sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

António Ramos Rosa: O Aprendiz Secreto

A CONSTRUÇÃO DA METÁFORA

Nascido em Faro, em 1924, António Ramos Rosa é um dos autores mais importantes e de mais merecido reconhecimento entre os poetas portugueses. Estreou-se em 1958, com o folheto “O Grito Claro”, na colecção A Palavra, na qual figurariam ainda Casimiro de Brito, Fiama Hasse Pais Brandão e o primeiro livro de Luiza Neto Jorge. Seguiu-se em 1961 “Viagem Através de Uma Nebulosa” (Que engolbava o primeiro folheto.) e até à actualidade, contando com antologias e colaborações, a obra de Ramos Rosa conta quase cem títulos, dos quais destaco, por motivos meramente pessoais, “As Marcas No Deserto” (1978), “Estou Vivo e Escrevo Sol” (1966), “Voz Inicial” (1960), “Figura: Fragmentos” (1980), “A Rosa Esquerda” (1991) ou “O Incêndio dos Aspectos” (1980).


Acabo agora de ler o volume de prosas poéticas “O Aprendiz Secreto”, publicado pela Quasi em 2001. Tendo em conta que ao longo destes poemas António Ramos Rosa analisa o construtor e a construção, é para mim, enquanto leitor e enquanto estudante de Arquitectura, duplamente interessante.
De uma forma mais precisa: este é um conjunto de cerca de 57 poemas em prosa que relatam o percurso psicológico e físico de um construtor que constroi a sua casa. No entanto, e essa será a força maior do livro, estas são ideias a não levar à letra, são, essencialmente, metáforas: quem entende o construtor a constuir a sua casa, pode entender a pessoa que se constroi a si mesma, o poeta que escreve, e muitas outras relações entre um individuo que constroi alguma coisa. Ou então, podemos recuperar uma ideia que surge em “A Construção do Corpo” de 1969, de que o próprio corpo é uma construção.
Logo num dos primeiros poemas, lemos “Tudo será construído no silêncio, pela força do silêncio, mas o pilar mais forte da construção será uma palavra. Tão viva e densa como o silêncio e que, nascida do silêncio, ao silêncio conduzirá.” (pag.11): estamos, pois, perante, a génese da construção, quer do construtor, quer do próprio poeta ao iniciar o seu relato.

Assim inicia: primeiro as dúvidas- “A vivacidade de uma festa no deserto poderá ainda actualizar a festa de outrora, a festa do princípio de todos os princípios?” (pag.18), depois, o início da construção, e, por fim, o seu usofruto, ou, pelo menos, a sua conclusão. Acrescento que esta ideia da “festa no deserto” foi anteriormente explorada pelo autor em “As Marcas no Deserto”, exactamente no capítulo intitulado “Para o Incêndio da Festa”.
No entanto, o que é de notar neste livro é que mais do que nunca, a poesia de Ramos Rosa se nos apresenta analítica e até mesmo filosófica.
É neste registo que analisa as relações entre o corpo e a psique que constroem e o que é construido.
Característico da poesia deste autor é também a repetição de determinadas palavras, e a capacidade que ele encontra de lhes dar variados sentidos (O “deserto” acima citado não corresponde, de todo, ao “deserto” de “As Marcas no Deserto”, por exemplo.), o que aqui acontece a um nível intratextual, como também a um nível intertextual, indo buscar palavras como “branco”, “solidão” ou “silêncio” que podemos considerar omnipresentes ao longo da sua obra. Estas são palavras esseciais para uma compreensão da poesia de Ramos Rosa, mas, como disse, vão assumindo vários sentidos. No caso destas palavras, elas aqui convergem, na edificação de algo onde nada existe, o “deserto” “branco” onde está o construtor, que dentro da “solidão” e do “silêncio” constroi alguma coisa.
Se é verdade que a poesia de António Ramos Rosa se vai organizando mais ou menos por alguns ciclos, “O Aprendiz Secreto” marca certamente um novo ciclo, menos num registo de captação de emoções ou momentos isolados no tempo, como acontece, por exemplo, em “Viagem Através de Uma Nebulosa” ou “Boca Incompleta”; e mais num estilo que roça o romance, primeiro pela utilização do poema em prosa (Já presente em obras prévias.) e depois pelo estilo mais repetitivo ou prosaico que todos os poemas apresentam, como quem conta uma história, o que, de facto, parece acontecer.
É portanto, um livro insólito e único na vasta bibliografia do poeta, um pouco como acontece em “Pátria Soberana”, onde Ramos Rosa fala de Portugal, sendo “O Aprendiz Secreto”, na minha opinião, mais interessante, invulgar e bem conseguido.
Como aspecto negativo, posso apenas dizer que os poemas são aqui em grande número e, em alguns casos, repetem demasiado a mesma ideia, a mesma “fase” da construcção, havendo cerca de meia dúzia que poderiam ser retirados sem que o livro ficasse a perder.

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