sábado, 12 de março de 2011

Session 9 de Brad Anderson

FILME DE TERROR DA DÉCADA




Agora que chegamos a 2011 e que a década entre 2000 e 2010 terminou, penso que é uma boa altura para falar daquele que me parece ter sido o melhor filme de terror produzido nesse período. Refiro-me a "Session 9" de Brad Anderson.
O único filme capaz de ombrear com este será "Jeepers Creepers" de Victor Salva. Ainda que este seja, como disse, um grande filme, parece-me que, pela sua subtileza, "Session 9" consegue ser melhor.
Relativamente à história, ela é, em parte, baseada em factos verídicos. Trata-se do Asilo Psiquiátrico de Denvers, Massachussets, aberto em 1878 e fechado em 1984. Na realidade, muitos afirmam que foi neste hospital que se desenvolveram as lobotomias pré-frontais, bem como uma série de outros métodos utilizados para o tratamento de doenças mentais. No filme, acrescenta-se a história particularmente tétrica de Patricia Willard, que iniciou um escândalo cujo desenvolvimento custou ao hospital o encerramento.
O edifício propriamente dito, projecto da autoria do arquitecto Nathaniel Jeremiah Bradlee, existe efectivamente, e o filme foi rodado aí mesmo. Acrescento que o filme, feito em 2002, é uma boa oportunidade de apreciar o edifício, que em 2006 foi demolido parcialmente, encontrando-se agora em reabilitação.
Tudo isto aponta-nos já uma interessante característica deste filme. Ele é feito com meios muito parcos: uma equipa muito pequena, com poucos actores, e, maioritariamente, sem utilização de cenários feitos especificamente, utilizando-se nas mais das vezes cenários reais.
A história propriamente dita começa quando a câmara de Denvers se mostra interessada em reabilitar o asilo. Gordon Fleming (Peter Mullan) é o dono de uma pequena empresa de remoção de amiantos, que se encontra perto da falência. O seu desespero é em muito enfatizado pelo facto da sua filha bebé sofrer de meningite e precisar de tratamentos. Assim sendo, consegue o trabalho, a partir da promessa de um trabalho eficaz e executado em apenas uma semana (Incrível para um edifício de tão grandes dimensões.).
Da sua equipa fazem parte Phil (David Caruso), Hank (Josh Lucas) e Mike (Stephen Gevedon), aos quais se junta ainda Jeff (Brendan Sexton III), o sobrinho de Gordon, contratado pela necessidade de trabalho rápido.
Desde a primeira vez que entra no asilo, Gordon ouve uma estranha voz, que o cumprimenta e lhe pergunta se o consegue ouvir.
À medida que o trabalho se inicia, cada um dos elementos da equipa vai encontrando pequenas distrações: Hank descobre acidentalmente um compartimento secreto onde estão guardadas grandes quantidades de moedas de ouro e prata, bem como outros pequenos objectos de valor. Por seu turno, Mike, que deixou a meio o curso de Direito mas se mostra um intelectual, foca o seu interesse numa pequena dependência de um consultório, onde encontra uma caixa com 9 sessões gravadas em fita sonora de uma paciente chamada Mary Hobbins. Utilizando o gravador que está ainda no consultório, Mike vê-se perante um caso de esquizofrenia, em que a paciente estaria possuida por três espíritos: Billy, a Princesa e Simon. Ao longo das sessões, intervêm Billy, que diz viver nos olhos porque vê tudo; e a Princesa, que diz viver na boca, por ser ela quem fala. Simon mantém-se silencioso. O objectivo do psiquiatra parece ser que um deles conte em voz alta o que se terá passado numa noite de Natal em Lowell, algo que terá sido suficiente para que Mary fosse internada e de que a própria não tem consciência.
A tensão vai crescendo entre os personagens pois todos, de uma forma ou outra, se sentem pressionados pelas condições em que estão a trabalhar e um certo ambiente de loucura se cria, principalmente a partir do momento em que Hank desaparece sem explicações, depois de durante a noite ter invadido o asilo para recolher os valores que havia encontrado, sem que se perceba sem se foi ou não atacado ao sair.
Com todas as situações estranhas que vão acontecendo, Mike parece ganhar a convicção de que o que se passa presentemente está de alguma forma relacionado com o caso de Mary Hobbins.
Esta tensão vai crescendo, até ao ponto em que finalmente ouvimos a nona sessão, em que Simon conta o que sucedera na tal noite de Natal em Lowell.
O esquema da história é na verdade bastante simples, apostando sempre que possível numa descoberta progressiva dos factos, que nunca parece inusitada e que é bastante eficaz em enredar-nos na tensão criada entre os personagens.



Ao mesmo tempo, há que louvar a inteligência visual de Brad Anderson. Grande parte do medo gerado pelo filme prende-se com a escolha de planos arrepiantes do edifício, do seu abandono e da sua degradação. Parecemos ser continuamente levados para espaços inóspitos e glaciais, de uma solidão impressionante como se todos tivessem dali fugido de uma só vez, deixando tudo para trás. Aqui, tudo parece ser pensado ao pormenor, desde a luz ao tempo de cada plano. A criação de momentos aflitivos, como a cena em que Jeff, que sofria de uma nictofobia severa, corre por um estreito corredor enquanto as luzes se apagam rapidamente, é também significativa, capaz de nos suspender a respiração. Mais ainda, o prato-forte deste filme é o plano que vemos repetidamente da cadeira de forças ao meio de um corredor. É um excelente exemplo da sensibilidade de Brad Anderson, pois aquela cadeira evidentemente deslocada, causa em nós a dúvida de como ela terá ido ali parar, porque ali ficou, acrescido ao facto de a cadeira em si representar já uma situação aflitiva, pois seria utilizada para controlar pacientes violentos. Brad Anderson, como poucos realizadores, sabe tirar partido do espaço e, neste caso, como o espaço era real, Anderson tem uma perspectiva quase arquitectural sobre ele, sem abdicar de uma grande sensibilidade, sabendo o que cada espaço pode suscitar no espectador que a ele assiste filmado. Quando lemos no cartaz do filme a epígrafe "Fear is a place", isso não é gratuito. E, penso, uma das preocupações de Anderson neste filme foi filmar esse sítio que é o medo.
Outra coisa que tenho que louvar a "Session 9" é a total recusa de todos os recursos para agarrar o espectador: não temos cenas de sexo gratuitas e, mais impressionante ainda, não há no filme uma única cena realmente gore. Brad Anderson e Stephen Gevedon, autores do argumento, conseguiram definitivamente tornar o filme encantatório pelo que fica subentendido, pelo que não é mostrado, pelo que fica claro sem se mostrar. Esse é um difícil logro. Quase não há sangue neste filme.
A música, composta pelos Climax Golden Twins é também um elemento essencial para este filme. Ela é minimal e arrepiante, altiva mas não fria.



Por fim, tenho que evidenciar determinadas subtilezas que o argumento suscita. Em primeiro lugar, relativamente à audição da nona sessão. Se repararmos bem, nenhum dos personagens chega a ouvi-la, apenas nós chegamos a ela: ou seja, de facto, nunca nenhum dos personagens chega a entender concretamente o que se passa naquele lugar. E, quanto ao conteúdo, ele aposta também muito na ambiguidade: quem acreditar em possessão, encontrará aqui um caso particularmente cruel da mesma. Quem não acreditar, tem ainda a opção de que tudo é resultado de uma doença mental. Seja qual fôr a crença do espectador, este filme não depende dela, ou seja: ao contrário do que costuma acontecer neste tipo de filmes, se não acreditarmos em demónios e espíritos, o filme continua a fazer sentido; e nem sequer perde a capacidade de nos assustar pois, seja qual fôr a causa dos acontecimentos, o resultado é arrepiante e violento.
O final do filme é pura e simplesmente desconcertante e, uma vez mais, ambíguo. Ficamos a sentir uma espécie de angústia, que nos dá uma dimensão da solidão humana e do desespero. Mais ainda, a frase final de Simon, dita enquanto vemos o edifício em planta, é digna de ficar marcada dentro de nós, pois tem no fundo tantos e tão horríveis sentidos.
Interessa ainda referir isto: na verdade, o corte original do filme tinha mais 40 minutos, que acabaram por ser cortados. Ao que pude averiguar, existiam duas histórias secundárias neste filme: a de uma velhinha que estivera internada no asilo e que, tendo conhecido Mary Hobbins, reconhece o espírito de Simon num dos personagens e o persegue, com o intuito de o matar; e uma outra, relativa a um espírito maligno que habitaria ainda as paredes do edifício. No trailer que abaixo deixo, existe uma cena que, por descuido ou de propósito, não faz parte do corte final do filme: uma sala com ossadas dispostas em hemicírculos. A versão americana do DVD, ao contrário da portuguesa, tem como extra esses quarenta minutos e, certamente, será uma das minhas compras futuras.
Claro que um filme assim passou despercebido, até porque esteve sempre fora dos circuitos comerciais habituais. No entanto, penso que a passagem do tempo mostrará que "Session 9" é realmente um filme único e raro. Isto para quem tiver estômago para o ver mais vezes, que não parece ser o meu caso.



2 comentários:

Graça Martins disse...

um filme muito interessante. Coloca questões terríveis que se relacionam com memórias e traumas que cada ser humano transporta. Perante um lugar vazio mas recheado de vivências traumáticas, as pessoas que tiveram acesso a esse lugar vão ser despertadas para uma série de sentimentos desestruturados que colocam em evidência a insanidade que afinal pode habitar dentro de cada um...
Gostei muito de ver este filme.
Lembro-me do PSYCHO do HITCHCOCK.
Um suspense estruturado no contacto com o que é suposto ser normal mas que se revela insano/psicotisante...

Matheus disse...

Acabei de ver o filme, e o final ficou meio What? Alguém me explica.