terça-feira, 7 de abril de 2009

João Botelho: A Corte do Norte

AGUSTINIZADO E OLIVEIRIZADO
Há coisas difíceis de entender, ou que pelo menos para mim o são. Que um realizador adapte um dos mais complexos romances de Agustina Bessa-Luís, “A Corte de Norte” (1987) após ter adaptado “Eu Carolina” de Carolina Salgado, é uma delas.

Obviamente, não me vou perder neste tipo de questões, logo porque nem sequer vi o filme “Corrupção” e muito menos li o livro da diva do FCP.
A adaptação deste romance, no entanto, parece-me boa, apesar de apresentar algumas falhas muito óbvias.
Com muita pena (E perda.) minha, ainda não vi todas as adaptações que Manoel de Oliveira fez de romances de Agustina Bessa-Luís. Já vi, no entanto, algumas.
Aparentemente, João Botelho também.
Se há realizador que conseguiu muitos pontos altos na sua carreira através da adaptação das histórias agustinianas, foi Manoel de Oliveira. Ao fazer uma coisa que é tão característica de outro realizador, João Botelho deveria ter tido o cuidado de criar uma dinâmica própria e preferencialmente dissonante da de Oliveira.
Obviamente, Agustina não é propriedade do Mestre, mas é-lhe quase sempre associada, e, ao aproximar-se tanto assim da “visão” de Oliveira sobre Agustina, João Botelho arrisca-se a que o filme que agora nos apresenta seja visto como pouco criativo ou inspirado.

Não é, no entanto, exactamente isso que se passa com "A Corte do Norte", mas quase.
Apesar de ir buscar a Oliveira o estatismo e a teatralidade, João Botelho inova ao acrescentar a voz off que vai recitando passagens retiradas do romance. Parece-me uma boa ideia, por resultar numa forma eficaz de marcar bem a presença da voz de Agustina Bessa-Luís, principalmente por utilizar frases muito características do estilo da escritora: a abordagem cáustica e um tanto perversa das situações.
Sendo uma história que decorre na Madeira, a filmagem das paisagens seria obviamente muito importante, e nisso, João Botelho acertou, escolhendo as paisagens certas, que além da beleza, transmitem uma certa ambiguidade entre a liberdade e o isolamento.
Quanto à história, ela é filmada um tanto de trás para a frente, enquanto a história de Emília de Sousa é explorada. Nos finais do século XIX, esta passou de prostituta a actriz de teatro de tal talento que passa a ser protegida de Almeida Garrett.

No entanto, não demora a casar-se com um homem riquíssimo da Madeira, e a mudar-se com ele para lá. Tornando-se Rosalina de Sousa, passa a conviver com a fina-flor dos habitantes da ilha, incluindo Elisabeth da Áustria. No entanto, em 1861, esta última abandona a ilha, e Rosalina decide abandonar a família e isolar-se na Corte no Norte, uma espécie de local amaldiçoado, uma vez que é lá que se suicida, que há-de constituir um mistério para as gerações que se lhe seguem.
João Botelho consegue seguir esta história de uma forma maioritariamente clara, ainda que por vezes se deixe perder demasiado em pormenores que só a tornam um tanto mais confusa ou escorregadia.
Dela, há que destacar uma frase “Que nos interessa que um senhor qualquer se deite com uma mulher?- perguntava. Mas quando alguém se atirava ao mar, isso levantava variadas hipóteses. Será isso ainda amor, ou só o gesto envergonhado do sublime?”

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