terça-feira, 18 de outubro de 2011

Carlos Queiroz: Fernando Pessoa, o Poeta e os Seus Fantasmas [org. Maria Bochicchio]

ALGUMAS NOTAS DESNECESSÁRIAS

Sobre o texto que compõe este livro, 'O Poeta e os Seus Fantasmas', escrito por Carlos Queiroz em 1940, não poderei dizer muito, pois creio que o prefácio de Maria Bochicchio, organizadora do volume, é por demais esclarecedor e completo. Trata-se de uma conferência inédita em livro, e lida pelo autor numa palestra, como apresentação do poeta Fernando Pessoa, ainda pouco divulgado na altura. O texto torna-se no entanto bastante valioso, no sentido em que não só constitui uma leitura sintética e adequada da obra de Pessoa, como ainda nos dá uma dimensão algo pessoal do poeta que apresenta, já que Carlos Queiroz era, além de sobrinho de Ofélia, a namorada de Pessoa, como um bom amigo do poeta.


As notas que desejava aqui deixar sobre 'Fernando Pessoa: O Poeta e os Seus Fantasmas' prendem-se essencialmente com a natureza da edição. Trata-se de uma edição crítica, em que temos, pela primeira vez, acesso a um texto que pode fazer realmente bastante diferença para uma leitura da obra de Pessoa, mas também sobre o impacto que essa obra teve no seu tempo, como foi lida, e o que é que, dessa época, continua a ser lido hoje numa mesma obra, além do valor do lado pessoal do texto. Esta edição é ainda bastante cuidadosa no que toca a contextualizar o texto que lhe dá título, mostrando-nos a notícia de jornal onde é dado parte do título da palestra (Que não está no manuscrito.), mas também contextualizando a relação entre Queiroz e Pessoa através de algumas cartas e envelopes, do texto que Pessoa escreveu sobre 'Desaparecido', o primeiro livro de poemas de Carlos Queiroz, de 1935. Este trabalho de recolha parece-me realmente importante, no sentido em que ele nos fornece toda uma história que é, de facto, relevante para a leitura do texto 'O Poeta e os seus Fantasmas'. Mas, mais importante que isso, esta recolha dá-nos, finalmente, acesso a alguns curiosos textos sobre Fernando Pessoa que, até hoje, se mantinham inéditos ou inacessíveis ou quase-inacessíveis. É o caso de algumas cartas trocadas entre os dois poetas, o manuscrito do poema 'O Amigo' em que Carlos Queiroz fala de Pessoa, a Palestra de 9 de Dezembro de 1935, que Queiroz leu na Emissora Nacional e cujo texto veio a ser editado em 'Homenagem a Fernando Pessoa, com excertos das suas cartas de amor e um retrato por Almada' (ed. Presença, 1936, edição extremamente rara.), a 'Carta à Memória de Fernando Pessoa' editada no número 4 da presença (1936) e o texto 'Efemérides' de 1938, nunca editado.
Exceptuando o texto principal, que também aparece transcrito, os restantes surgem-nos em fac-simile dos manuscritos e dactiloescritos e mesmo das suas impressões originais noutras edições. Através das correcções e rasuras, encontramos algumas das hesitações de Queiroz, sobre a forma como explicaria Pessoa, e, muitas vezes, essas correcções dão-nos conta da meticulosidade com que Queiroz desejaria expressar-se sobre o seu amigo e admirado poeta. Além disso, o interesse pelo lado filológico era também decisivo num anterior trabalho de Maria Bochicchio, 'O Paradigma do Pudor' (2007), edição crítico-genética de 'A Chaga do Lado' de José Régio.


Ainda sobre as várias naturezas de documentos que aqui encontramos, também me ocorre realçar que o tipo de recolha que a organizadora faz para este volume bastante sólido é um tipo de trabalho que, infelizmente, tende a desaparecer. A entrada em vigor das novas tecnologias acaba por fazer desaparecer as cartas, a caligrafia, as correcções, e até as várias 'vozes' que podemos descortinar ao ler um manuscrito, marcadas pelo desenho das próprias letras. E por isso, saber aproveitar as potencialidades de tudo isso e apresentá-las fac-similidas, não deixa de me parecer uma boa opção por parte de M. Bochicchio. Ainda que muitos considerem a análise filológica algo árida, eu penso que ela nos dá uma dimensão bastante importante sobre o texto que é escrito -em última análise, num manuscrito podemos compreender a crítica que o autor faz sobre si mesmo, e que o leva a substituir determinada palavra, riscá-la com mais ou menos intensidade, até atingir um texto acabado.
Penso que este livro não deixa de ser uma leitura importante, não só pelo insight que nos dá sobre Pessoa, como também pelo que nos dá sobre a personalidade poética e crítica de Carlos Queiroz, que poderá ser-nos útil na leitura das suas Obras, que a Ática/Babel começa agora a editar.

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