quarta-feira, 11 de novembro de 2009

um poema



É um homem muito jovem, de olhos excessivos, onde a ternura se mistura com o medo. Os seus olhos são, por vezes, interrogadores, olhos bandeirantes a resvalar em terreno novo. A boca é ávida e quente. Audácia. Vício. Claridade. O corpo do homem é frágil. Viajando no interior doutro corpo, derramando-se em grito, quase choro. Recomeçando. Quase sem palavras. Quase sem loucura. Como quem desfaz o sonho. Como quem assiste ao lento nascimento de alguém. Seguro. Sem projectos. Fuga adiada. Rejeitada. Homem que bebe o instante, insensível à gelada inquietação.
À volta do homem, os objectos. A mesa baixa, o sofá onde se acumula a roupa em desordem, a aceitação da loucura. Rápida é a maneira do homem se despir do azul. Sem pudor. Homem que entra vagarosamente na audácia de outro espaço. Homem transgressão. Nu, como sem memória. Desfazendo o êxtase com o olhar escorregando no relógio. A pressa. E as palavras dizendo a eternidade.





Maria Graciete Besse
Mulher Sentada no Silêncio
1985, edições Ulmeiro.


fotografia: FLORIA SIGISMONDI

1 comentário:

Graça Martins disse...

Gostei deste poema da Graciete Besse.
Revela uma sensibilidade e sentido analítico muito especial.
A foto está perfeita para o poema.