terça-feira, 27 de janeiro de 2009

enterrar a pátria

Hoje, como de resto faço todos os dias, voltei da faculdade e fui para o café tentar não adormecer, e comecei a discorrer interiormente sobre o que estava a ver na televisão. Era uma reportagem sobre um jogo qualquer, em que o focado principal era Cristiano Ronaldo, essa peça.
Felizmente, já acabou, pelo menos parcialmente, a febre de Cristiano Ronaldo, que consumiu a televisão durante semanas, após ele ter ganho um prémio qualquer. Por sorte, há quase três anos que, salvo raras excepções, desisti da televisão. Mas, não o nego, gosto muito de estar em cafés, cafés esses que por norma têm uma televisão pela qual ocasionalmente passo os olhos. E, nos útlimos tempos, raios me partam se sempre que isto acontecia não se estavam a passar programas sobre Cristiano Ronaldo ou a anunciar os mesmos.
Palavra que não percebo nada disto.
Tivémos uma cantora como mais ninguém teve, e que teve que morrer para que a caixinha que terá mudado o mundo, lhe dedicar um grande documentário. Refiro-me a Amália que, parece-me, terá deixado descendência, directa ou indirecta. Exemplo de Mísia. Há alguns anos, recebeu a título de Cavaleiro das Artes e das Letras em Paris, e ninguém fez metade deste escândalo a propósito disso. Pergunto-me eu por que razão temos que ser plasmados com a suposta grandiosidade dum arruaceiro que dá uns chutos numa bola, e quase não somos avisados de um prémio de muito mérito de uma pessoa que há anos quebra barreiras e consegue sempre ser indiferente aos puristas que a acusam de não estar a cantar fado.
Também não percebo o porquê de espaços como o DeLuxe ou o FamaShow, mas a propósito destes, que em tempos já tive a infelicidade de ver, nem que por segundos, relembro a frase fantástica da tia de todos os portugueses, Lili Caneças, que, com uma inteligência inesperada nos diz que
_Estar vivo é o contrário de estar morto.
Ora, realmente, a própria provavelmente não faz a mínima ideia da razão que tem. Portugal é uma pátria de mortos. Alguns deles já mortos mesmo, outros ainda não.
Refiro-me aos nossos artistas, e àqueles que, como eu, aspiram a sê-lo um dia. Senão vejamos o que é feito de nomes como Luiza Neto Jorge, Luiz Pacheco, Wanda Ramos ou outros. São pessoas que uma determinada elite conhece e para o comum dos mortais é perfeitamente desconhecido. Os nossos editores, supostamente os grandes defensores dos livros, não fazem um esforço por que tal não aconteça- Onde estão as reedições? Há uma obra completa de Luiza Neto Jorge, mas, a meu ver, um tanto mal alicerçada.
Onde estão os documentários sobre pessoas como Yvette Centeno, Isabel de Sá, Regina Guimarães…? Estão à espera que morram para lhes dar o mérito que merecem?
A papelaria onde costumava comprar a Magazine Artes deixou de a pedir porque só vendia um exemplar por mês (O meu.). Os livros da &etc estão à venda em lugares muitíssimo específicos. As prateleiras de poesia nas livrarias passaram de certeza pelo “Doutor Preciso de Ajuda”, porque emagrecem a olhos vistos. O mau gosto é uma constante em todas as publicações mais megalómanas. As edições de autor nem sequer estão disponíveis para que lhes possamos passar um olhar mais crítica. Os jornais e revistas contentam-se com destaques a pessoas já conhecidas, o que até já é bom, mas por norma dão pouca atenção aos nomes emergentes ou mais escondidos. Nem sequer fomos (Público.) avisados de que o PEN Clube vai a eleições, e que Ana Hatherly e Casimiro de Brito poderão deixar a presidência deste.
Livros aparte, porque é que os bons filmes passam, no caso do Porto, por norma apenas no Cidade do Porto? E as retrospectivas? Nunca ocorreu aos senhores da programação fazer antologias, como se vão fazendo no Teatro do Campo Alegre e no Fantasporto? O Filipe LaFeria faz o que quer no Rivoli, e ainda se recusa a retirar os enfeites de Musica no Coração durante o Fantas. O Pedro Mexia ameaça tomar posse da Cinemateca. As exposições em Serralves são cada vez mais elitistas na escolha dos artistas e daí, excessivamente mainstream. Em que país estamos nós?
Tenho que ir no metro e no comboio a ouvir um bando de broncos a falar aos berros, a dizer palavrões e a ser ordinários, porque ninguém está interessado em educá-los. Na escola lá se vão repetindo os mesmos valores balofos de há não sei quantos anos, que à maioria entra a cem e sai a duzentos, Sócrates vai dando uma muito rara palmada nas costas ao Ministro da Cultura que, diga-se de passagem, tem feito bem menos que eu pela cultura (E eu não faço muito pela dos outros, estou sinceramente mais preocupado com a minha.). Os professores são achincalhados com reformas e mais reformas inúteis, e não se reforma aquilo que é ensinado ou a forma como deve ser ensinado. Os autores são assassinados nas aulas de Português porque nos livros está escrito que eles devem morrer.
Nisto tudo, palavra que não percebo por que raio me deveria interessar pelo Cristiano Ronaldo…

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