu, entre duas colheradas de sopa. No círculo branco debruado de azul flutuavam troços de couve arrepiada: semi-cerrados olhos destrinçavam as rotas: suas rosas, seus ventos. O quadro acima desescrito prolongava-se anormalmente; no círculo marejado de azul (debruado de verde?) pousavam moscas, cabelos, caliça. A íris escapava ao minúsculo labirinto da podridão. Meu olhar, porque me abandonavas?
Era preciso lapidar o homem do saco.

Outras feras felizes devorariam as palavras vãs que de mim fizeram o que fui. Um céu apa-lavrado abater-se-ia sobre o nada que das feras restaria. A felicidade reinaria caso se tomasse O NOVO ESPÍRITO DE CONTRADIÇÃO. No azul e verde dos mapas, as serras encolheriam as garras. A terra em-fim plana enrolar-se-ia num gracioso esgar.

Este peditório reverterá a favor da compra de um saco. O saco será arrematado em leilão público. O comprador do saco percorrerá mundo, enviará postais. Os clichés assombrarão um número razoável de gavetas. Reconciliado com o mundo, voltará o homem com o seu saco despejado.

A lua infestada de cães. O rabo, talvez, entre as pernas. O saco, decerto, às costas.

Nas ruínas respira-se o futuro do passado. As ruínas rimam com violadores, intrusos, visitantes. Nelas se perde e reorganiza o sentido plástico. As formas ferozes debruam-se de cor-dura, as vacas emagrecem a olhos visto e quem tudo pode, tudo vomita. Golfadas de crepúsculo lavam as pedras que sabem banir os objectos do sacrifício. Nas ruínas corre o leite das mamas moles das madrastas.

Regina Guimarães
in 'Ruínas'
1990, série 'Elogios', Quatro Elementos editores
colagem de Raoul Hausmann

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