segunda-feira, 31 de agosto de 2009

+2 blogs que vale a pena ver

- o de Isabel de Sá, http://isabeldesaescritora.blogspot.com/ com uma recolha contínua do trabalho plástico e poético da artista.

- o de Graça Martins, http://afiguraeoseuduplo.blogspot.com/ que recolhe também grande parte do trabalho da pintora, desde 1977.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

um poema de Regina Guimarães

Reconheço um vestido meu
em trapo de limpar o pó.
Reconheço uma alcunha
talvez a minha
que designa agora um céu de chumbo
fardado de soldadinho azul.

Está mudada, a casa mãe,
mas não sei bem em quê.
Posso visitá-la
ora cave dum museu,
ora celeiro
crivado de luz e de metralha.

Reconheço as ferramentas em repouso,
um cheiro a sereia no esgoto
e a rastilho de rato em seara.

Reconheço a ocultação do corpo
e o cadáver em exibição.


Mas já não sei quem me deu
o que é ou já foi meu
- vestido, alcunha, museu, celeiro -
e o que jamais foi ter sido
- sereia, seara,
cheiro, rastilho,
o pai morrendo em seu filho.

Conheço a tristeza das ferramentas
e a certeza de terem sido usadas.


poema escrito em Janeiro de 2008, e publicado em Junho de 2009 na revista Brilho no Escuro, nº 1

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Cansaço

Por trás do espelho quem está
De olhos fixados no meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus dará
Deixando os olhos nos meus.

Quem dorme na minha cama
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama
E lá de longe me chama
Misturado nos meus sonhos.

Tudo o que faço ou não faço
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim.

Luís de Macedo

domingo, 23 de agosto de 2009

[No soy dueña de nada]



No soy dueña de nada
mucho menos podría serlo de alguien.
No deberías temer
cuando estrangulo tu sexo,
no pienso darte hijos ni anillos ni promesas.
Toda la tierra que tengo la llevo en los zapatos.
Mi casa es este cuerpo que parece una mujer,
no necesito más paredes y adentro tengo
mucho espacio:
ese desierto negro que tanto te asusta.

Miriam Reyes
Bella Durmiente
2004, hipérion
imagem: Inês d´Orey, Narcissus

sábado, 22 de agosto de 2009

depois da Lipa, foi o meu tio que me surpreendeu com uma expressão desconhecida

"... está doente dos travões."

La Soledad Es Una Enfermedad De La Piel



De noche silban los imanes de la destrucción.
El mismo viento que hoy nos arranca de raíz
nos cose con doble hilo al viento de mañana.
Somos manchas minúsculas bajo el tachón de la noche.
La ciudad donde caminamos es un zapato que aprieta demasiado.
Un aire sin cielo nos delata, nos viste para la desaparición.
Perdidos para siempre los planos del hombre
uno a uno se van cerrando todos los poros.
Nos hacemos impermeables en la soledad:
dentro de la piel no viaja nadie;
fuera de la piel, nadie nos ve pasar.

Jesús Jiménez Dominguez
Fundido en Negro
2007, dvd ediciones
imagem: Edgar Degas

Doença




Aos pés da minha cama
o pássaro do pensamento.
Está pousado. Não voa.
Toda a noite
todo o dia
porque não voa ele?
Qual o sinal que espera?
Mando abrir a janela
mostro as árvores fora
sopra o vento
as folhas cantam
uma canção repetida.

Mas o pássaro não voa.
Está de guarda
ou está sem vida?

Yvette K. Centeno
Sinais
1977, editorial Inova

imagem: Salvador Dalí

A (In)Coerência do Fogo (fragmento)



Mas se o silêncio da praia- onde o mar?-
o silêncio da página
suscitassem essa música do corpo
aqueles membros brancos
vermelhos
em torno ao centro- e a respitração do mar?

Um braço, uma torção do braço pela violência do vento
um cântico na praia
o corpo contra o corpo amante amado?

Uma sílaba apenas verde ou branca
e não o torso musical
e não a pedra do mar o esplendor da praia?

Ninguém ouve o grito sobre o vento
sobre o ventre de ninguém
nada se ouve entre estas pedras
nada e aqui neste deserto
António Ramos Rosa
"As Marcas no Deserto"
&etc, 1978


imagem: Barbara Walraven

descubro hoje por acaso

que não só o corpo de Jorge de Sena vai ser transladado de Santa Bárbara, onde o escritor morreu em 1978, para o Cemitério dos Prazeres



como ainda que a Guimarães vai reeditar a sua obra completa, a começar pelo romance, "Sinais de Fogo". Bem... não é a editora de sonho, neste momento... já estou a imaginar os livros de capa dura... mas pronto, não deixa de ser Jorge de Sena.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A Adoração dos Magos

Aquela noite a três
foi como desenhar a maçarico
numa chapa de ferro
um vento fóssil, um vítreo monograma,
o rasto ao exceder o voo de uma carriça
cativo flutua no vidro de uma jarra.
Suspensos percorriam na polpa da vertigem
léguas sobre o abismo.
Pendentes do zinco da manhã
à espera do início
do seguinte espectáculo
dispersaram o sémen
nas chaminés da noite leprosa.
Nos terraços da luta percorreram
as danças mais funestas da ternura.
Num combinar astuto de referências
abriram-se os portais
e despediram galopes penitentes
os animais libertos
das tecidas mansões.

O unicórnio branco depôs sua cabeça
nos braços da senhora,
compadecida dama,
e lhe tocou fiando suas lãs
entre as unhas crivadas por metralha.
Sinto-lhes o assédio,
em cada joelho poisam
um queixo armadilhado,
a barba já cresceu desde o jantar.
«É a adoração dos magos» - murmuras tu –
fincando na ravina os dedos imanados
enquanto o tronco investe
a pele percorrida por venosas nascentes.
Olho por sobre um ombro
e surpreendo a treva
ofendida esgueirar-se
entre os dedos da porta.
O noctívago galgo
devora a escuridão às cegas no recinto.
Em breve a luz envolve
de opalinas unções as cabeleiras.
Iminentes desenham-se as saídas,
o croissant no prato, o garoto no copo,
o revestir a pele doutros fatos
a tragédia jazente nos horários.
Aquela noite a três foi sem remédio.



Fátima Maldonado
Os Presságios
Editorial Presença, 1983

fragmento

Sinais de fogo, os homens se despedem,
exaustos e tranquilos destas cinzas frias
lançando ao mar os barcos de outra vida


Jorge de Sena
do romance "Sinais de Fogo"
1978 (póstumo), edições 70

Agustina tem destas coisas... (3=

Lisboa tinha alma de corte e gostava dos seus pequenos heróis de gabinete
.
.
.
.
de "Um Cão Que Sonha", 1997

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fiama: As Fábulas

Pequena referência ao último livro que Fiama Hasse Pais Brandão publicou, em 2002, na Quasi, "As Fábulas".
Segundo explica Gastão Cruz trata-se de um capítulo de "Cenas Vivas" de 2000, que a autora decidiu excluir, para publicação separada. Ela lá veio, em 2002.
A obra de Fiama começa por ter uma fortíssima vertente musical/ritmica, que a própria assume numa plaquette restrita, "Melómana" (Inova, 1979). Daí, evolui para um estilo em que a imagem se torna o essencial e a linguagem se adensa drasticamente, o que se vê em livros como "Âmago I: Nova Arte" (Limiar, 1985) ou ainda nos "Cantos do Canto" (Relógio d´Água, 1995).




"As Fábulas" é um livro que, a meu ver, se destaca dos anteriores por conseguir a mesma potência imagética através de uma linguagem muito mais simples e clara. Os poemas tornam-se mais curtos, menos detalhados, e a imagem surge-nos com uma nitidez surpreendente. Leia-se "Urbanização" ou "Lisboa Sob Névoa" para o confirmar.
Uma análise da "Obra Breve" que a Assírio e Alvim repôs em 2007, agrupando a totalidade da obra em verso de Fiama, permite ver, no entanto, que esta depuração não é novidade no último livro publicado, ainda que este a apresente totalmente maturada. Esta simplificação das palavras não implica um renegar da obra anterior, antes um distanciamento que o amadurecimento da escrita pode explicar. É preciso não esquecer que estamos perante uma autora que nunca vacilou no seu conceito de poesia, tendo mesmo empinado brutalmente o nariz aos ataques com que Joaquim Manuel Magalhães e João Miguel Fernandes Jorge se impuseram nos anos 70, publicando "Área Branca", um dos mais importantes livros de Fiama, e também um dos que melhor mostrou que os conceitos do Poesia 61 tinham inúmeras possibilidades de crescimento.
No conjunto de "Três Livros", "Poemas Galaicos" ou "Eremitério" já nos mostram esta "limpeza" que, mesmo assim, ainda mantinha um cordão umbilical com as tramas de palavras da obra que inicia em "Morfismos" (Poesia 61).
De qualquer forma, "As Fábulas" aparenta ser o culminar de uma obra toda ela complexa e construída, que, com o seu evoluir, se torna mais e mais focada. Não arrisco dizer que este seja o melhor livro da autora de "Em Cada Pedra Um Voo Imóvel". Mas que está entre as melhores, isso está.

coisas que me ultrapassam

faltam coisas aqui

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Jovem Mulher Numa Capela de Aldeia


Num banco junto à parede,
fértil e escura como terra lavrada,
os olhos adormecendo no incenso
que a tomava pela cintura
e lhe dava o cansaço
da madrugada.
Os cabelos negros enredando o frio
que vinha de fora
pela porta que alguém esquecera aberta
mostrando ao fundo o rio
e a laranjeira despida
pela geada.

Morte
em ambos os lados da porta
dando entrada
e súbito o dia
e depois
mais nada.

Rui Lage
Corvo
2008, quasi edições
imagem: Paul Gauguin

quando os nossos corpos se separaram





quando os nossos corpos se separaram olhámo-nos quase a desejar ser felizes.
vesti-me devagar, o corpo a ser ridículo. disse espero que encontres um homem
que te ame, e ambos baixámos o olhar por sabermos que esse homem não existe.
despedimo-nos. tu ficaste para sempre deitada na cama e nua, eu saí para sempre
na noite. olhamo-nos pela última vez e despedimo-nos sem sequer nos conhecermos.



José Luís Peixoto
A Criança em Ruínas
2000, quasi edições


imagem: Nan Goldin

death is a drummer



Não há nada a fazer: domingos. Espesso,
demasiado claro, o silêncio tomba
sobre as ruas da cidade - e Junho
é um mês difícil, digam o que disserem
os ingleses e os poetas promovidos
pela cruel certeza de Abril. Junho,
ao domingo: no meu bairro fecharam
as lojas, as mercearias e os restaurantes.
Aberta, no entanto, a agência funerária,
mesmo em frente à casa de um poeta
amigo. E as tabernas que sobrevivem-
calçada dos Mestres n.º 44,
rua de Campolide n.º 82 - com
seus restos de tristeza, serradura e óleo.


Os santos (populares) repousam hoje
nos meus ombros terminais.
Nenhum trânsito, parcos transeuntes
hesitam em poluir a minha solidão
retórica. Um fado suspenso,
dir-se-ia, o bolor que devagar se forma
em volta de um manjerico falso.


Na porta da oficina de automóveis
uma cruz de cinza fotocopiada
justifica o ócio, a urgência de uma farda
já sem manchas de óleo (mas antes fumo
e gravata). Sim, a morte. Haverá

outro assunto? Tão óbvias sempre, e
mais próximas, as carícias com que chega
ao rosto que estamos a deixar de ter.


Sem sinos nem gritos de amor
bem temperado, ouve-se na tarde
apenas o rumor íntimo e distante
de um tambor que nos chama,
incessantemente. E os poemas,
os poemas todos, lhe obedecem.


Para que seja domingo sobre a terra
que pesada e fria nos esquece,
nos esqueceu já.



Manuel de Freitas
[SIC]
2002, assírio e alvim
imagem: Francisco de Goya y Lucientes

verão de Canterbury




não há em nenhuma cidade
resposta para tudo


procurei no Verão de
Canterbury
pressionei a campainha de uma porta
com os dedos sujos de morangos


cá fora nada que pudesse dizer
que lá dentro
quem ouvia
ouvia desde Bangalore
que é como quem diz


os poetas sempre afirmaram
que o universo recomeça sempre a
cada dealbar da voz mais
funda uma


onda um desenho de Hokusai

Miguel-Manso
Contra a Manhã Burra
1ª edição do autor, 2008
imagem: Hokusai

dez de janeiro. só o silêncio responde



não sei se alguma vez viste
crescer a morte sobre um corpo

é como uma infância
de que se desconhecem os modos
ou o lento estalar de um vidro

são como imagens as imagens
partidas esse abandono de partir
o que em água viram os olhos

por esse lençol subido de silêncio
sobe nu de tempo um homem
com mãos devagar de luz
a morte cresce com ele
é o seu corpo que poderá ser
a palavra

Pedro Sena-Lino
Deste Lado da Morte Ninguém Responde
2005, quasi edições
imagem: Paulo Nozolino

agora é que isto soa bem

telepopmusik: breathe

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ultrabiográfico




Que sexta-feira de estilhaços!
(na via-sacra é a paixão)
Se já morri foi nos meus braços
Por não haver ressurreição.

Cheguei a esta mitologia
Como os ciganos, pelo caminho.
Na minha humana eucaristia
Não há o pão. Só bebo o vinho.

Deixem ao céu a concordata
Com uma flor, se lhe apetece.
Mas não me mostrem santos de prata
Como quem mostra o que padece.

Para Jeová, sofro de mais.
Para o demónio, sofro de menos.
Prefiro os olhos dos animais
E o meu vestido de ver a Vénus.

Natália Correia
Passaporte
edição da autora, 1958
imagem: Artur do Cruzeiro Seixas

há uns dias, a Lipa falou-me duma expressão que desconhecia:

"uma chapada nos olhos"

Post-Metamorfose: Variação Primeira




Ao sol ardente, ao mar azul, ao vento que
lhes faz vibrar a pele, os deuses dão-se
numa nudez total de agreste juventude
que impúdica se exibe e se deseja,
se acaso olhos humanos os espiam.

Promíscuos tombam num tropel de corpos,
de pernas, braços, bocas e cabelos,
ancas e mãos, de línguas e gemidos,
uivos de espasmo, seios e tremuras,
e sexo é tudo o que se entrega e tudo
o que num ritmo seguro arranca
sacões em que se ajusta mais ao fundo
e túrgido se escoa e recomeça.
Torcem-se os corpos, arfam e agitam-se,
soerguem-se e arqueiam-se e descaem,
e pouco a pouco vão ficando plácidos
e como que dormindo na difusa,
anónima e divina confusão final.

De súbito, levantam-se altíssimos
ao pé dos corpos que ainda jazem trémulos.
Mais outros se levantam, se recortam
na luz que irisa a negridão dos sexos.
As gargalhadas tinem pela praia clara
num cascalhar sereno da ressaca
lambendo a areia que, trazida, fica
como suspensa no limiar do vento.

Ao mar acorrem que espadanam breves,
enquanto um só dos deuses se demora
à beira de água e se espreguiça erguendo
ao alto os braços num curvar das ancas
sobre as retesas pernas que espraiada
a espuma molha pelos tornozelos.
Num grito atira-se e mergulha e segue
os outros que são pontos na distância,
ou sombras só de pequeninas vagas
quebrando-se, e ao longe, contra a luz.

Silvos ligeiros, lépidos, irónicos
alisam pela praia o que ficou dos corpos-
areia remexida, vagos moldes
de ancas e torsos, calcanhares e nucas,
e até gotas dispersas de vertido amor.

Promíscuo o amor dos deuses, se os espiam
olhares humanos, sequiosos, turvos,
e dissipado, violento, abrupto.

Apenas o tinir das gargalhadas
subsiste ainda, e na memória o vulto
do deus que se espreguiça à beira de água.


Jorge de Sena
Metamorfoses
1963, moraes editores
imagem: Paul Gauguin

humor culto: entrevista a Lili Caneças

domingo, 9 de agosto de 2009

As Escritoras de Graça Sarsfield



adília lopes



ana hatherly



fátima maldonado




helga moreira



isabel de sá




lídia jorge

luísa costa gomes


luísa dacosta



mafalda ivo cruz




maria isabel barreno



maria teresa horta



maria velho da costa



regina guimarães



rosa alice branco





yvette k. centeno

as mãos dadas



Um dia me falaste,
e as árvores morriam galho a galho seco.
Havia flores, recordo.
Havia ruas, ai também recordo.
E escadas
vazias.

Não me falaste, não. Fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.

Não tinhas nomes; ou tinhas, mas não teu.
E a tua idade, as tuas mãos nas minhas.


Jorge de Sena
Fidelidade
1958, moraes editora

imagem: Barbara Walraven

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

os conselhos de Diamantino Aleixo,

avô de Bruno Aleixo
(mais uma produção GANA)









zero7: home (voz: Tina Dico)

como dizia o Cesariny: "é muito lindo, não é?"

her ghost in the fog

"The Moon, she hangs like a cruel portrait
soft winds whisper the bidding of trees
as this tragedy starts with a shattered glass heart
and the Midnightmare trampling of dreams
But oh, no tears please
Fear and pain may accompany
Death
But it is desire that shepherds it's certainty
as We shall see..."

She was divinity's creature
That kissed in cold mirrors
A Queen of Snow
Far beyond compare
Lips attuned to symmetry
Sought Her everywhere
Dark liqoured eyes
An Arabian nightmare...
She shone on watercolours
Of my pondlife as pearl
Until those who couldn't have Her
Cut Her free of this World
That fateful Eve when...
The trees stank of sunset and camphor
Their lanterns chased phantoms and threw
An inquisitive glance,
like the shadows they cast
On my love picking rue by the light of the moon

Putting reason to flight
Or to death as their way
They crept through woods mesmerized
By the taffeta Ley
Of Her hips that held sway
Over all they surveyed
Save a mist on the rise
(A deadly blessing to hide)
Her ghost in the fog
They raped and left...
(Five men of God)...
Her ghost in the fog

Dawn discovered Her there
Beneath the Cedar's stare
Silk dress torn,
Her raven hair
Flown to gown
Her beauty bared
Was starred with frost,
I knew Her lost
I wept 'til tears crept back to prayer
She'd sworn
Me vows in fragrant blood
"Never to part
Lest jealous
Heaven stole our hearts"

Then this I screamed:
"Come back to Me for
I was born in love with thee
So why should fate stand in
between?"

And as I drowned Her gentle curves
With dreams unsaid and final words
I espied a gleam trodden to earth
The Church bell tower key...
The village mourned her by the by
For She'd been a witch
their Men had longed to try
And I broke under
Christ seeking guilty signs
My tortured soul on ice

Danny Filth,
"Midian"- Cradle Of Filth

os melhores títulos de sempre

selecção puramente pessoal de títulos de livros portugueses, porque realmente, o título importa. Acho eu.

"Repetir o Poema" de Isabel de Sá
(Além da fina ironia de dar este título a um volume de poesia reunida, "Repetir o Poema" resulta também no que toca a mostrar que, como António Guerreiro muito bem viu, um poema repete palavras já existentes numa repetida conquista do direito à fala. A crítica veio no Expresso.)

"Eu Hei-de Amar Uma Pedra" de António Lobo Antunes
(Verso de uma canção popular de Reguengos de Monsaraz, "Eu Hei-de Amar Uma Pedra" não deixa de ser uma ideia de brutal solidão, que o livro, como quase todos os do autor, explora.)

"Os Sítios Sitiados" de Luiza Neto Jorge
("Os Sítios Sitiados" são os poemas? Os livros? As ideias? As palavras? Lendo a poesia da autora, que este volume reúne (Com excepção do livro póstumo, "A Lume".), percebemos que "Os Sítios Sitiados" podem ser isto tudo, e mais coisas.)

"Em Cada Pedra Um Voo Imóvel" de Fiama Hasse Pais Brandão
(Podia ser sobre droga, dadas as pedras e os voos e a imobilidade deles, mas não me parece. Se o poema for a pedra e a sua leitura o voo que, fisicamente, não nos move, podemos esquecer os estupefacientes.)

"Lírica Consumível" de Armando Silva Carvalho
(Já Natália Correia dizia que "a poesia (...) é para comer". Logo na obra de estreia, Armando Silva Carvalho já estava de acordo.)

"Sinais de Fogo" de Jorge de Sena
(É premonitório e violento. E basta.)

"A Costa dos Murmúrios" de Lídia Jorge
(Prenúnio da queda do império colonial português, "A Costa dos Murmúrios" sintetiza na perfeição o espírito do romance de Lídia Jorge.)


mas o prémio para melhor título teria que ir para
"Título Qualquer Serve" de Irene Lisboa
(Não, para Irene Lisboa, o título não parece ser importante, aliás, "Título Qualquer Serve- Para Novelas e Noveletas". Título irónico, pois claro, e não só.)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

momento cinco (fragmento)



ela
......quero o meu corpo ausente de palavras
eu
......para gozares a dança inviolada dos acasos
ela
......deixa-me desejar desertos
eu
......o espaço irredutível dos não-limites
ela
......que outro abismo pode ter uma cor tão neutra?



Maria Mello Giraldes
Seis Momentos, 1988
ed. IN-CM
imagem: Daniel Blafuks

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Rua



Na rua larga passeiam mulheres que arrastam pelo chão
o último vison e a última visão

Casas fantasmas de tectos ideais emergem da noite em nevoeiro
vermelhas azuis verdes amarelas saídas de um tinteiro

Duas crianças brincam no passeio
duas crianças sós e sem asseio mas com passeio exclusivo
reservado para elas

Ratos e gatos jogam ao polícia e ladrão
e um cão de guarda fuma o cachimbo da paz qu segura na mão

Há sinfonias demasiado completas a dançar no ar
(nuar: verbo irregular; eu nuo, tu nuas, ele nua= nudismo geral)
e por toda a parte cavalgam os cavalos de Chagall
transpondo o arco-íris de todo o pensamento
que é realmente mento
porque só pensa é fácil
o difícil é o verdadeiro pensa-mento

No restaurante há omelettes em chamas
servidas por bombeiros voluntários
e as banheiras estão cheias de afogados mentais

A lápide de inscrição no cemitério diz apenas
a vida não deu pra mais.


Yvette K. Centeno
Opus 1, edições Ática, 1961


imagem: Raoul Hausmann

uma mensagem de esperança...

Um homem é um homem, mas um homem bonito é outra coisa.


Louise de Vilmorin

Agustina tem destas coisas 2 (Sobre o dinheiro)...

Com a descoberta de que os caminhos da riqueza são insondáveis, a corrupção entrou em vigor como se fosse um direito.


Um herdeiro não pensa e, ao gastar, realiza a sua única ambição que é ser célebre no desastre, já que o não foi no esforço do trabalho.




de "A Jóia de Família"

Agustina tem destas coisas...

ela não era propriamente sua amante mas sua sócia em coisas de negócios e sentimentos

de "A Jóia de Família"

poemas de Maria Teresa Horta pela própria

gaivota



Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.




poema de Alexandre O´Neill, fotografia de Inês d´Orey

"Autogénese" de e por Natália Correia

de "O Vinho e a Lira", 1966

domingo, 2 de agosto de 2009

os dez (habituais) discos para o verão

TORI AMOS "Abnormally Attracted to Sin" (2009)

Acabado de lançar, Abnormally Attracted to Sin recupera um pouco a sonoridade leve de Scarlet´s Walk (2001) que se torna um tanto mais depressiva em The Beekeeper (2005). Além disso, a atmosfera de viagem e a sensualidade herdada de American Doll Posse (2007) fazem do mais recente álbum de Myra Ellen obrigatório agora. Algumas sugestões genéricas, "That Guy", "Curtain Call" ou "Fast Horse".

BLIND ZERO "A Way To Bleed Your Lover" (2003)


Nem só de sol e alegria se faz o verão. A Way To Bleed Your Lover, quarto álbum de originais dos Blind Zero é, provavelmente, o mais denso e negro álbum da banda, que agora nos revisita com Luna Park, a ser lançado em Setembro. Enquanto não chega, ficam canções como "The Down Set Is Tonight" ou "Nothing Else Goes On".

AIMEE MANN "Lost In Space" (2002)

Suave e simples, Lost In Space é sem dúvida um dos picos de qualidade da vasta discografia de Aimee Mann. Se a banda sonora de "Magnolia" a afirmou em definitivo, álbuns como este não afirmam menos a originalidade das composições e das letras da cantora. "The Moth", "Humpty Dumpty" ou "It´s Not", por exemplo.

AMY MacDONALD "This Is The Life" (2009)

Com menos sucesso que a outra Amy (a Winehouse), mas seguramente com uma música mais sólida, Amy MacDonald estreia-se com This Is The Life, um álbum no mínimo prometedor. Seguindo uma tradição nada alheia aos percursos de Alanis Morissette ou Jewel, nomes da praxe neste tipo de rock de autor, MacDonald mostra-se já firme e interessante enquanto compositora, e de bastante qualidade em termos de voz e execução. A ouvir, canções como "Let´s Start a Band", "Poison Prince" ou "This Is The Life".

SARAH McLACHLAN, "Closer- The Best Of" (2009)



Revisitação de uma longa discografia, Closer- The Best Of Sarah McLachlan dissipa agora quaisquer dúvidas de que estamos perante um dos mais interessantes percusos do dito rock acústico. Numa linha menos agressiva, e mais melódica com forte aposta no lado instrumental, Sarah McLachlan, cantora, compositora, letrista, pianista, guitarrista &etc trouxe á luz canções obrigatórias como "Silence", "The Path Of Thorns (Terms)" ou "Fallen", a par com dois inéditos, "Don´t Give Up On Us" e "U Want Me 2".
MARIZA, "Terra" (2008)

Quarto álbum de uma das mais consagradas fadistas, Terra vem confirmar o que Transparente (2005) já afirmava: que Mariza se vai afastando da sua matriz original de fadista mais "clássica", encontrando o fado em sonoridades que, à partida, pouco têm em comum com ele. Neste caso, trata-se de uma revisitação das raízes africanas da fadista. Paragem obrigatória em "Já Me Deixou", "Rosa Branca" e "Morada Aberta".

A NAIFA, "Três Minutos Antes da Maré Encher" (2003)

A fórmula parece ousada, mas resulta bem: fado, baixo e bateria. João Aguardela, que nos deixou há alguns meses, foi o mentor deste projecto, onde poetas contemporâneos são interpretados num som que funde o urbano com o tradicional, gerando canções improváveis como "Antena" (Poema de Rui Lage.), "A Verdade Apanha-se Com Enganos" (Poemas de Pedro Sena-Lino.) e o mais conhecido "Monotone" (Poema de João Miguel Queirós.)

KT TUNSTALL, "Eye To The Telescope" (2005)


Apesar de Eye To The Telescope ser um álbum que aposta em forte na produção e na composição, KT Tunstall não conseguiu o consenso da crítica. Muito aclamada por uns, chamada de embuste por outros, fica ao ouvinte decidir. Eu cá acho que coisas como "Black Horse and The Cherry Tree", "The Other Side Of The World" ou "Under The Weather" falam por si.

ADRIANA CALCANHOTTO, "Maré" (2008)

O mais recente álbum de originais de Adriana Calcanhotto, Maré, abraça com convicção a escola MPB de que a cantora, de certa forma, sempre se mantivera à margem. As participações de Moreno Veloso e Marisa Monte contribuem. A digressão do álbum em Portugal está na origem do seu livro Saga Lusa. A ouvir "Mulher Sem Razão", "Um Dia Desses" e "Três", além do b-side, "Poética do Eremita" em que, ao violoncelo, Adriana interpreta um poema de Fiama Hasse Pais Brandão.
AMÁLIA HOJE, "Hoje" (2009)

Projecto que junta Sónia Tavares e Nuno Gonaçlves dos The Gift, Fernando Ribeiro dos Moonspell e Paulo Praça à volta da música de Amália, Amália Hoje não deixa de ser um projecto arrojado que consegue atingir o objectivo primeiro: dar uma nova roupagem, mais urbana e moderna, ao fado, desfazendo o mito criado por algumas mentes mais... enfim... de que o fado é conservador e clássico. As interpretações de Sónia Tavares revelam-se, claro, as melhores e mais firmes, "Gaivota" (Poema de Alexandre O´Neill.), "O Medo" (Poema de Reinaldo Ferreira.) e "Fado Português" (Poema de José Régio.)
poesia 61

Maria Teresa Horta


Estas noites de mar
incrustadas
de luz

ou estes olhos
de polos
distanciados no nada

Este ódio de chuva
este dia montanha

Esta arma de boca
ou tempo encontrado
com relógios
na montra

Este ardor de palavras
no perfil
da boca

este grito
que tenho
nas mãos misturadas

Ou mãos misturadas
que tenho
de outubro
no sabor picante
sentido nas casas.


de Tatuagem

fiama hasse pais brandão


Tempo
digitado para as direcções do vento

A orgia dos gráficos nos prolonga
nossos cabelos cronometrados

Ó virgem com pinheiros nos olhos
morte

O ovário contínuo onde escuto os objectos
e os transmito nos dedos

Sem margem delta boca
ó mulher circular permeável ao vento

Virgem com pinheiros nos olhos
fêmea com nervos e dunas iguais a explosões

Invoco a madeira o limo o tempo
e entre ventos construo teu abdómen fixo


de Morfismos

luiza neto jorge


Pode
pode sentar-se senhora


Eu não sou senhora eu não sou menina
sem olhos sem ouvidos fala
sento-me que de pé sou um balão vazio
pois sento-me embora haja frio
e calor na sala
harpias de esquecimento
riscos na carteira
e a ciência inteira casqueando ideias
puzzles legiões de ideias
que são novas velhas
Sento-me
................. evidentemente
................. circunspectamente
................. irremediavelmente
senhor professor doutor

Eu não sou senhor professor doutor
minha não-senhora minha não-menina
e se estou de pé é ilusão de óptica
eu estou sentado todos nós sentados
isto é não rígidos não equilibrados

Decerto que é isso que o senhor me diz
.......... ao princípio é mundo
.......... ao princípio é deus
.......... ao princípio é homem
.......... ao princípio é fim
Passam aviões o céu está vermelho
.......... que será de mim
.......... artista batido
.......... persiana branca
.......... uma mulher nua
.......... perdição do homem
.......... ao princípio é ela
.......... e depois sou eu
Já sabem que o outro era esse mesmo
construíu um vácuo e deitou-se a esmo
......... de cabeça ao caos
......... os homens são maus
......... não são não senhor pode ser que seja
......... apenas temor
......... o que é é pode ser que seja
......... apenas não ser

........ pleno é vazio
sei lá o que é pleno
sei lá o que é vazio
pode ser plano pode ser navio
sei lá que é destino dão-lhe muitos nomes
........ um só lhe convém
as árvores cortam o meu pensamento
o tinteiro tem qualquer sangue dentro
mas no homem não há tinta livre
......... fácil liberdade
......... há facilidade
......... há atrocidade
são palavras válidas colhidas no vento
sim professor senhor professor doutor

Estou de pé dentro nem de alma alguma
cinzeiro de cinza cindida
não vale a pena dizer que me sinto
homogéneo átomo
como um voo sem asas

aflito esquisito heraclito
não grito dizem que é feio um homem gritar
........ mas eu sou mulher
já me esquecia eu não sou mulher
de análise psíquica
quid emocional
não olhem para mim
......... a voz perdeu-se
......... a voz encontrou-se
......... nada é por mal

........ e mais
se não fosse estrada de mil direcções
........ era um verme triste
........ um cão acossado
........ o qual possuía uma biblioteca
eu também algures uma discoteca
sem caos sem destino o que vai ser de nós

Meu amor vivias antes de Cristo
......... não percebo isto
......... a morte que é vida
a terra redonda o barco na onda
cai um grão de pó em cada demora

......... senhor professor doutor
......... senhor professor
......... senhor
......... se

Já passa da hora


de Quarta Dimensão