quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Muse: The Resistance

POLÍTICA LÍRICA





O percurso dos Muse, mais do que a maioria das bandas de rock alternativo, progressivo ou o que quer que seja, apresenta-se-nos dos mais interessantes. Mormente porque a cada álbum percebemos um crescimento muito equilibrado, ou seja: nenhum álbum seria possível sem o anterior, uma vez que se um lança as bases para alguma característica, o seguinte vem imediatamente levá-la ao seu expoente máximo.
E se "Origin Of Symmetry" parecia, e parece ainda, um álbum perfeito, foi estranho ver "Absolution" superá-lo, e depois "Black Holes and Revelations" superar o anterior.
"Black Holes and Revelations" era realmente o cúmulo de toda a tensão e "loucura" que os álbuns anteriores mostravam já deter, mas acrescentava-lhes ainda um ritmo inesperado, que parecia não ser alheio à boa musica pop, por exemplo em "Supermassive Black Hole" ou "Starlight".
A questão estranha, quando se termina um disco dos Muse é pensar que já está tudo feito, e será difícil acrescentar alguma coisa.
Aparentemente, Matt Bellamy é inesgotável e contraria sempre essa ideia, algo a que já começamos a habituar-nos.
Outro aspecto que me interessa focar, antes de passar a umas notas sobre "The Resistance", álbum acabadinho de lançar, é também a da situação dos Muse entre as outras bandas:
É difícil acopulá-los com alguém. Se muita gente os coloca num certo imediatismo aos Placebo, parece-me que nos Muse não existe aquela pulsão sexual e as reminiscências glam que encontramos no colectivo de Brian Molko.
Mas a comparação parece-me de longe menos indecorosa do que quando os comparam aos Green Day. Percebo as razões mas não as aprovo: se é um facto que as letras de Bellamy são contínuamente interventivas e profundamente políticas, a verdade é que as qualidades de escrita do vocalista estão anos-luz à frente da atitude poser-emo de Billie Joe Armstrong, uma vez que no primeiro encontramos a política ou consciência social associada a um lirismo fora de série (Com frases como "Love is our resistance", mas já lá vamos.), no segundo encontramos chavões que nos remetem para uma espécie de assemblage de textos de blogs ou colunas mais fáceis sobre política. Portanto, ao passo que no primeiro, a visão politizada é uma forma de comunicar ideias, no segundo, é uma forma de chamar a si determinadas características que percebemos logo não serem verdadeiras (Ou, por assim dizer: Billie Joe Armstrong não percebe nada de política.).
Por último, outra das comparações frequentes que surgem sobre os Muse é com Rufus Wainwright, e, estranhamente, mesmo não achando que é muito exacta, será talvez a opção mais confirmável: Wainwright é igualmente politizado, as suas composições recuperam muitas vezes sonoridades características do barroco, principalmente quando as canções são guiadas pelo piano, e a voz de ambos é um tanto andrógina.









Concrectamente, "The Resistance" é o sucessor de "Black Holes and Revelations" e é também herdeiro de HAARP, o cd-dvd ao vivo, que, podendo parecer que não, também tem aqui o seu peso. Àparte disto, o facto da banda surgir aqui no cargo da produção pela primeira vez é também premonitório. Já se sabe que, mais cedo ou mais tarde, por uma questão de liberdade, talvez, a maioria dos artistas e das bandas acaba por fazer isto. Tori Amos e Lou Rhodes são apenas dois exemplos.
O álbum abre com "Uprising", single de avanço, e uma espécie de assimilação daquilo que iremos ouvir a seguir. O som no pico da agressividade, a letra profundamente revolucionária, alguma electrónica a marcar o ponto, a voz de Bellamy a transmitir perfeitamente a tensão, e uma mensagem muito clara: THEY WILL NOT CONTROL US!!!
De facto, quem esperava que a contestação por parte de Matt Bellamy abrandasse agora que Bush finalmente largou a cadeira e esta foi ocupada por Barack Obama, estava definitivamente errado. Afinal, a América mudou apenas de presidente, mas os hábitos do povo perpetuam-se. Mas isso já todos nós sabemos.
Algumas canções seguem ainda uma via mais orquestral, caso de "United States Of Eurasia" ou "Undisclosed Desires", sendo que, ao contrário da tendência geral, estas canções não são necessariamente as ditas baladas. O primeiro exemplo citado é, em termos de letra, um dos mais analíticos e sociais de "The Resistance".

Outra característica notável é que o novo álbum parece aproximar-se de um conceito que tem sido abordado por outras bandas (Incluindo os Green Day.), de Ópera-Rock. É certo que os Muse sempre fizeram canções longas, mas não é esse o critério: muitas das canções surgem ligadas por sons, instrumentais ou não, que lhes sugerem alguma continuidade. Além disto, as últimas três faixas (Curiosamente estão as três entre as mais curtas.) formam um conjunto, "Exogenesis Symphony"- (Overture), (Cross-Pollination) e (Redemption), respectivamente. Ou seja, aqui temos uma estrutura que organiza a longa canção mais ou menos como uma peça ou um recital.
A aceitação ou inclusão da música erudita foi, aliás, sempre uma característica dos Muse.
E se, acima, referi as influências pop que se viam em algumas faixas de "Black Holes ans Revelations", é certo que elas existem ainda aqui, nomeadamente em "I Belong To You (Mon Coeur S´Ouvre A Ta Voix)", notando-se ainda uma amálgama de chanson e talvez de algum soft jazz. Mas uma amálgama boa.
A conclusão é, portanto simples. O milagre da criação foi feito de novo.
E se 2009 fica marcado pelo regresso aos discos de muitos nomes maiores da música, o dos Muse está já condenado a ser um dos melhores.

Ao longo deste tempo, fui deixando de escrever no final uns números de 0 a 20 que eram uma espécie de classificação, e quando tiver paciência vou aos posts antigos retirar esses números. Mas se tivesse que dar um número a "The Resistance" seria 21.

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