quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Hélia Correia: Soma

A SOMA DE TODOS OS MEDOS

Depois de vários anos a publicar dispersamente poemas em revistas e antologias, em 1981 Hélia Correia publica “O Separar das Águas” (ed. Regra do Jogo, reed. Ulmeiro), uma novela. A ficção foi, para todos os efeitos, a escolha da autora, que até hoje deu à estampa novelas, contos, romances e teatro- contra apenas dois pequenos livrinhos de poesia, “A Pequena Morte/ Esse Eterno Canto”, com Jaime Rocha; e “Apodera-te de Mim”.
É sobre a sua quinta publicação que hoje me debruço.
Seria talvez interessante fazer um paralelismo entre esta novela de Hélia Correia e o mítico texto de PlatãoA Caverna”.
O texto filosófico grego mostra-nos vários homens desde sempre encerrados numa caverna aparte do mundo, colocando depois a hipótese de um deles dali ser evado para o mundo. A conclusão é que, uma vez no mundo, esse homem não seria capaz de voltar a viver na caverna.
Soma” (ed. Relógio d’Água) publicado em 1987, coloca-nos perante uma situação similar: António Elísio, velho professor de História, com um passado politico ligado à esquerda radical, cruza-se por acaso com uma jovem rapariga, a quem decide chamar Bárbara, jovem que “surgiu entre os seus olhos e o mar” (pag.15). Decidido a conhecê-la, António acaba por ficar a viver com ela, que afinal se chama Teresa, e com os seus dois amigos, Jonas e Carinhos. É neste espaço pequeno e pobremente dividido, num certo ambiente comunitário, onde também o sexo livre se pratica que António percebe que os ideais que uma vez defendera lhe são de alguma forma estranhos, talvez pela idade ou talvez pela distância em relação ao tempo em que tudo isso tinha um sentido realmente político.
Um ponto de grande interesse nesta parte da narrativa é a relação, posta em causa pela idade, do indivíduo cm os seus valores éticos¬: como perecem, consoante a perspectiva. António parece-me representar o tipo de indivíduo que seguiu por arrasto certos ideais, apesar da sua vida se ter desenrolado à margem deles. Quando, já venho, António se cruza com a prática deles, sente esse dilema que talvez seja causado pela divisão das crenças pessoais e dos códigos da maioria: ainda que, pelo menos a principio, ele permaneça com Teresa-Bárbara e os amigos um pouco por inércia, sentindo-se estranho àquele ambiente e um tanto incapaz de aderir a ele, com o passar do tempo, percebe que seria incapaz de dali sair, pois, de certa forma, tudo lhe é familiar.
Talvez aqui se pudesse falar um pouco de conflito de gerações: o tema não é estranho à prosa de Hélia Correia, pois já de certa forma o encontrávamos no seu “Montedemo” (1983, Ulmeiro). Mas aqui, se essa questão chega realmente a sê-lo, vai mais longe do que as relações sociais: o conflito dá-se a um nível íntimo, dentro do próprio individuo que, sentindo o tempo passar se questiona a si mesmo e aos seus anteriores valores.
Assim, à medida que António começa a ganhar o seu lugar naquele espaço e no contexto daquelas relações, já não consegue regressar à sua anterior vida comum. Neste ponto é que me parece que a novela de Hélia tem alguma convergência com o texto platoniano.
E portanto assumindo que António não pode regressar, vemo-lo partir, por força das circunstâncias, para um outro espaço, em algo parecido ao de Teresa-Bárbara.
Trata-se de uma velha quinta isolada na serra, conhecida como Pontão, onde habitam três mulheres: Moira, Carma e Beatriz.

Simbolicamente, António passa a habitar a Loucura: “uma ‘Folie’ de inspiração francesa, um desses intrincados pavilhões cheios de falsas saídas e efeitos ilusórios com que a velha nobreza espicaçava os sentidos…” (pag.75). Ao longo dos seus dias, António apercebe-se que se sente continuamente torpe e dormente. A certa altura, Carma mostra-lhe uma plantação onde crescem Nepentes, “essa bebida mágica a que os antigos gregos recorriam, se queriam afastar a tristeza” (pag.95). Na mesma plantação cresce ainda o Soma. Sobre o Soma, Aldous Huxley, citado no pórtico desta novela, afirma que aos bebedores “os seus corações enchiam-se de coragem, de alegria e de entusiasmo, os seus espíritos enchiam-se de lucidez” (pag.7), apesar de ser uma droga “tão perigosa que até o grande deus dos céus, Indra, adoecia às vezes, por tê-la bebido.” (pag.7).
A narrativa culmina com a experiência de António com o Soma.
O que me parece ficar claro com os acontecimentos do Pontão é o quotidiano de António que se vai tornando gradualmente mais arcaico, ao ponto da total selvajaria. Os perigos dessa vida, no entanto, só se tornam claros para António depois do Soma. E é aí que Hélia nos coloca perante uma surpreendente situação: a da impossibilidade de recuar.
Nesta história há um certo timbre de fatalidade, quase de predestinação, o que nos faz sentir que António é uma espécie de homem encurralado num total desespero cuja resolução lhe escapa. Se tentarmos analisar a facilidade com que ele se torna dependente dessas vidas mais arcaicas, mais desorganizadas, poderemos deparar-nos com esta interessante questão: a de que António atravessava um vazio na sua vida vulgar, talvez por causa dos resíduos deixados pelos seus valores antigos. Só isso o tornou dependente de situações precárias e quase desumanas, mas que estão de acordo com os seus ideais. E se trouxermos de novo o texto de Platão, notemos que, nele, a vida realmente precária é a da Caverna, pelo menos à luz da nossa sociedade. Se partir do princípio que, ao criar um paralelismo entre os dois textos, a Caverna corresponde à vida de António antes de conhecer Teresa-Bárbara, então essa é a vida verdadeiramente precária: a que não coincide com os valores pessoais.
E também não consigo evitar perguntar-me até que ponto, apesar do Soma surgir só no final da narrativa, não há neste livro uma profunda dependência, como se determinado tipo de vida não fosse, de certa maneira, uma droga.
A escrita propriamente dita está de acordo com o imaginário fantasista de Hélia Correia. Ainda que aqui tudo pareça mais ligado a um universo urbano ou a assuntos mais facilmente associados a um espaço urbano, a força telúrica que brota nos personagens e nas suas relações e as descrições quase grotescas traçam facilmente a ponte para as restantes histórias de Hélia. É também uma escrita com algo de viciante, que nos dá a vontade de ler mais e mais e que talvez seja impulsionada pela estrutura de capítulos curtos e sem desperdícios de tempo com detalhes irrelevantes.
Mais ainda, a escrita de Hélia Correia tem esse poder de repercutir dentro de nós, perpetuando a história, mesmo depois de terminada.

domingo, 19 de setembro de 2010

Masters of Horror: Sick Girl de Lucky McKee (1x10)

UMA COMÉDIA NA CASA DO TERROR


Há filmes que têm tudo para correr bem e depois... zás... surge qualquer coisa que deita tudo por terra. Isso mesmo acontece com este "Sick Girl".


De facto, houve várias surpresas na primeira época de "Masters of Horror", e a inclusão de Lucky McKee no elenco de realizadores foi uma delas, visto que dele tínhamos até à data apenas um filme, "May" (2002), ainda que esse se tenha tornado uma espécie de filme de culto.
No entanto, no que toca à sua contribuição para "Masters of Horror", "Sick Girl" parece-me pouco susceptível de se tornar um filme de culto, já que isto por pouco é sequer um filme.
Esta é a história de Ida Teeter (Angela Bettis, que já protagonizava "May"), uma cientista especializada em insectos com graves problemas de relacionamento. As poucas mulheres com quem consegue contactar acabam por recusar qualquer tipo de envolvimento amoroso por acharem demasiado estranhos os seus interesses pelos muitos insectos que povoam a sua casa em pequenos aquários e jaulas. Esse padrão começa a desviar-se quando, influenciada pelo amigo e colega Max (Jesse Hlubick), Ida decide convidar uma estranha rapariga que passa o dia sentada na recepção do seu trabalho a desenhar. A rapariga, Misty (Erin Brown), aceita o convite. Nesse mesmo dia, Ida recebera em casa uma encomenda com um estranho insecto que entretanto lhe foge. Esse mesmo insecto irá picar Misty na orelha, enquanto esta faz amor com Ida.
O resto do filme é a mutação de Misty, que, enquanto sente a orelha derreter, vai-se tornando mais e mais semelhante a um insecto, até que finalmente se deixa fecundar pelo misterioso animal que se alojara na travesseira de ambas.


É o tipo de sinopse sobre o qual poderíamos dizer que não há nada para correr mal. Mas corre. Muito mal mesmo. McKee revela-se de um bizarro amadorismo no que toca à construção das personagens, que são demasiado tensas, demasiado inusitadas para parecerem verídicas. A própria história parece apenas fluir, sem que nada se passa de particularmente decisivo. E por fim, no que toca a efeitos especiais, percebemos que o realizador quis criar uma cena de extreme-gore, ou pelo menos uma cena nojenta, mas tudo o que consegue é criar uma cena que, por mais repulsiva que possa parecer não escamoteia de forma alguma que estamos perante efeitos especiais, de maneira que nada parece realmente funcionar: é disso exemplo a derradeira transformação de Misty em insecto e, mais ainda, esta cena oferece-nos a morte meramente gratuita de Max, além de, afinal, não percebermos o porquê dessa transformação, uma vez que em nada resulta.
O final do filme é um pequeno segmento em que acho muito, muito, muito, mais muito mesmo difícil que qualquer pessoa não pense "Que cena mais estúpida".
Se Lucky McKee realizou em "May" um filme interessante, esse é um crédito que lhe cabe. Mas que "Sick Girl" esteja ao mesmo nível, isso não está, com certeza absoluta.



Um Soneto


Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

Camilo Pessanha
Clepsidra
pintura de Edvard Munch

Masters of Horror: Fair Haired Child de William Malone (1x09)

UM SACRIFÍCIO

O cinema de William Malone tem sido um dos projectos mais indecisos do cinema de terror. Se a ele devemos um filme como "House on Haunted Hill" (1999), onde há até alguns pontos de originalidade, é também a ele que devemos outros, como "Fear dot com" (2002) que, mais do que ser um filme, é uma forma de seguir a banda. "Fear dot com", em português "Medo ponto com" era um filme que seguia a lógica de "The Ring" (2002), esse realmente original quer na sua versão japoesa, "Ringu" (1998) de Hideo Nakatta, quer na versão americana de Gore Verbinski, e a prova disso é que teve imediatamente epígonos, como "The Tatooist" (2008) de Peter Burger, e também o referido "Fear dot com".


O caso de "Fair Haired Child", a participação de Malone em "Masters of Horror" é, ao que me parece, uma outra forma de seguir a banda, uma outra banda.
É a história de uma rapariga do típico high-school, Tara (Lindsey Pulsipher), a rejeitada da turma, que certa tarde é raptada. Acorda junto de uma enfermeira, Judith (Lori Petty), mas cedo percebe que não está num hospital, mas numa mansão isolada, em Vancouver. Após algumas perguntas sobre a sua vida sexual, Judith e o marido, Anton (William Samples) atiram com Tara para uma cave, onde ela descobrirá um outro rapaz da mesma idade, enforcado e prestes a morrer e que, não conseguindo falar, escrevendo com o dedo no pó lhe diz chamar-se Johnny (Jesse Hadock). A exploração da cave mostra-lhes que outros já ali haviam estado e que teriam morrido.
No final, e tenho que falar dele para fundamentar aquilo que direi sobre o filme, vemos que o filho do casal de músicos havia morrido no lago daquela mansão, e que os pais haviam encontrado um ser maligno que prometeu devolver-lhes o filho, na condição de eles lhe entregarem em sacrifício doze jovens, dos quais Tara seria a última.
Esta criatura, que vemos algumas vezes circular pela casa, é uma espécie de gnomo desfigurado que come as entranhas das pessoas.


É fácil perceber que Malone traz na bagagem toda a escola de Stephen King, entre os romances e as respectivas adaptações, mas também algum John Carpenter, nomeadamente o de "Cidade dos Malditos" (1996), e até alguma coisa de Sean S. Cunningham.
No geral, não se pode dizer que "Fair Haired Child" tenha nada de errado, se lhe notamos uma boa construção, uma excelente direcção de actores, alguns planos realmente belíssimos. O grande problema é ainda que nada neste filme consegue verdadeiramente surpreendernos, nada nos surge de novo, ficando constantemente com a sensação de que já vimos isto nalgum outro filme.
E se "Masters of Horror" é suposto antologiar os grandes realizadores de cinema, William Malone não teria mais direito a estar aqui do que teria Jamie Blanks ou Victor Salva, só para lembrar os mais recentes.






Masters of Horror: Deer Woman de John Landis (1x07)

A SEREIA ASSASSINA

Também surgido nos anos 70, John Landis balança-se entre estilos tão diversos como o terror e a comédia. "An American Werewolf In London" (1981) será um dos seus filmes mais badalados, isto se excluirmos o seu trabalho como realizador de videoclips dos quais os de Michael Jackson serão os mais conhecidos.


Sendo que, pessoalmente, o seu trabalho não me parece de particular relevância, não posso deixar de expressar a minha surpresa por encontrá-lo em "Masters of Horror". A sua participação é este "Deer Woman", filme que se insere muito bem no estilo das lendas assustadoras que se revelam muito reais.
A média de Landis começa com uma típica cena de tasco americano frequentado por camionistas, um dos quais é brutalmente assassinado, ao ponto de o seu cadáver oferecer algumas dúvidas sobre se se trata ou não de um humano.
O genérico do filme está deveras bem conseguido, com uma série de desenhos tribais ao som da música desconcertante de Peter Bernstein que consegue fundir muito bem o lado clássico com o lado étnico. A inclusão da famosa pintura da mulher-veado de Frida Kahlo está também muito bem pensada.
Para investigar o sucedido é destacado Dwight Faraday (Brian Benben), um detective falhado do F.B.I., que, apesar dos vários precalços, consegue ficar encarregue do caso. Com a ajuda do agente Jacob Reed (Anthony Griffith) e da média legista Dana (Sonja Bennet), Faraday chega à conclusão de que os vários cadáveres de homens que vão aparecendo parecem ter estado próximos de uma mulher aquando da sua morte (Dado que estavam todos com uma erecção.), ainda que o brutal ataque pareça ter sido feito por um veado. Os interrogatórios àqueles que teriam estado perto dos assassinados têm um comum o facto de todos referirem uma mulher muito bela, com aspecto índio.
É assim que encontramos essa bela mulher (Cinthya Moura), seduzindo homens que depois aparecerão mortos. As teorias cada vez mais improváveis dos detectives culmina com a história, contada por um descendente de índios, de uma mulher belíssima que da cintura para baixo era um veado. Cedo se percebe que é esta mulher-veado quem ataca os homens, desfazendo-os literalmente.


O filme de Landis tinha, então, tudo para correr mal, e nalguns aspectos corre mesmo. É como se o realizador tivesse consultado uma espécie de manual de dos & don´ts do cinema de terror, e tivesse decidido adoptar tanto duns como de outros. Assim sendo, nalguns momentos, "Deer Woman" não consegue utrapassar uma acentuada predicabilidade, ainda que noutros consiga ser surpreendente e até muitíssimo bem pensado.
Se neste filme há algo de bom, é certamente o desenlace da história da mulher-veado, ainda que o conceito em si, de uma mulher-assassina que usa o sexo para atrair as suas presas seja tão vulgar que, nem de propósito, o encontrámos ainda em "Masters of Horror", na película de Dario Argento, "Jenifer".
Mas claro que o filme de Landis é um conceito bastante diferente, e talvez seja mesmo isso que tem de interessante: resgatar uma lenda dos nativos americanos, tornando o folclore numa realidade mortífera. Se essa ideia fez com que Jamie Blanks tenha realizado um dos melhores filmes de terror dos anos 90, "Mitos Urbanos", a verdade é que aqui, ainda que a lenda tivesse mais potencialidades, fica, mesmo assim, um tanto aquém. E aqui entra a questão do benefício da dúvida.
Como acima disse, o percurso de John Landis não me parece um de especial interesse, mas tenho que admitir de "Deer Woman" talvez pudesse ser um filme realmente bom, se não fosse a limitação de tempo, que contribui consideravelmente para que, em muitos aspectos, fiquemos com a impressão de que este filme anda demasiado depressa, anulando alguns efeitos de suspense que, como se sabe, são ingrediente indispensável ao cinema de terror.


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Masters of Horror: Homecoming de Joe Dante (1x06)

ZOMBIES MAUS E ZOMBIES BONS

Ao sexto episódio de "Masters of Horror", encontramos a média do actor e realizador Joe Dante. Ligado a sagas como "The Twilight Zone", os "Gremlins" ou os Looney Tunes, Dante mostra-nos neste "Homecoming" que os zombies não são diferentes das pessoas: há-os bons e há-os maus.


Este é um filme de zombies; o que não é muito claro é se é um filme de terror. Pelo meio, e como leit-motiv de tudo, está a intriga política. Em tempo de guerra, num debate televisivo encontramos David Murch (Jon Tenney), um autor de discursos que trabalha para o actual presidente, do partido conservador; e Jane Cleaver (Thea Gill), uma constitucionalista também apoiante do partido conservador. Quando se junta ao debate, por video-conferência, a mãe de um soldado que morreu na guerra, Murch responde-lhe que, podendo pedir um desejo, pediria que o filho dela pudesse voltar, e dizer-lhe que tinha valido a pena estar naquela guerra.
Se era ou não mais uma estratégia de fingimento político fica um pouco por saber, mas o que é certo é que, quarenta e oito horas depois, um sem-número de soldados começa a regressar dos mortos. Mas não estamos a falar de zombies violentos, bem pelo contrário. São cidadãos afáveis, caminham pelas ruas normalmente, sendo, no entanto, imortais. Ou pelo menos assim parece, até que se começa a perceber que o motivo deste retorno é um: os mortos querem votar.
A verdade é que, ao longo de "Homecoming" não somos levados a ver estes zombies como assassinos crueis, bem pelo contrário parecem-nos nobres e dignos daquilo que fazem.


Tal como acontecia com "Chocolate", o episódio anterior, há que perguntar se "Homecoming" é realmente um filme de terror. E parece-me que não. Difere de "Chocolate" na medida em que, se descontextualizado, nos parece um filme de algumas qualidades. Trata-se de uma acção serena, com raros sobressaltos, em que sobressai muito mais todo o jogo de bastidores que, supõe-se, rege a política do que propriamente na questão dos zombies.
Não sei se era esse o objectivo de Dante, mas "Homecoming" não deixa de soar um pouco como filme-protesto, quer pela denúncia da situação da guerra, quer por outras questões, nomeadamente a das ilegalidades cometidas no que toca a contos de votos em eleições.
Tendo um arranque realmente forte, "Homecoming" peca um pouco pelo exagero, que acaba por fazer o filme, em certas alturas, parecer realmente uma paródia, mais do que outra coisa qualquer, o que nos relembra que Joe Dante tem também experiência no que toca a esquisitices cómicas.
O conceito é interessante e a execução não fica propriamente aquém. Ainda assim, "Homecoming" está a muito muito longe de ser um dos melhores momentos de "Masters of Horror".


Masters of Horror: Chocolate de Mick Garris (1x05)

RECEITA

Quando "Masters of Horror" já nos dera um filme sobre um assassino, outro sobre bruxas e dois sobre zombies, Mick Garris propõe-se a, no quinto episódio, nos apresentar um filme sobre um amor obsessivo. A carreira de Garris começou na segunda metade da década de 80 no cinema, mas o seu trabalho até agora mais reconhecido terá sido a mini-série "The Shining", que adapta mais detalhadamente do que filme de Stanley Kubrik o mesmo romance homónimo de Stephen King. Em "Sleepwalkers" (1992), na mini-série "The Stand" (1994), em "Riding The Bullet" (2004) e no telefilme "Desperation" (2006), Mick Garris segue também romances de Stephen King, estanto neste momento a trabalhar na adaptação do romance "Saco de Ossos".


Este "Chocolate" é também resultado de uma adaptação literária, mas desta vez de um conto do próprio Garris. E se o imaginário rebuscado e arrepiante de Stephen King já tantas vezes moveu Garris na criação dos seus próprios trabalhos, esse não é, de todo, o caso de "Chocolate".
A história é a seguinte: Jamie (Henry Thomas), cujo trabalho é desenvolver sabores artificiais, começa a responder ao sabor do chocolate de uma forma singular: consegue sentir exactamente o que sente uma mulher que não conhece nem sabe onde vive. Após desta maneira testemunhar o momento em que a mulher assassina o amante, Jamie decide investigá-la. É assim que as suas buscas o conduzem a Vancouver, onde encontra Catherine (Lucie Laurier), a mulher. E se a Jamie as visões o levaram a apaixonar-se, depressa percebe que Catherine, que também as tinha, não lhes encontra tanta graça.
Há aqui duas questões paralelas que têm que ser colocadas:
A primeira é que "Chocolate" não é qualquer filme; ele surge integrado numa série dedicada ao cinema de terror. E "Chocolate" não é nem muitíssimo remotamente um filme de terror, nem chega a parecer um thriller. Parece, isso sim, um filme romântico/dramático cujo enredo não escapa, nem sequer pela estranheza das visões, a qualquer filme romântico, com a diferença de que, por norma, os filmes românticos vão para o lado da comédia. E é essa a primeira ideia que me fica de "Chocolate": a de que, definitivamente, não está no contexto certo.


A segunda é se, independetemente do género, este é um bom filme. E na verdade não consegui sequer formar uma opinião muito concreta sobre o assunto. "Chocolate" tem alguns planos muito bem conseguidos, muito estéticos; mas a premissa não deixa de me parecer vulgar e pouco dada a qualquer tipo de surpresa, e a verdade é que Mick Garris também não parece esforçar-se muito para resgatar o seu filme de uma certa predicabilidade que o argumento já por si suscitaria. É claro que seria injusto não referir que em termos de realização não há aqui nada de errado, que os actores são muito bem dirigidos e conseguem fazer com que a história pareça realmente insólita. No geral, e talvez isto seja o mais fiel que consigo ser à minha opinião, "Chocolate" não é um bom filme, limita-se a não ser interessante. Ao contrário do chocolate, nem mata nem engorda.


Um Poema



Mas que do nada ao menos fique
um momumento de palavras.
David Mourão Ferreira

que fique um monumento de palavras
só de palavras que não arrefeçam
como lobas do sol sugando a terra
na densa arquitectura da estiagem

um arco incandescente que do nada
gere sílabas férteis alfabetos
como fachos de luz sobre o deserto
de minúsculas vidas em combate

que desse monumento surja o livro
o rumo a rotação em que se fundam
todos os dedos unos sem litígios

a síntese perfeita da puríssima
da silente verdade resoluta
dentro do homem novo em seus desígnios.

Olga Gonçalves
Três Poetas
1980, ed. O Oiro do Dia
desenho de Eduardo Nery

domingo, 12 de setembro de 2010

Canção Muito Especialmente Para o Dia de Hoje



If all we talk about is money
Nothing will be funny, honey
And now that everyone's a critic
It's makin' my mascara runny
If we only talk about the "Heathers"
Making it together is crazy
If we don't get a new situation
For our busted nation, we're lazy

But it's gonna be
It's gonna be
Please make it be
It's gonna be

Now if a princess becomes human
Don't stone her on a talk show, you'll ruin
'Cause there's a fine line between a skewer
And a decent sense of humor
Aim at the ones who've really hurt us
They should be arrested for murders
But then all the cameras were turned on
Some skinny naked blonde eating burgers

But it's gonna be
It's gonna be
It's gonna be
It's gonna be

It's gonna be
It's gonna be
Please make it be
Let's make it be

It's gonna be
It's gonna be
It's gonna be...

sábado, 11 de setembro de 2010

Masters of Horror: Jenifer de Dario Argento (1x04)

HOJE À NOITE AQUI NA SELVA QUEM COME É A LEOA

Seria praticamente impossível falar de filmes de terror sobre o sobrenatural, uma das categorias mais aclamadas do género, sem referir o nome do realizador de origem italiana Dario Argento. Desde 1970, Argento já nos deu filmes tão inacreditáveis como "Profondo Rosso" (1975), "Suspiria" (1977), "Phenomena" (1985), "Non Ho Sono" (2001) ou "The Mother of Tears" (2007).


A média-metragem com que participou na primeira época de "Masters of Horror" é este interessantíssimo "Jenifer". Sendo um filme com algo de sobrenatural, esta classificação, como sempre, revela-se um tanto insuficiente para o definir. Não se trata também propriamente de um filme de zombies, mas o esquema não é completamente alheio a este filme, escrito a partir de uma história de banda-desenhada de terror dos anos 70.
É a história de Frank Spivey (Steven Weber- que é também argumentista da película.), um polícia que, durante uma patrulha salva das mãos de um sem-abrigo louco uma jovem rapariga, que o sem-abrigo diz chamar-se Jenifer (Carrie Anne Fleming). A rapariga, totalmente desfigurada no rosto, apesar do corpo belo, acaba por ser internada num asilo psiquiátrico. Comovido, Fank acaba por levá-la para sua casa, apesar da relutância da mulher e do filho. Jenifer aparenta ser verdadeiramente atrasada mental, pois mais não consegue que grunhir e gemer e enrolar-se num canto como um animal. Até que seduz Frank, que começa a ter relações sexuais com ela pontualmente. Cedo descobre também que Jenifer parece sobreviver comendo gatos e crianças. Após o incidente do gato, a mulher e o filho de Frank abandonam a casa e, depois de Jenifer devorar a vizinha de oito ou nove anos, Frank foge com ela algures para o meio da selva.
É no meio desta sensação de inevitabilidade que Frank se encontra absolutamente incapaz de fugir a Jenifer, tanto quanto sentimos que o seu fim será algo semelhante ao que acontecia ao sem-abrigo no início do filme.


Na verdade, Argento consegue em "Jenifer" planos belíssimos e bizarros, capazes de se equiparar com o seu restante trabalho. Foge também à maioria dos clichés que este género de filme parece impingir, e facilmente se desvia de qualquer predicabilidade, seguindo uma narrativa que pode ser estranha mas não deixa de ser lógica.
Não é um filme particularmente gore, ainda que certos planos não tenham dificuldade em causar-nos um esgar.
A figura de Jenifer é excelentemente caracterizada, sendo que, a certa altura do filme, já desistimos de tentar entender a sua origem ou o seu passado: percebemos que Argento, como os grandes mestres do terror, está mais interessado em mostrar-nos o Mal no seu estado puro, que, tal como o suposto Deus, foi "gerado e não criado".
No entanto, e será isso que nos deixa a pensar no fim do filme, não é claro se estamos perante uma criatura que é apenas uma personificação do Mal ou se estamos simplesmente perante o instinto de sobrevivência de qualquer predador. Pergunto-me se a opção de fazer de Jenifer uma atrasada mental não poderá contribuir para que ela acabe sendo susceptível da nossa pena ou da nossa compreensão: se assim é, a ideia de nos confrontar com o Mal e até com o instinto assassino fica um tanto ao quanto desfavorecida.
Àparte disso, tudo em "Jenifer" parece bater certo. Argento prova uma vez mais que ainda é um expert no que toca a fazer filmes de zombies ou de quase-zombies, que resulta no mesmo.


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Masters of Horror: Dance of the Dead de Tobe Hooper (1x03)

FOR YOUR ENTERTAINMENT

Em 1969, "Eggshells" marcava o início da carreira de Tobe Hooper, mas o nome só se tornaria célebre em 1974, com o clássico "The Texas Chainsaw Massacre". A sequela, também da responsabilidade de Hooper, em 1986, não seria tão bem sucedida, e o segundo título mais facilmente associável ao realizador seria "Poltergeist", de 1982. Com (Pelo menos.) dois filmes de culto na bagagem, Tobe Hooper apresenta-se na primeira época de "Masters of Horror" com a média-metragem "Dance of the Dead", baseado numa novela de Richard Matheson.


Mas este não é já o sangrento filme de terror que encontrávamos em "The Texas Chainsaw Massacre", nem o filme de terror psicológico/paranormal de "Poltergeist". "Dace of the Dead" poderia muito bem ser um filme de ficção científica, se não fosse a sua história tão macabra.
Trata-se de um filme que nos coloca num futuro mais ou menos próximo, mas já depois do eclodir da Terceira Guerra Mundial, e do cessar-fogo. Mesmo com a guerra terminada, os efeitos da devastação são ainda visíveis e decisivos naquilo que sobrou do mundo.
Ainda que uma parte daquilo que conhecemos como normalidade subsista ainda, a maioria das regiões, um pouco por todo o mundo, estão povoadas essencialmente de seres humanos contaminados por uma espécie de violência irreprimível, onde homicídios, carnificinas e torturas são o pão-nosso-de-cada-dia. Muskeet é uma dessas zonas. Muskeet tem ainda a particularidade de incluir um pequeno bar, o Doom Room, cujo Mestre de Cerimónias (Robert Englund, mais conhecido por Fred Krueger.) anuncia um espectáculo que se deve à ciência.
Apesar de não termos, inicialmente, uma ideia concreta do conteúdo do espectáculo, é fácil entendermos que, o que quer que seja, é alimentado pelo sangue que Boxx (Ryan McDonald) e Jak (Jonathan Tucker) recolhem em assaltos de rua. Será um destes, Jak, que se apaixonará rapidamente por Peggy (Jessica Lowndes), a única sobrevivente de uma família normal, a par com a mãe. E aqui começa o típico rapaz-mau-conhece-rapariga-boa, rapariga-boa-é-arrastada-para-os-vícios-do-rapaz-mau. Jak leva-a a Muskeet, e finalmente assistimos ao espéctáculo tão louvado pelo Mestre de Cerimónias e pelo público do Doom Room.
Trata-se da "dança dos mortos", mais propriamente de uma espécie de mutantes, os L.U.P., mais conhecidos por Luppies: mortos que, quando injectados com sangue de vivos, são capazes de se contorcer com brutais espasmos em frente a uma audiência voraz. O espectáculo será também a ponte que ligará Peggy à verdade sobre a sua família.
E assim temos um particularmente decadente filme de zombies.


Se podemos dizer que Tobe Hooper já antes tinha criado uma visão algo satírica do american way of life, nomeadamente com a família de Leatherface, aqui Hooper vai bastante mais longe: apesar de nos colocar num cenário diverso daquele que conhecemos, é interessante verificar como, afinal, as questões que são colocadas estão tudo menos distanciadas da realidade actual: estamos ante um público sedento de sangue e violência, completamente indiferente ao sofrimento de quem lhes dá esse entretenimento, num mundo em que tudo é susceptível de ser traficado, mesmo os mortos: logo que isso dê lucro. E até o fuel que move os Luppies pode ser entendido como uma metáfora: ele é colhido à força dos poucos cidadãos que não foram ainda afectados pela loucura da maioria. Ainda, os espectáculos com os Luppies não são totalmente ilegais: eles haviam já sido permitidos pelo governo, uma vez que podiam ser considerados exposições de ciência e tecnologia.
No fundo, não há tanto de surreal neste filme como à primeira vista possa parecer. Este é um mundo em que o dinheiro é fácil, porque o público está disposto a qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, para se ver retirado do aborrecimento do quotidiano, o que é ainda uma forma de neurose ou de loucura. E se para isso é necessário sacrificar pessoas que nada têm a ver com isso, o governo, que supostamente representa e protege não é a entidade que se vai opor. Na verdade, qual é que é a grande diferença em relação àquilo que vivemos neste 2010?


Um Excerto

Escreve-se em torno do título deixado em branco. Como um cheque ou folha de carta ou de exame. Escrita que cerca o rectângulo. Abismo e fossa que alinha a escrita. Trata-se, pois, de um prefácio. Um pretexto que introduz neste ânus ou vagina, rectangulosa. É a sobreposição, à posteriori, de três textos: 10 anos de trabalho textual.
E, assim, por diante...
Há ainda um nome: Maria Gabriela Llansol, depois de os pregos na erva.
Nome e texto solidários: trata-se de História. Daquela história que a escrita, desconstruindo-se e reconstruindo-se, compôs.
Não: "era uma vez". Antes: "ele era eu".
Para: "eu fui uma vez estorvo, texto decadente, e que não escrevia."

(...)

Maria Gabriela Llansol
Depois de Os Pregos na Erva
1973, ed. Afrontamento

Masters of Horror: Dreams in the Witch House de Stuart Gordon (1x02)

MAIORES DE DOZE
.

O segundo episódio de "Masters of Horror" é realizado por Stuart Gordon, realizador e encenador. O seu primeiro filme data de 1979, e desde então conta com mais de 20 trabalhos, entre o cinema (Realização e argumento.) e o teatro. De entre os seus trabalhos para teatro, o mais recente passa por uma adaptação de Edgar Allen Poe. Nos seus filmes, contam-se alguns já considerados de culto, caso de "Re-Animator" (1985), "From Beyond" (1986) ou "Daughter of Darkness" (1990).


O caso de "Dreams In The Witch House", no entanto, não me parece susceptível do mesmo. Interessa falar de Edgar Allen Poe porque, neste filme, é notória a influência do imaginário do escritor, assim como algumas lições cinematográficas a que não escapam "The Amityville Horror" de Jay Anson (1977), e de certa forma os dois filmes da saga Blair With, "The Blair Witch Project" e "Book of Shadows: Blair Witch 2" de Eduardo Sanchez/ Daniel Myric e Joe Berlinger respectivamente. Além destas referências, "Dreams In The Witch House" é a adaptação de um conto de H.P. Lovecraft.
Esta é a história de Walter Gilman (Ezra Godden), um estudante universitário, que aluga um quarto numa casa decrépita com mais de 300 anos e hóspedes que vão do simplesmente bizarro ao medonho. Walter trabalha presentemente numa tese sobre a intersecção de universos, argumentando que a descoberta do ângulo entre planos será a forma de descobrir novos universos. Enquanto trabalha, conhece Frankie (Chelah Horsdal), uma mãe solteira que habita o quarto ao lado juntamente com o filho bebé, Danny.
No piso térreo, um estranho hóspede fala a Walter de um rato com rosto humano, que é um enviado de uma bruxa que supostamente assombra a casa.
Se inicialmente Walter não dá importância aos avisos do homem, cedo começa a ter pesadelos com esse rato de rosto humano, que lhe fala, e não tardam os sonhos a mostrar-lhe Frankie revelando-se como uma bruxa velha, e um livro forrado a pele humana onde está descrito um ritual que inclui o sacrifício de um bebé.
O vórtice de loucura vai crescendo até ao encontro final entre Walter e a bruxa, terminando toda a cena no internamento de Walter. Primeiro, a psiquiatra está convicta que a negação do infanticídio despertara em Walter uma típica esquizofrenia paranóica, mas não demora a perceber que na estranha história do paciente há um fundo de verdade.


Aparentemente, a história de Lovecraft não é, por si só, nada de extraordinariamente original. Mas Gordon tem, na adaptação cinematográfica, o condão de a fazer parecer risível.
Dois exemplos: partindo do princípio de que um rato com rosto humano tem algo de realmente assustador, colocá-lo a subir para o peito do estudante, dizendo-lhe "Ela vai apanhar-te" trata de fazer o momento parecer mais adequado à comédia do que ao terror; mais ainda, a bruxa com cabelos brancos e verrugas na cara não tem propriamente nada de bom, limita-se a dar um aspecto algo infanto-juvenil ao filme, digno da série de televisão "Arrepios", baseada nos contos de R.L. Stine.
Ezra Godden consegue uma interpretação credível, já que o filme o mostra quase o tempo todo, mas a verdade é que o papel, por si só não é nada de especial.
A inclusão de um realizador como Stuart Gordon num grupo a que chamam "masters of horror" não me pareceria de todo despropositada. Mas a inclusão de um filme como "Dreams In The Witch House" sim.



Vivo Sin Vivir en Mí


Vivo sin vivir en mí,
y tan alta vida espero,
que muero porque no muero.

Vivo ya fuera de mí,
después que muero de amor;
porque vivo en el Señor,
que me quiso para sí:
cuando el corazón le di
puso en él este letrero,
que muero porque no muero.

Esta divina prisión,
del amor en que yo vivo,
ha hecho a Dios mi cautivo,
y libre mi corazón;
y causa en mí tal pasión
ver a Dios mi prisionero,
que muero porque no muero.

¡Ay, qué larga es esta vida!
¡Qué duros estos destierros,
esta cárcel, estos hierros
en que el alma está metida!
Sólo esperar la salida
me causa dolor tan fiero,
que muero porque no muero.

¡Ay, qué vida tan amarga
do no se goza el Señor!
Porque si es dulce el amor,
no lo es la esperanza larga:
quíteme Dios esta carga,
más pesada que el acero,
que muero porque no muero.

Sólo con la confianza
vivo de que he de morir,
porque muriendo el vivir
me asegura mi esperanza;
muerte do el vivir se alcanza,
no te tardes, que te espero,
que muero porque no muero.

Mira que el amor es fuerte;
vida, no me seas molesta,
mira que sólo me resta,
para ganarte perderte.
Venga ya la dulce muerte,
el morir venga ligero
que muero porque no muero.

Aquella vida de arriba,
que es la vida verdadera,
hasta que esta vida muera,
no se goza estando viva:
muerte, no me seas esquiva;
viva muriendo primero,
que muero porque no muero.

Vida, ¿qué puedo yo darle
a mi Dios que vive en mí,
si no es el perderte a ti,
para merecer ganarle?
Quiero muriendo alcanzarle,
pues tanto a mi Amado quiero,
que muero porque no muero.


Santa Teresa de Ávila
Seta de Fogo
pintura de Graça Martins

Masters of Horror: Incident On and Off a Mountain Road de Don Coscarelli (1x01)

EXPECT THE EXPECTED

O primeiro episódio da saga "Masters Of Horror", datado de 2005, é esta média-metragem do realizador da saga "Phantasm", que conta já com quatro capítulos desde 1979 a 1998, todos dirigidos por Don Coscarelli.


A sinopse de "Incident On and Off a Mountain Road" é simples: Helen (Bree Turner) está numa viagem de carro por uma estrada isolada na montanha, quando embate contra um carro parado. Quando sai da viatura para saber se a pessoa na outra está bem, verifica que o carro parado se encontrava vazio, e no banco do passageiro (O lugar do morto, ironicamente.). Segue o rasto de sangue sobre o alcatrão, até ao rail, e vê um vulto a subir a encosta na sua direcção. À medida que o vulto se aproxima, percebe-se que o vulto carrega, na realidade, o corpo ensanguentado de uma rapariga que pede ajuda. O restante filme mostra-nos a persgeguição deste homem desfigurado, que mais tarde veremos ser conhecido como Moonface (John DeSantis) a Helen, e a forma como esta vai tentando escapar-lhe. Entre cenas, vamos vendo algumas cenas da relação de Helen com o namorado, Bruce (Ethan Embry), em ex-militar que, após o casamento, concentra todos os esforços em ensinar a Helen tácticas de sobrevivência que, afinal, são o que presentemente a ajuda a escapar ao assassino. Além dos ensinamentos do marido, Helen conta ainda com a ajuda de um velho louco (Angus Scrimm) que se encontra encurralado na cave, a sala de tortura, de Moonface.
A verdade é que a película de Coscarelli não nos oferece nada de propriamente original. Devemos a este filme alguns planos realmente arrepiantes, nomeadamente o plano do jardim da casa de Moonface , onde estão semi-crucificados dezenas de corpos, quase todos com os olhos furados, acontecendo o mesmo com a cave da mesma casa, onde os corpos se encontram putrefactos e costurados às paredes. No entanto, esta cena facilmente nos faz pensar em "Jeepers Creepers", um dos mais louváveis filmes de terror dos anos 2000, realizado por Victor Salva. Mas ao passo que o filme de Salva se destacava pela ausência de cenas forçadamente gore, e por uma narrativa simples e sem perdas de tempo, mesmo sendo uma longa metragem, incluindo mesmo assim elementos de uma certa estranheza e de um estranho humor, neste de Coscarelli não estamos particularmente longe de uma assemblage de planos e sequências que se encontram perigosamente perto do lugar-comum.


Se há neste filme algo de realmente interessante, será provavelmente o paralelismo, que não dispensa a ironia, entre a perseguição feita a Helen e o seu casamento com Bruce, que acabaria da forma mais dramática, justificando o título do filme.
Se sobre a média de John Carpenter tinha dito que me parecia que haveria material mais que suficiente para uma longa, com a de Coscarelli acontece o oposto: parece-me que, valendo o filme pela qualidade de alguns planos, esses justificariam uma curta mas, no geral, não há em "Incident On and Off a Mountain Road" ideias suficientemente originais para justificar uma média-metragem, e muito menos é elemento que ajude a caracterizá-lo como mestre do horror.
É que não há neste filme nada de propriamente mau. Apenas não há nada de propriamente novo.




Canção Para o Dia de Hoje

Anathema: Release

Masters of Horror: Cigarette Burns de John Carpenter (1x08)

OS PODERES DO FILME

De John Carpenter não havíamos filme desde "Fantasmas de Marte", de 2001. Com o próximo filme já anunciado para estrear este ano, no interregno de nove anos entre ambos, além de dois dos seus filmes terem sido alvo de remakes duvidosos- "Halloween" e "The Fog"- Carpenter participou por duas vezes na série "Masters of Horror", ao lado de nomes como Dario Argento, Tobe Hooper, Takashi Miike ou Brad Anderson.



Na primeira época desta saga, John Carpenter que será provavelmente o mais absoluto mestre do horror, apresenta-nos este "Cigarette Burns".
Esta média-metragem coloca-nos ante uma situação próxima do filme-ensaio, ainda que à primeira vista isto nos possa escapar. A história é simples: Kirby Sweetman (Norman Reedus), programador de um cinema, é contratado por Mr. Bellinger (Udo Kier) para lhe encontrar um filme raro, trabalho que, aparentemente, Sweetman já havia feito antes. Mas o filme em questão é "o mais raro dos raros". Trata-se de "La Fin Absolute du Monde" de Hans Backovic: exibido uma única vez durante um pequeno festival, criou na assistência um motim sangrento de onde resultaram inúmeros mortos e feridos, levando a que a única cópia do filme fosse apreendida e eventualmente destruida. Se esta última parte era discutível, acabou por gerar uma espécie de mito urbano, segundo o qual o filme subsistira e por várias vezes haveria sido exibido em sessões clandestinas. No entanto, Bellinger tem uma fonte um tanto mais credível de que o filme existe ainda: ele tem, em casa, um elemento utilizado na rodagem. Trata-se de uma espécie de albino liliputiano, que ostenta nas costas sinais de lhe terem sido arrancado um par de asas, que Bellinger tem exposto no seu escritório. Segundo este ser, se o filme tivesse sido destruido, aqueles que, como ele, tivessem tomado parte dele, senti-lo-iam. Pressionado pelo facto de ter que pagar 200 mil dólares ao pai da falecida namorada que lhe cedera o cinema, Kirby acaba por aceitar o trabalho.

Ao longo dos cinquenta e oito minutos de "Cigarette Burns" o grande desafio, quer para Kirby, quer para o espectador, é entender que poder é esse que "La Fin Absolute du Monde" tinha, para criar à sua volta tamanha ambiência de loucura e de carnificina. É assim que Kirby encontra um crítico de cinema que desistira do seu trabalho para se dedicar a escrever uma verdadeira crítica ao filme de Backovic: crítica essa que se divide em resmas e resmas de páginas dactilografadas, e que ocupa toda a casa do crítico, que ainda nem a terminada.
Kirby acaba por se deslocar a Paris, onde o filme teria sido rodado, na tentativa de encontrar alguém que estivesse incluido na produção do filme, apesar de quase todos estarem mortos. É quando começa a ter alucinações. Vê frequentemente essa marca na película, conhecida como cigarette burn, que marca, em cerca de 0,17 segundos a transição de bobine. A partir dessa marca, tem flashbacks do momento em que encontrara a namorada na banheira, após o seu suicídio por auto-mutilação.
À medida que se aproxima do filme, estas alucinações vão-se tornando mais e mais intensas. Dos seus encontros com aqueles que o poderão levar ao filme, ele percebe que "La Fin Absolute du Monde", mais do que um filme de extremo gore, teria que ter algo de real para despertar nas pessoas tamanha violência, como deduz ao cruzar-se com um realizador enlouquecido que nem chegara a ver o filme de Backovic, mas que dele recebera vários elementos, e que assassina uma mulher à sua frente, em poucos segundos, enquanto filma, explicando-lhe como a grande descoberta de Backovic havia sido justamente que a ficção não perturbaria ninguém, e que aquele apelo ao que de mais negro existia na alma do espectador só se conseguia através do Mal em estado puro, e real: como sacrificar um anjo, arrancando-lhe as asas. Fica assim explicada a criatura que Bellinger mantinha na sua casa.
Quando, no final do filme, vislumbramos algumas cenas de "La Fin Absolute du Monde", percebemos que se trata de uma série de planos entrecortados em que a violência é efectivamente incomodativa, grosseira, penosa e arrepiantemente real, o que conduz "Cigarette Burns" ao seu final abrupto e desesperante. Os últimos segundos do filme tornam esse final um final aberto, dúbio, como tantas vezes acontece com os filmes de Carpenter.



"Cigarette Burns", apesar de ser uma média-metragem, é perfeitamente capaz de se inserir entre os melhores filmes de Carpenter.
A ideia da relação arte-vida, sendo que a loucura de uma verte para a outra, não é inédita no percurso deste cineasta. Já em "A Bíblia de Satanás", de 1995, assistíamos à loucura de um livro tornar-se a realidade do seu escritor. Em "Cigarette Burns", no entanto, o objecto, neste caso um filme, é uma espécie de paciente zero de uma epidemia de loucura violenta e aluncinada. Como ouvimos de um dos personagens do filme, "o espectador desafia o realizador a perturbá-lo". Então, o que acontece se realmente o realizador decide mesmo perturbar o espectador? O motim em que resultou a primeira exibição do filme é uma resposta interessante. Além disso, há ainda a questão do aborrecimento da ficção, dos truques levados ao extremo, do cinema ter deixado de ser "a grande ilusão", para se tornar "uma mera ilusão", em que as pessoas fazem o favor de acreditar. Carpenter coloca então a hipótese de o cinema nem sequer ser ilusão, mas registo de algo real.
E neste campo, não pensei propriamente em mais filmes de Carpenter, mas justamente num outro mito urbano (Talvez...), o do snuff-movie. O mito e o termo já fizeram parte de muitas especulações não necessariamente recentes, como a de Charles Manson: alguns teóricos afirmam a pés juntos que a família de Manson era especialista em snuff-movies. O snuff-movie consiste em, sem qualquer tipo de ficção, assassinar alguém em frente a uma câmara, para depois espalhar o resultado pela internet. Além de Charles Manson, outro famoso assassino, Son of Sam, foi também alvo do rumor de produzir snuff-movies. Apesar de já terem circulado vários filmes pela internet que aparentavam ser snuffs, até hoje, um por um foram provados falsos, sendo que os únicos verdadeiros incluem apenas animais.
Propositadamente ou não, Carpenter traz também este assunto em "Cigarette Burns", pois afinal, o filme que retrata uma violência não-forjada teve um impacto tremedo, muito difícil de igualar por qualquer bom filme.
O que pode o cinema ainda fazer? O que esperam as pessoas ainda ver? Que influência pode a vida ter na arte, e a arte na vida? Todas estas questões parecem passar-nos pela cabeça ao longo de quase uma hora em que somos sugados para dentro deste universo doentio e exasperante.
Como se toda esta pungência não fosse suficiente, "Cigarette Burns" é ainda um filme de planos fantásticos, com a atenção aos espaços a que Carpenter, o mais arquitectónico dos realizadores, nos habituou, e uma música brutal, composta por Cody Carpenter, capaz de aumentar em nós o calafrio que as imagens já têm toda a probabilidade de criar.
O único defeito que realmente me sinto capaz de apontar a "Ciagrette Burns" é mesmo o facto de ser uma média-metragem, porque a verdade é que não é difícil sentirmos que há aqui material para uma longa.
Se ainda precisávamos de provas de que, desde o longínquo "Dark Star" de 1974, John Carpenter cresceu para ser realmente o mestre do cinema de terror, "Cigarette Burns" pode muito bem ser a prova dos nove.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gelo com Flores


Diziam no café que estava prestes
a ser servido, mas o quê?
A tua nuca? Essas mãos
desamparadas sobre a mesa puída
com nós embaciados de furtivos usos
e conversas engalanadas e malsãs?

Não posso dizer que tenho ainda,
sequer neste interior nocturno com abóbadas,
o ímpeto de dor que noutras ruas
à claridade do sul perto do mar
(como eu odeio a claridade, o sul e o seu mar)
me fez sossobrar ao segredo do álcool.
Mas porque não jurar-te - é o crepúsculo -
que certos fogos próximos do fim
ganham duma inércia consumida
o maior poder de cremação.

De repente um holofote mais baço
acendeu-se contra o alvo de centro perdido.
Atira o dardo, é a tua vez. Porque esperas?
Queres que seja eu, em tudo, a manejar?
E tu de mãos tão hábeis, o pulso grosso e mesteiral,
o cabelo farpado sobre as sobrancelhas de vinil.

Com as calças vermelhas, a camisa de riscas ferozes
e a gabardina abandonada num banco de balcão,
o tocador de alaúde saúda um tempo que passou,
alegra o tumulto contido do salão onde as bebidas,
as refeições ligeiras, os últimos encontros do dia
se preparam para amanhã, para um quase sempre
de entradas e saídas acompanhadas de risos
e olhares onde a ternura se esquiva para a rua.

Agora é tarde. Sobe para além da noite
o nevoeiro habitado na comporta
onde correm lamas e a ferrugem
de todas as coisas abandonadas.
Quando sorriste por entre os remos,
a convulsão viscosa dos detritos
cresceu em arbustos vermelhos
com as bagas crepitando na sombra;
e uma rede de pássaros invisíveis
cantou para ninguém, nos cimos,
na flutuação de chamas inesperadas

Joaquim Manuel Magalhães
in "As Escadas Não Têm Degraus" nº1
ed. Cotovia
pintura de Mark Rothko

Luísa Dacosta: Na Água do Tempo

DA POEIRA DOS DIAS

Depois do diário mais recentemente lançado de Maria Gabriela Llansol, regresso ao tema dos diários, com Luísa Dacosta. Para evitar repetir tudo o que disse sobre o conceito de um diário publicado, prefiro situar este livro na bibliografia da autora.
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Para todos os efeitos, Luísa Dacosta nunca foi propriamente uma ficcionista, no sentido mais comum do termo: Luísa Dacosta não se interessa por criar enredos; os seus livros incluem crónicas, retratos, observações do real, tal como acontecia com, por exemplo, Irene Lisboa, mas, e aí difere já de Irene, interessando-se muito pelo imaginário e pelo dia-a-dia do interior, da província (Como se chamou o seu primeiro livro, em 1955.), em particular a cidade de Vila Real, onde nasceu, e a vila de A-Ver-o-Mar. Questões feministas não lhe passaram ao lado, portanto encontramos frequentemente os problemas da mulher, vistos de uma forma implacável, que não é crueldade mas denúncia. Além de numerosos livros de contos ou de crónicas, contam-se ainda três pequenos livros de poesia, um de notas de leitura, e vários livros infantis. Interessa inventariar tudo isto porque "Na Água do Tempo" (ed. Quimera, 1992, reed. Asa, 2002), primeiro de dois diários publicados não funciona como o tal diário que nos mostra o dia-a-dia da pessoa, mas precisamente abarca todos os géneros que Luísa Dacosta percorreu desde a sua estreia. Inclusivamente, se pesquisarmos um pouco, veremos que muitas destas entradas haviam já sido publicadas, sob forma de crónicas principalmente, em dispersas publicações, nomeadamente a "Colóquio/ Letras".
Estamos perante um diário bastante extenso, que começa em 1948 (Sete anos, portanto, antes da publicação de "Província".), tinha a autora 21, e termina em 1987, aos 60 anos. Este diário, como explica o prefácio, texto verdadeiramente poético, mostra-nos o que Luísa Dacosta guardou da poeira dos dias (pag.11).
Podemos encarar este livro como mais um da bibliografia de Dacosta. "Na Água do Tempo" tem essa particularidade de se inserir perfeitamente no contexto de outras obras como "Corpo Recusado" (1985) ou "Morrer a Ocidente" (1990), na maioria das suas páginas. São textos de uma pungente beleza, e de uma incisiva observação do real, no mesmo registo simples e certeiro que encontramos noutros escritores de uma certa tradição realista (Diferente de neo-realista.), como a já referida Irene Lisboa, ou Ilse Losa, e, de certa maneira, às vezes não nos parece errado lembrar Agustina Bessa-Luís, em páginas de uma certa sagacidade e ironia. Luísa Dacosta é verdadeiramente dotada de um olhar atento a todos os detalhes, recriando com toda a desenvoltura longos diálogos com pessoas encontradas ou observadas na rua. Não estamos a ler uma autora que viva dentro de uma espécie de mundo interior, mas de uma observadora que fixa o exterior através de uma visão própria do real. Estas páginas encerram assim várias localidades (Vila Real, Porto, Matosinhos, Lisboa, Estoril, Régua, Rio de Janeiro, Londes, Díli, Vila do Conde, A-Ver-o-Mar, etc.) abordadas sumariamente na sua construção, mas densamente no seu lado vivido, e então encontramos surpreendentes análises sociais, tanto do ponto de vista da autora como do ponto de vista das pessoas, em particular o lado popular, mais do que o erudito, onde Luísa Dacosta encontra tantas vezes esses aforismos que, despidos que qualquer inquinação erudita, acabam por resumir a vida perfeitamente. Daí que certas passagens nos pareçam tão susceptíveis de ser incluidas entre os restantes livros da autora, os de crónicas.


Mas também a leitura e os livros encontramos em "Na Água do Tempo". Recorde-se que em 1960, Luísa Dacosta publicara "Notas de Crítica Literária" (ed. Divulgação), tendo entretanto alterado o título para "Notas de Leitura". No seu diário, cruzamo-nos com verdadeiros ensaios, sobre Camilo Pessanha, Irene Lisboa, José Régio, Cecília Meireles ou Aquilino Ribeiro. Estes textos têm a particularidade de se centrarem essencialmente numa perspectiva de leitor, em vez da tonalidade cada vez mais comum e mais aborrecida da análise da faculdade (Apesar de Luísa Dacosta ser realmente formada em Historico-Filosóficas.), e portanto, encontramos nestas páginas uma leitura apaixonada dos escritores em questão, em que os versos se abrem a novos sentidos. A paixão pelos escritores dar-nos-á também pungentes entradas, por exemplo, aquando da morte de Irene Lisboa ou da visita de Luísa Dacosta à casa onde vivera Cecília Meireles.
Além da literatura, também a pintura mereceu à autora algumas páginas de análise, uma vez mais uma análise que se pretende (E se consegue.) pessoal, mais do que técnica. Os pintores que aqui encontramos são aqueles que, afinal, foram próximos da escritora, participando com ilustrações em vários dos seus livros: Armando Alves, José Rodrigues, Jorge Pinheiro. Mais surpreendentes ainda são os comentários que Luísa Dacosta escreve, quando, em Março de 1984, visita com uma amiga uma exposição de arte naif: Que me dizem? Infância antes de tudo. (...) Infância, não apagada, mesmo naqueles que tiveram uma vida de luta (...) (pag.322).
A infância acaba por ser outro dos assuntos recorrentes nos livros de Luísa Dacosta, pois, como lemos na nota biográfica da badana, alguma coisa deve aos alunos: o ter ficado do lado do sonho. E portanto, essa procura do olhar infantil, impoluto, pauta também algumas destas páginas. Mais ainda, encontramos entre 1971 e 1972 os textos que integraram o Exame de Estado de Luísa Dacosta. Neles nos cruzamos frequentemente com esse contacto com os alunos, com os problemas da infância, mas também com o olhar simples sobre o mundo com que a autora, na sua sensibilidade, se cruza profundamente. E encontramos mesmo as dificuldades de uma mulher de pensamento moderno e culto tentando transmitir essa cultura aos alunos, e o sistema recusando essa renovação.

Dos géneros publicados pela autora, falta referir ainda a poesia. Os três volumes de poesia publicados, "Nos Jardins do Mar" (ed. Figueirinhas, 1981), "À Sombra do Mar" (ed. Câmara da Póvoa de Varzim, 1999) e "A Maresia e o Sargaço dos Dias" (ed. Asa, 2002) dão-nos conta de uma sensibilidade apurada, despida de quaisquer formalismos, e que traça uma ponte em relação à restante obra. Mais ainda, estes três livrinhos de poesia confirmam-nos que a linguagem de Luísa Dacosta, nos seus outros livros, nunca abdicou de uma sensibilidade extremamente poética. Quando, neste diário, lemos determinadas passagens, não é difícil concebê-las como poemas em prosa. Mais ainda, em Novembro de 1970, encontramos apenas a seguinte frase:
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Todo o ouro do outono e a tua ausência.
(pag.172)

é difícil não a conceber como poema, sendo uma frase tão sintética, tão valiosa pelo pouco que diz o muito que fica não-dito. É essa relação entre o que é escrito e o que é intuído que vale a "Na Água do Tempo" muitos dos seus mais belos momentos.
Ainda de referir são os relatos da estadia da autora em Díli, após o 25 de Abril de 74, em que o falhanço do projecto de educação conduz a autora não só ao relato impiedoso das condições de vida e da fuga do local, como também a analisar, à margem de qualquer histeria, as dificuldades com que a democracia se debatia nos seus primeiros tempos.
Sobre os livros, vamos encontrando uma ou outra referência, por vezes a questões de edição, comentários às artes gráficas, às ilustrações, e uma ou outra vez refere o processo de escrita ou de organização dos livros. Mas não encontramos aqui detalhes sobre essa construção, essencialmente por dois motivos: o primeiro, e já referido, é que este livro, apesar de responder perante a especificidade de "diário", pode perfeitamente ser entendido como mais um livro de Luísa Dacosta, com a diferença de que cruza vários géneros e intercala com eles alguns detalhes quotidianos; o segundo porque esses livros de Luísa Dacosta seguem esta mesma construção, não precisando, portanto, de complexas explicações ou justificações.
"Na Água do Tempo" é, portanto, um exemplar belíssimo de um livro, diário ou não, onde encontramos, mais do que histórias, uma série de textos que nos revelam, isso sim, de forma mais directa ainda todo o pensamento do projecto de escrita de Luísa Dacosta, a sua sensibilidade e as suas ideias. É certo que essas ideias fizeram dela uma escritora de certa forma "marginal", ou pelo menos exterior aos circuitos mais imediatos, o que aconteceu com outros autores que não quiseram inserir-se na esfera dos géneros comuns, caso uma vez mais de Irene Lisboa. Mesmo assim, este livro não deixa de ser uma boa oportunidade de entender plenamente esse projecto que, a meu ver, permanece numa espécie de sombra há tempo demais. Porque Luísa Dacosta tem essa capacidade de nos levar a descobrir um outro lado, sensível essencialmente, dos lugares que conhecemos: sejam ele a cidade ou a nós mesmos, de certa forma. É esse o seu eco principal.



(Nota: a primeira edição, da Quimera, tem em hors-texte o desenho a pastel de Maria Mendes reproduzido acima; a segunda, da Asa, inserida na colecção das Obras Completas de Luísa Dacosta inclui uma sobrecapa com uma pintura de Armando Alves.)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Maria Gabriela Llansol: Os Pregos Na Erva

A INTROMISSÃO DA VIOLÊNCIA


À data da sua estreia, com este volume de contos, seria difícil de prever no que a posterior obra de Maria Gabriela Llansol iria resultar. Para todos os efeitos, a obra de Llansol, como a conhecemos, começa a traçar-se timidamente em "Depois de Os Pregos da Erva", editado em 1973, e mesmo assim, seria "O Livro das Comunidades", de 1977, a realmente fundar a obra que se celebrizou por títulos como "Causa Amante" (1984), "Contos do Mal Errante" (1986) ou "Um Beijo Dado Mais Tarde" (1990).



E, no entanto, seria inadequado dizer que Maria Gabriela Llansol não está nos contos de "Os Pregos na Erva". Editados em 1962 pela Portugália editora, e escritos entre 1956 e 1960, viriam a ser reeditados apenas em 1987 pelas edições Rolim, com um posfácio de Augusto Joaquim.
Mas, na década em que surgem, é de notar, como veremos no ensaio do marido da escritora, que a crítica não foi particularmente generosa com os contos de Llansol. O que é de estranhar.
Uma primeira e quase superficial leitura destes contos mostra-nos que neles há uma espécie de recusa do climax. Além disto, estes contos são pautados por aquilo que conhecemos, desde Nathalie Sarraute, como "ante-sentimentos". Ora em 1959 , já Fiama Hasse Pais Brandão, só para dar um exemplo, publicara o seu livro "O Aquário". Ainda hoje, há uma certa hesitação em definir esse livro de Fiama: há quem prefira classificá-lo como prosa poética ou poema(s) em prosa, outros ainda lhe chamam narrativa, conto. E neste livro, existe também essa ideia do ante-sentimento, como Urbano Tavares Rodrigues apontaria no seu prefácio à primeira peça de teatro publicada por Fiama, em 1961, "Os Chapéus de Chuva", além do não-acontecimento, que me parece presente tanto ou mais no livro de Fiama como no de Llansol.
No entanto, "Os Pregos na Erva" não teve a mesma benevolência quando foi lançado. Podemos reparar que estes contos foram lançados como tal, ao passo que o dia Fiama, uma vez mais por exemplo, fôra lançado sem qualquer classificação numa colecção de poesia. Podemos também relembrar Herberto Helder, que em 1963, um ano depois da estreia de Llansol, publicaria uma colectânea de contos, "Os Passos em Volta", numa colecção de contistas, e actualmente a crítica é unânime em afirmar que a separação entre prosa e poesia é, nesse livro, muito ténue.
Se a isto acrescentar-mos que em 1961 Portugal assistia ao boom do Poesia 61, que veio revolucionar os conceitos que reinavam na poesia anterior, é mais estranho ainda pensar que a escrita de Maria Gabriela Llansol não tenha causado nenhuma impressão especial. É justamente pela questão da invulgaridade ou da originalidade que refiro Fiama, o Poesia 61 ou Herberto, e menos para entrar numa análise da canga poética na obra de Llansol.
Isto não tem, na verdade, interesse absolutamente nenhum, com excepção de um pequeno pormenor: é que sobre "Os Pregos na Erva" acaba por não existir nenhum texto crítico realmente imparcial, pois aqueles que existem e que realmente se concentram em entender o difícil universo llansoliano estão já inquinados pela leitura da obra posterior; incluindo esta nota de leitura.
Mas, concrectamente sobre este volume de contos, muito se pode dizer.
Maria Gabriela Llansol coloca-nos constantemente perante situações sufocantes. Os seus contos têm frequentemente um número de pessoas fechadas num espaço que parece sempre demasiado pequeno para todos. Mas mais sufocante ainda do que esta arrumação de pessoas, que pautam a maioria mas não a totalidade dos contos, é a dificuldade de comunicação e mais ainda de reacção que os seus personagens manifestam. De certa maneira, é como se estas pessoas tivessem consciência de que precisam de reagir a alguma situação, mas fossem vencidas pela inérica ou pela impossibilidade. Explica isto melhor aquilo que acima disse, acerca do não-acontecimento, do "quase" (Que a crítica apontou religiosamente em cada texto sobre este livro.) existente em cada um destes contos.
Pergunto-me (O que prova que, realmente, nada do que se diga sobre "Os Pregos na Erva" é imparcial.) se isto não poderá, conscientemente ou não, representar a escrita verdadeira de Llansol: podemos deduzir que a escrita que lemos nos restantes livros da autora já estaria dentro dela, mas amordaçada, ou ainda em maturação, querendo sair, querendo ser escrita. Porque é um pouco isso que acontece nestes contos: há alguma acção, alguma palavra, que os personagens querem legitimar, mas por umas ou outras razões, disso se vêem impedido.
Outra característica que me parece comum a quase todos estes contos é a solidão que existe em cada um dos seus personagens, que talvez nem seja solidão, mas mesmo isolamento. Por mais que acompanhados, estes personagens parecem ter dificuldades em coadunar aquilo que sentem, aquilo que intimamente são com aquilo que os rodeia. Os indíviduos encontram-se numa permanente ruptura com o meio. E será justamente tudo isso que justifica os não-acontecimentos de cada conto. Esta ideia de isolamento, de redução àquilo que se sente e se pensa, é reforçado ainda pela ausência de elementos biográficos, de elementos que situem o personagem num trabalho, numa cidade, numa família: isso raramente existe nestes contos e, quando acontece, é um pormenor sem importância.
Num dos contos, no entanto, parecemos encontrar a escritora que Maria Gabriela Llansol se revelaria a partir de "O Livro das Comunidades". Refiro-me ao conto "O Sal". Este é um dos contos mais antigos deste livro, datando de 1957, no entanto, é aquele que mais parece aproximar-se dos conceitos que formariam a restante obra (Ou "restante vida".) llansoliana. Estamos perante uma mulher que Pensava literariamente (pag. 71). Quando o marido desta personagem entra, eis o que lemos:

Se escrevesse um livro talvez o escolhesse para uma das personagens (...) Mas não diria nada sobre ele, a não ser que tinha entrado ou saído da sala ou bebera um copo de groselha. Não encontraria melhor maneira para descrever alguém de contornos apagados. Numa folha branca defini-lo-ia com um simples segmento de recta.
(pag.72)

Ou seja, em tão poucas linhas, temos já o processo tão llansoliano de absorver a realidade como forma de escrita, e até a ideia do segmento de recta que, ao longo da maioria dos seus grandes romances haveria de ter uma presença essencial.

Além de uma espécie de formação de pensamento, literário e outro, "Os Pregos na Erva" vale ainda por certas passagens de uma pungente beleza, em que reconhecemos inevitavelmente uma presença da poesia, uma densidade metafórica que comove, e ao mesmo tempo, também uma certa violência, que os títulos dos contos evidenciam (Note-se "Os Pregos na Erva", "Os Corpos Cercados", "A Casa às Avessas", "A Manhã Morta" ou "A Terra Fora de Sítio".).
Mas esta podia ser a ideia essencial deste livro: ele apresenta-nos a violência, a agressão, o desgosto, como elementos que se intrometem numa determinada realidade a que somos apresentados. É dessa perturbação e da impotência perante ela que vivem os personagens, como se, ao deixarem-se cair, realmente sentissem "os pregos na erva".
Serão um pouco estas a lógica e a estética do livro de contos "O Estorvo" que fecha o livro "Depois de Os Pregos na Erva".

Elogio da Distância


Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.

Aqui, coração
que andou entre os homens, arranco
do corpo as vestes e o brilho de uma jura:

Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.

Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.

Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.

Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço.


Paul Celan (trad. Yvette K. Centeno)
Papoila e Memória

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Yvette K. Centeno: Matriz

ROMANCE COM SENTIDOS

Yvette K. Centeno tem, desde a sua estreia em 1961, sido uma das autoras mais prolíferas da literatura contemporânea. Se à primeira vista se poderia dizer que se dividiu entre a poesia, o romance, o ensaio, o teatro e a tradução, eu antes diria que Centeno juntou em si todas estas categorias. Aqui há, antes de mais nada, um universo, um mundo, uma individualidade: estamos perante uma produção que tem as suas leis, definidas e concretas, com um imaginário próprio ligado não raras vezes aos símbolos alquímicos, herméticos e maçónicos, e também uma forma muito marcada, que se prende essencialmente com questões de ritmo, de escolha minuciosa de palavras. Tudo isto talvez explique por que, no fim de contas, a escrita de Yvette K. Centeno não é uma escrita fácil. Nisto não há qualquer tipo de demérito, antes uma característica como outra qualquer. Dela disse, maldosamente, João Gaspar Simões que "não é deste nem daquele país: não é deste mundo", que nos seus romances "Há algo de esperanto, um esperanto altamente trabalhado". No entanto, aquilo que serviu a Gaspar Simões para maldizer a escrita da autora tem sido notado por críticos menos reaccionários como justamente uma das características mais individuais e fascinantes desta escrita.


E se a estreia de Centeno se deu em 1961, com a publicação de "Opus 1", em poesia, foi no ano seguinte que editou o seu primeiro romance, "Quem, Se Eu Gritar". Seguiram-se "Não Só Quem Nos Odeia" (1964), "As Palavras, Que Pena" (1972), que formavam com o primeiro uma espécie de trilogia. A novela cómica "As Muralhas", publicada em 1986 sob o pseudónimo de Barbara Escrava e a que não faltavam alguns elementos mais sérios ligados aos símbolos herméticos é uma história que, de qualquer forma, se desvia um pouco dos primeiros três romances da autora, ainda que se aproxime de alguns momentos da sua bibliografia, como poderia ser a peça de teatro "Será Deus o Dr. Freud?" (2000).

"Matriz", editado em 1988, é um romance que, sob alguns aspectos, dá continuidade ao universo de Yvette K. Centeno, mas, sob outros, não deixa de representar um certo desvio.
Explico-me: tal como acontecia nos primeiros romances, "Matriz" está cheio de símbolos facilmente associáveis à poesia, e à poesia da autora, e não só os símbolos, como a própria linguagem, mostram um conhecimento dos processos mais característicos da poesia, eles representam uma maneira de olhar para o mundo. A questão do ritmo não é alheia à da poesia, mas vale também por si só, uma vez que, em certos trechos do texto é fácil sentir como as palavras vão ganhando uma musicalidade própria, e não é difícil lembrarmo-nos que foi justamente esse ritmo que levou a autora a manter uma série de citações na sua língua original em "As Palavras, Que Pena". Portanto, como vemos, nalgumas questões formais, este continua a ser um romance em que facilmente reconhecemos a voz de Yvette K. Centeno.
Falemos agora do desvio. "Matriz" propõe-se a uma tarefa nada fácil. O que percebemos após algumas páginas, é que não estamos aqui só a ler a história de "Matriz". A construção do romance, o lugar que tem na vida da sua autora e dos que a rodeiam são igualmente parte desta arquitectura.
Imaginemos o projecto de um edifício, primeiro como desenho que sai das mãos de um arquitecto. Depois, o edifício está pronto, e é possível observar no real aquilo que estava no desenho. No entanto, todas as técnicas de construção e de engenharia são mais do que partes integrantes da realização desse desenho: elas tornam-no possível.

É exactamente isto que se passa com "Matriz". Assim sendo, a história constrói-se e nela, vemos também essa construção, passamos a ter uma noção das dúvidas, dos conceitos, dos objectivos e até da leitura que a escritora tem daquilo que escreve. Por isso, neste livro não faltam aforismos, referências culturais, e até referências biográficas, como por exemplo à publicação do primeiro romance, há 26 anos atrás. Este romance é definido pela sua autora como "Narrativa dialogada? Ficção sem descrições, sem personagens-tipo, sem fio regular, sem desenvolvimento" (pag.44). E é esta outra das questões que importa referir: é que "Matriz" vem colocar em causa o objectivo do livro, da prosa; um pouco aquilo que num estilo completamente diferente Maria Gabriela Llansol fez com os seus romances.
A verdade é que é pouco relevante se "Matriz" é um romance. É de facto uma narrativa, que cruza em si a poesia, o romance, o diário, o ensaio, a análise, a filosofia, o aforismo. Portanto, o que interessa é saber se o faz bem. E parece-me que sim. Note-se que esta junção de formas tem toda a probabilidade de resultar mal: poderia ser excessivo, confuso, aborrecido, inconsequente, pretensioso e desregrado. De tudo isto, "Matriz" será apenas um pouco confuso, nalguns dos seus fragmentos: não é o tipo de livro que se possa ler enquanto se ouve música ou se espera por um amigo no café. Requer atenção para ser plenamente entendendido. E dada a mestria, quase obcessiva com que está articulado, a verdade é que este é um romance que nos dá aquele insight sobre o processo criativo da sua autora, e levanta toda a sorte de questões relativas à escrita, ao romance, à leitura, à literatura, aos leitores e à crítica.
Com isto, podemos voltar àquilo que afirmei no início deste texto: é que Yvette K. Centeno não se divide entre géneros, reúne em si os diferentes géneros. O resultado é que os seus romances são verdadeiros momentos culturais, que questionam tudo aquilo que constitui esse mundo a que chamam "literatura", penetram no desconhecido, buscam respostas ou possibilidades.
E mais interessante ainda é que eu tenha lido este livro vinte e dois anos depois de ele ter sido publicado e mesmo assim, tanto do que ali se lê tem ainda completo sentido hoje. Porque ser-se bom é já muito bom, mas resistir-se ao tempo é melhor. E estes livros aí estão, sem envelhecer.