quinta-feira, 26 de março de 2009

o primeiro poema que eu publico aqui desde o tempo em que escrevia poemas a rimar e achava que fazia uma grande coisa


Lá ao longe está a vida, e eu estou aqui a vê-la decorrer sem tomar parte nela.
Sinto por vezes que tenho muita idade. Estou muito cansado e muito desiludido. É como se tivesse feito inteiro um percurso e o fim dele se aproximasse já.
Talvez seja mesmo isso, não sei.
Sei que dentro de mim, alastra esta tristeza e esta vontade de não estar aqui. Fora de mim, este largo é caótico, são os carros que quase se atropelam uns aos outros; as pessoas estão velhas, feias, mal-vestidas e quando falam parecem alucinadas; uns quantos jovens, alguns mais velhos que eu, não têm noção de que mundo é este e entregam-se de olhos fechados ao paraíso que outros ficcionaram para eles.
Dentro de mim , só a história da solidão do amor que se desfaz e se repete, corroendo-me. Tudo é negro e cansativo. Há o silêncio que equivale à morte e o meu cadáver esquecido no deserto.
No entanto o coração insiste em bater, os pulmões respiram contra a minha vontade, e acabo por viver mais um dia e mais outro, paredes -meias com este pesadelo.

segunda-feira, 23 de março de 2009

dia da poesia


No vídeo acima, João Rios declama um poema meu, seguido de outro do Pedro Tavares, no dia da Poesia, que o Colectivo Silêncio da Gaveta assinalou assinalavelmente em Vila do Conde. Além do João Rios, como diseur, José Peixoto na guitarra, Tiago Pereira no violino, Fátima Fonte no piano e Daniel Curval no tratamento de imagem.
A todos OBRIGADO.

sexta-feira, 6 de março de 2009

era suposto estar a dormir, mas não tenho grande sono

e já que estou numa de mandar foder quem me irrita, aproveito, e mando foder, além da confap, a generalidade das pessoas que ao longo da minha vida me aborreceram com problemas menores que os meus, e aproveito também para me mandar foder a mim mesmo por já ter aborrecido com os meus problemas pessoas que tinham outros problemas piores que os meus.
Exemplo:
Certa manhã, estava eu numa aula qualquer, e recebi uma mensagem da Cilla a dizer que tinha que almoçar com ela. Respondi que sim, e, como fiz sempre que ela me mandou um convite daqueles, mandei uma mensagem à Catarina a dizer que tinha que almoçar connosco porque de maneira nenhuma eu ia ficar a ouvir a Cilla on and on sobre coisas que já tinham começado há um ano atrás. Mas a Cilla antecipou-se e disse que tinha que ser sozinhos.
Uma hora depois, eu estava sentado a fitar atentamente o meu próprio monte de batatas do McDonald´s e a tentar não vomitar, não sei se essa vontade vinha do monte de batatas ou do monólogo da Cilla ao qual eu estava condenado.
De qualquer maneira, "Tenho cinco rapazes interessados em mim, mas só gosto de dois, e desses dois só um é que realmente me arrebata"
a mim arrebata-me que tenha voltado a comer hamburgueres, eu que detesto o McDonalds, e que ainda tenha um monte de batatas para comer e nem as consiga comer em paz porque estou a ser arrebatado pelos teus problemas. Tudo certo, faz parte de ser amigo. Mas, aparentemente, a algumas pessoas escapa muitas vezes a divisória entre amizade e psiquiatria.
Vou começar a cobrar. Pena que estou numa faculdade diferente da da minha potencial melhor paciente.
Sabes que mais, Cilla? "Nunca durmas toda nua. A casa pode arder, e depois tens que ficar cá fora... PELADA... enquanto os bombeiros apagam o fogo"

associações de pais, ide-vos foder!

Há muitas coisas que eu não percebo, e há outras que cada vez percebo menos. A questão das associações de pais deste nosso jardim à beira mar plantado é uma delas. Há uns tempos, a CONFAP (confederação de associações de pais) veio rondar a mui iluminada ministra Maria de Lurdes Rodrigues com ideias de um prolongamento do tempo de aulas até às 7 da tarde. Aliás, aulas não, só de permanência das criancinhas na escola. Disseram que os professores poderiam, por exemplo, passar uns vídeos.
Mas, como eu dizia, se há coisas que não percebo, há outras que cada vez percebo menos. Neste caso, cada vez percebo menos porquê que esta gente teve filhos. Partamos do princípio que a iluminada da educação segue estes delírios e promulga esse prolongamento. Os putos chegam a casa depois das sete, jantam, vêm um pouco de TV, deitam-se e no dia seguinte lá vão de novo das nove às sete da tarde, so it ends so it begins. Visto por outro prisma, os pais nem precisam de se preocupar com eles, nem de estar muito com eles. Vão apanhá-los àquela hora, dão-lhes de comer, mandam-nos lavar os dentes, e cama que o mal deles é sono.
Nunca na vida eu quis ter filhos, precisamente porque me reconheço incapaz de dedicar a uma criança o tempo que ela necessitaria, acrescido ao facto de não ter grande paciência para birras e berros. Mas, aparentemente, nem todos têm a mesma auto-consciência que eu tenho. E então, seguem esta lógica: fodem, engravidam, dão à luz, e a seguir atiram com eles para a escola o máximo de tempo possível para não terem que os aturar, e assunto resolvido. Pergunto eu: não seria mais simples não os terem tido? Era menos despesa, e de certeza menos encargos para terceiros, que neste caso são os professores.
Como se não bastasse a palermice de quererm ver-se livres dos filhos que, em princípio, ninguém os obrigou a ter, ainda atiram essa encrenca para as costas dos professores. E isto acarreta, parece-me, dois problemas essenciais: primeiro, o curso destes professores é para ensinar, para dar aulas, não para serem amas-secas pagas pelo estado para passarem uns vídeos e entreterem as criancinhas; e segundo, esses professores são antes disso pessoas que podem também ter tido essa pouco frequente ideia de ter filhos. E se calhar, até querem passar algum tempo com eles. Mas não. De acordo com os desejos da confap, os professores não têm nada que passar tempo com os seus filhos, porque a prioridade é aturarem os filhos dos outros que não os estão para aturar.
Isto é normal? Eu não acho. Mas se alguém achar, por favor, esclareça-me.
Entrei este ano para o Ensino Superior, o que quer dizer que quando andei no básico, a escola era até às quatro da tarde, e depois disso, os meus pais arranjavam como tomar conta de mim. E sobrevivi sem prolongamentos até às 5 e meia, e muito menos sem prolongamentos até às 7.
Ainda bem que isto só surgiu agora que o governo quer ser reeleito, porque senão, Maria de Lurdes Rodrigues teria tirado mais diversão disto que dum charro.
Mas, à minha adorada confap, deixo uma sugestão: porquê pedir até às sete? Peçam já um serviço 24-7! Estão a ser modestos para quê?

quinta-feira, 5 de março de 2009

a verdade

Parece impossível que tudo à roda de nós seja ou se mostre sempre tão passivo, que a nossa desordem seja só interior, se não comunique ao que nos cerca...
O trabalho obstinado do meu pensamento é o de desarticular as causas do meu mal-estar, mas é um trabalho impotente, de pancadas cegas.

IRENE LISBOA, "Solidão"

quarta-feira, 4 de março de 2009

as coisas que um gajo pensa
as coisas que um gajo faz
as coisas que um gajo ouve

segunda-feira, 2 de março de 2009

o poema/ a fotografia

Eu sou a cabra que tu vês à esquina logo de manhã quando caminhas com o cabaz das compras e a criada atrás
Fui eu quem assaltou hoje a mercearia do sr. José, coitado, mesmo à tua porta, e causou um alvoroço enorme
Eu, arrastei a tua catraia tão sossegadinha à força para o vão duma escada e, acredita, nunca pensei que uma miúda assim já soubesse tanto
E passo acima-abaixo na rua rente à janela do teu lar à procura dum homem, tu és dos que chamam palavrões a este cio homossexual e escondes a cara nas cortinas
Eu sou das que perdem os dias no café sem fazer nada, essa canalha
Deito-me com mulheres de qualquer idade e até faço amor com uma filha
Tenho vísceras astrais, a minha boca conhece a do anjo de Filadélfia
Visto-me de maluca, visto-me de bom senso, quando calha até me visto de coisa sonsa e hipócrita
Durante a noite ando aos caixotes, mergulho o nariz na náusea dos edifícios
E partilho das gamelas dos freaks desta cidade
Não me chateies com os teus problemas transcendentes





PAULO DA COSTA DOMINGOS
"Travesti"
edição &etc, 1979
fotografia: PAULO NOZOLINO
"Bone Lonely"

domingo, 1 de março de 2009

todo o amor do mundo não foi suficiente

todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve de nada.
ficaram só os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e da morte.
os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram
demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas.
sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, em cada hora,
não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo quando estiver deitado,
nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder.




José Luís Peixoto
"A Criança em Ruínas"

sobre o único assunto universal



"Ricardo Asse mexeu-se na cadeira- "A morte, nossa vizinha, nossa irmã, companheira do nosso corpo em sua sombra, parte integrante da nossa alma, único fantasma grandioso da nossa vida, único tema da nossa obra! Eu, como tu, aos vinte anos estava esclarecido. O meu primeiro poema foi sobre a morte, o segundo foi sobre a morte, o vigésimo terceiro foi sobre a morte, o centésimo, o tricentésimo, foram todos sobre essa chamada permanente, essa toalha alva que desde sempre nos espera sob a forma do nosso próprio sopro. A minha intuição sobre a importância da morte, em todos os gestos da minha vida, sempre foi tão poderosa que nunca permitiu que nenhum outro assunto entrasse nas linhas da minha escrita. E assim atravessei cinquenta anos de fertilidade criativa, discorrendo sobre o único tema universal que existe. A morte... Julgas, porém, que foi pacífico?..." Durante um minuto, Ricardo Asse empalideceu. Mas regressou.
"Ah, não foi pacífico, não!"





LÍDIA JORGE
O Jardim Sem Limites
1995- dom quixote
imagem: HELENA ALMEIDA
Pintura Habitada