domingo, 2 de agosto de 2009

luiza neto jorge


Pode
pode sentar-se senhora


Eu não sou senhora eu não sou menina
sem olhos sem ouvidos fala
sento-me que de pé sou um balão vazio
pois sento-me embora haja frio
e calor na sala
harpias de esquecimento
riscos na carteira
e a ciência inteira casqueando ideias
puzzles legiões de ideias
que são novas velhas
Sento-me
................. evidentemente
................. circunspectamente
................. irremediavelmente
senhor professor doutor

Eu não sou senhor professor doutor
minha não-senhora minha não-menina
e se estou de pé é ilusão de óptica
eu estou sentado todos nós sentados
isto é não rígidos não equilibrados

Decerto que é isso que o senhor me diz
.......... ao princípio é mundo
.......... ao princípio é deus
.......... ao princípio é homem
.......... ao princípio é fim
Passam aviões o céu está vermelho
.......... que será de mim
.......... artista batido
.......... persiana branca
.......... uma mulher nua
.......... perdição do homem
.......... ao princípio é ela
.......... e depois sou eu
Já sabem que o outro era esse mesmo
construíu um vácuo e deitou-se a esmo
......... de cabeça ao caos
......... os homens são maus
......... não são não senhor pode ser que seja
......... apenas temor
......... o que é é pode ser que seja
......... apenas não ser

........ pleno é vazio
sei lá o que é pleno
sei lá o que é vazio
pode ser plano pode ser navio
sei lá que é destino dão-lhe muitos nomes
........ um só lhe convém
as árvores cortam o meu pensamento
o tinteiro tem qualquer sangue dentro
mas no homem não há tinta livre
......... fácil liberdade
......... há facilidade
......... há atrocidade
são palavras válidas colhidas no vento
sim professor senhor professor doutor

Estou de pé dentro nem de alma alguma
cinzeiro de cinza cindida
não vale a pena dizer que me sinto
homogéneo átomo
como um voo sem asas

aflito esquisito heraclito
não grito dizem que é feio um homem gritar
........ mas eu sou mulher
já me esquecia eu não sou mulher
de análise psíquica
quid emocional
não olhem para mim
......... a voz perdeu-se
......... a voz encontrou-se
......... nada é por mal

........ e mais
se não fosse estrada de mil direcções
........ era um verme triste
........ um cão acossado
........ o qual possuía uma biblioteca
eu também algures uma discoteca
sem caos sem destino o que vai ser de nós

Meu amor vivias antes de Cristo
......... não percebo isto
......... a morte que é vida
a terra redonda o barco na onda
cai um grão de pó em cada demora

......... senhor professor doutor
......... senhor professor
......... senhor
......... se

Já passa da hora


de Quarta Dimensão

1 comentário:

Graça Martins disse...

gosto muito da musicalidade e do ritmo deste poema da Luiza Neto Jorge.
Dá prazer na boca ao pronunciar a sequência das palavras.