sexta-feira, 20 de novembro de 2009

the cranberries- stars

um vídeo muito engraçado para uma música muito boa

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

um poema




Quando alguém se senta numa mesa riscada por golpes, mossas deixadas por terrinas de esmalte, o azul desvincado como a tinta de certos túmulos se torna com os séculos indivisa, deve ter a certeza que a memória espreita disposta a sacrificá-lo no cadinho onde tudo se desvenda.
Para alguém que se senta assim, entregue à confusa geometria que rastejou a mesa de antigos embates do vidro grosso violentamente empurrado para fora, da travessa puxada muito cedo em direcção à fome, a morte pode tomar a forma de um agitado peixe que pede mais e mais que o alimentem. E quem se decide a ficar sentado frente a tantos riscos, *as marcas sobradas doutros gestos, quem se decide a isso, vai com certeza tentar a memória. Sobre as quatro montanhas, o candidato verá sete cidades que hão-de parecer-lhe, primeiro, fortificadas; cercam-nas altas paliçadas que lembram as muralhas de bambu com que os vátuas pensaram defender as suas casas de argila amassada com bosta. Ao dirigir-se armado naquela direcção, e se conservar vestígios da longínqua aliança que outrora se guardava em arcas que duas filas de seres alados, os anjos, sustentavam encolhidos como morcegos (alguns viravam a cara com ar dissimulado, mas dois olhavam ferozmente quem ameaçasse distender-lhes as asas), verá então que mais sete cidades as têm penetradas como se as muralhas repetissem as células, usando para isso de um ordenado processo cancerígeno.
E, se não desistir, verá que se lhe entregam, pois as cidadades da lembrança estão indefesas e só esperam o nosso ataque para se submeterem, prontas a todas as rapinas.






Fátima Maldonado
Cidades Indefesas
1980- centelha
imagem: Hundertwasser

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

e já que ando numa de revivalismos, é tempo de recuperar a "tia" Marianne

Marianne Faithfull: The Mystery Of Love

do álbum "Before The Poison"

O Drama Box de Mísia

Fanny Ardant declama o poema de Vasco Graça Moura, "Fogo Preso", traduzido para francês. Uma leitura assinalavelmente sensual e rítmica.


um daqueles dias em que

se sai de casa a pensar como está um dia tão bonito, talvez até chova. Depois, entro no café, sento-me na esplanada interior e começa o sol. Uma treta meia triste. A certa altura, dou por mim nisto:

black lab: learn to crawl

que aliás, contém este excerto, que me apetece destacar por nenhuma razão especial:

"can you teach me how to fly?/ cause you see I´m scared to die/ and I´ve only just begun to learn to crawl// Can you teach me how to fight?/ You can keep me up all night/ Would you be there on the ground/ If I should fall?/ Fall for you..."

Mas dada a crueldade de me imporem as radiações solares, decido que essa crueldade deve ser ouvida. O resultado:


Ute Lemper: The Case Continues

um clássico que nunca envelhece. Além disso, contém esta frase que nunca deixa de me parecer brutal:

"My only crime was passion/ Wild and uncontroled/ If sex were an Olympic sport/ We´d have won the gold"

M.H.M. de André Godinho



Passou ontem na Cinemateca de Lisboa o filme “M.H.M.” de André Godinho, documentário sobre Manuel Hermínio Monteiro, falecido editor da Assírio & Alvim.
Sobre o documentário, pouco a apontar, acima de tudo porque consegue perfeitamente cumprir os objectivos a que se propõe. Relatar o percurso de Hermínio Monteiro desde Trás-os-Montes até Lisboa, do curso de Direito ao departamento de vendas da Assírio & Alvim, e do departamento de vendas para a direcção. André Godinho apoia-se em fotografias e depoimentos, essencialmente, e consegue articulá-los bem, e fugir aos lugares comuns deste tipo de inclusões, nomeadamente nas fotografias que, aqui, em nada se assemelham a um slide-show, como poderia ter acontecido.
Os depoimentos de Manuela Correia, José Agostinho Baptista, Luís Guerra, António Costa, Sérgio Godinho, Graça Morais, Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós vão dando uma noção de Hermínio Monteiro como pessoa e como editor da Assírio e Alvim, deixando bem claro que não havia realmente uma grande separação entre os dois. A relação com as origens transmontanas é particularmente explorada nos depoimentos de Graça Morais, por exemplo, ao passo que Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós incidem mais na relação de MHM com Mário Cesariny de Vasconcelos e Eugénio de Andrade, cabendo a Manuela Correia as abordagens mais pessoais.
Entre vídeos caseiros, entrevistas e fotografias, vamos vendo também uma série de personagens da literatura que contactaram com MHM, de António Ramos Rosa a Nuno Júdice, a Fernando Pinto do Amaral, etc.
Apontar defeitos, penso que só se poderá fazer em relação ao conteúdo de alguns depoimentos. Nomeadamente porque são ditas coisas que ou não são verdade ou não são verdades muito exactas. Pelo menos em três casos:
Primeiro, quando se diz que MHM ou a Assírio e Alvim abriram portas a muitos novos autores. Por norma eu, quando vejo o número zero, penso “nenhum”, mas aparentemente há pessoas que face ao mesmo número dizem “muitos”. Que eu me lembre, a Assírio e Alvim publica quase apenas nomes muito consagrados. Podemos pensar em Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, António Franco Alexandre, António Barahona da Fonseca, Armando Silva Carvalho: todos estes foram publicados na Assírio já depois de serem autores realmente seguros. E mesmo os que não eram exactamente consagrados quando lá começaram a publicar, caso de Manuel de Freitas, também já não eram propriamente “novos autores”. Portanto, não sei muito bem qual a justificação para se dizer que MHM abriu portas a novos autores, e muito menos a “muitos”.
Depois, quando se fala de Hermínio Monteiro como um editor marginal. Isso é extremamente relativo, mas agora que caiu no goto falar de cultura “marginal”, parte-se sempre do princípio que assim é. À época, a Assírio e Alvim seria marginal como a Dom Quixote era marginal. Mas comparada com a &etc que inicia actividade um ano depois da Assírio e Alvim, ou com a Frenesi ou os primeiros tempos da Fenda, tendo todas existido ou existindo ainda paralelamente à Assírio e Alvim, não consigo entender muito bem o conceito de “marginal”. Não me parece que seja muito custoso dizer, como me parece que seria correcto, que Manuel Hermínio Monteiro conseguiu que o facto de dirigir uma editora que para todos os efeitos produzia lucros, e ainda produz, não fizesse do seu catálogo uma feira de best-sellers.
Por fim, a minha favorita, é quando se diz que todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim. Ora, eu podia fazer aqui uma lista de autores que venham na História da Literatura que nunca publicaram na Assírio e Alvim, e não são poucos. Alguns exemplos: António Ramos Rosa, Maria Teresa Horta, Isabel de Sá, Natália Correia, Jorge de Sena, Yvette K. Centeno, Irene Lisboa, Joaquim Manuel Magalhães, Paulo da Costa Domingos, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner… Enfim. Sem demérito para a Assírio e Alvim, a verdade é que nem todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim.
Não que seja culpa de André Godinho, mas de facto, o grande problema deste documentário é o grande problema de qualquer homenagem que se faça: nos depoimentos, as pessoas falam e, para enaltecer, não se importam nem de exagerar nem de distorcer a verdade.
Sem demérito para Manuel Hermínio Monteiro, claro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

um poema



É um homem muito jovem, de olhos excessivos, onde a ternura se mistura com o medo. Os seus olhos são, por vezes, interrogadores, olhos bandeirantes a resvalar em terreno novo. A boca é ávida e quente. Audácia. Vício. Claridade. O corpo do homem é frágil. Viajando no interior doutro corpo, derramando-se em grito, quase choro. Recomeçando. Quase sem palavras. Quase sem loucura. Como quem desfaz o sonho. Como quem assiste ao lento nascimento de alguém. Seguro. Sem projectos. Fuga adiada. Rejeitada. Homem que bebe o instante, insensível à gelada inquietação.
À volta do homem, os objectos. A mesa baixa, o sofá onde se acumula a roupa em desordem, a aceitação da loucura. Rápida é a maneira do homem se despir do azul. Sem pudor. Homem que entra vagarosamente na audácia de outro espaço. Homem transgressão. Nu, como sem memória. Desfazendo o êxtase com o olhar escorregando no relógio. A pressa. E as palavras dizendo a eternidade.





Maria Graciete Besse
Mulher Sentada no Silêncio
1985, edições Ulmeiro.


fotografia: FLORIA SIGISMONDI

e-mails impensáveis

recebi um e-mail com um excerto de uma música. Este era o excerto:

You know it only breaks my heart
To see you standing in the dark
Alone waiting there for me to come back
I'm too afraid to show
If it's coming over you
Like it's coming over me
I'm crashing like a tidal wave
That drags me out to sea
I wanna be with you
If you wanna be with me
Crashing like a tidal wave
I don't want to be
Stranded

a música é melhor nem dizer qual é, porque mesmo eu não acreditei.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ao vivo, a cores, e com vitrais... ainda absolutamente... absoluta

Lou Rhodes no seu mais que melhor: They Say

ao vivo, a cores, absolutamente... absoluta

Lou Rhodes no seu melhor: Bloom

ensaio sobre a lucidez

o (breve) texto de Gastão Cruz na edição desta semana do JL. Não tenho por hábito gostar de textos que apareçam na dita publicação, mas, de facto, Gastão Cruz acertou em cheio nos comentários que faz sobre "Caím" de José Saramago.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

um poema



um homem vai morrer e não o sabe.
nós sabemos.
amanhã
amanhã alguém apagará o crime da calçada
mas hoje é dor e luto.
amanhã facilmente esqueceremos.

um homem vai morrer e não o sabe.
e consentimos nós
porque sabemos.


Eduarda Chiote
"Esquemas"
1975- edições Limiar
imagem: Francis Bacon