terça-feira, 29 de dezembro de 2009

No barroco as freiras a escrever até pontuavam... (3)



É ciúmes a Cidra.
E indo a dizer ciúmes disse Hidra,
Que o ciúme é serpente,
Que espedaça seu louco padecente,
Dá-lhe um cento de amor o apelido,
Que o ciúme é amor, mas mal sofrido,
Vê-se cheia de espinhos e amarela,
Que picos e desvelos vão por ela,
Já do forno no lume,
Sidrach foi zelo, se não foi ciúme,
Troquem, pois, os amantes, e haja poucos,
Pelo zelo de Deus, ciúmes loucos!

Soror Maria do Céu
Enganos do Bosque, Desenganos do Rio em Que a Alma Entra Perdida e Sai Desenganada
Lisboa, 1736
imagem: Robert Mapplethorpe

Depois da letra, o vídeo. Com música e tudo

Maria Rita: Conta Outra

Um Fado



Quem viu barcos
ir ao fundo
tem nos olhos a certeza
aposta firme na boca
rude descrença na reza

Quem viu barcos trazer escravos
munições e artifícios
figueira brava na costa
açoite preso no riso

Quem viu barcos
magoá-lo,
ferros, lavas e palmeiras
descrê santos e novenas
nega laços, destrói cercos,
toma ventos por lareiras.




Fátima Maldonado
A Urna no Deserto
1989- frenesi
imaegem: Nan Goldin

porque a música é um luxo



Sade: "Lovers Live"- Cherish The Day, Smooth Operator e Like Paradise

os vídeos de abnormally attracted to sin

give


strong black vine


that guy

mary jane


police me


starling


fast horse

perante uma música assim, quase se admite a hipótese de deus

"I´ve Got To See You Again" da adorável Norah Jones. E do longínquo "Come Away With Me". Ao genial Jesse Harris devemos a letra e a música, ambas impressionantes.

When Gone Is The Glory



When gone is the glory
When gone is the fame
When gone is the name
And your left with yourself

U look in the mirror
To search your face
To remember who you are
Who you ever were

When gone is the glory
When gone is the shine
Is gone the whole
Of your future and pride?

U look all around
In search for a friend
That no longer stands
Till the bitter end

When gone is the glory
When gone is the sun
When gone is the name
Then what have you won?

Heartache and pain
Of what could have been
Only you know the truth
Of what is within

When gone is the praise
When gone is the fun
Is gone the worth
Of what you´ve become?

When I am alone
At the end of this story
How does it feel
When gone is the glory?

Alicia Keys
letra s/ música, publicada no booklet de
"The Diary Of Alicia Keys" 2003

imagem: Rute Rosas- Faço de Conta Que És Tu

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

3 canções de Maria Rita



1. Santa Chuva


(ele)
Vai chover, de novo
Deu na tv
Que o povo ja se cansou
De tanto o cu desabar
E pede a um santo daqui
Que reza ajuda de Deus
Mas nada pode fazer,
Se a chuva quer trazer
Você pra mim
Vem ca que ta me dando
Uma vontade de chorar
Não faz assim
Não vá pra lá
Meu coracao vai se entregar
À tempestade...


(ela)
Quem você pra me chamar aqui
Se nada aconteceu?
Me diz:
Foi só amor ?
Ou medo de ficar
Sozinho outra vez ?
Cadê aquela outra mulher ?
Você me parecia tão bem
A chuva já passou por aqui
Eu mesma que cuidei de secar
Quem foi que te ensinou a rezar ?
Que santo vai brigar por você ?
Que povo aprova o que você fez ?
Devolve aquela minha tv
Que eu vou de vez
Não há porque chorar
Por um amor que já morreu
Deixa pra lá
Eu vou... adeus
Meu coração ja se cansou de falsidade.


(Marcelo Camelo)







2. Não Vale a Pena



Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível
E depois enxergar

Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno

Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor
De repente, cai o nível
E eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixada

Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer
Que é uma pena
Mas você não vale a pena...





(Jean Garfunkel/ Paul Garfunkel)





3. Conta Outra

Conta outra
Nessa eu não caio mais
Já foi-se o tempo
Em que eu pensei
Que você era um bom rapaz
(E) Corta essa
De querer me impressionar
Coisa boa é Deus quem dá
Besteira é a gente que faz


Você jurou prá mim
Que foi doença
Que te impediu de vir
Me encontrar
O mundo é bem menor
Do que cê pensa
E ontem já vieram me falar...
..Que você tava lá
No baile da comunidade
Bebendo e se acabando
De dançar
Mas eu não caio do salto,
Não grito, não falto
Com a minha verdade
Sinceridade!
Sai que a fila tem que andar


Sinceridade!
Sai que a fila tem que andar...
Conta outra
Nessa eu não caio mais
Já foi-se o tempo
Em que eu pensei
Que você era um bom rapaz
E corta essa
De querer me impressionar
Coisa boa é Deus quem dá
Besteira é a gente que faz...


Depois de te deixar
Na geladeira
Eu resolvi te dar
Colher de chá
É dura a tua cara de madeira
Tão dura que bastou
Eu me virar
E você tava lá...
..Jogando todo o teu feitiço
Prá cima da mulherada
Lá do bar
Mas eu não caio do salto,
Não grito, não falto
Com a minha verdade
Sinceridade! Sai que a fila
Tem que andar
Sinceridade! Sai que a fila
Tem que andar...
Conta outra
Nessa eu não caio mais
Já foi-se o tempo
Em que eu pensei
Que você era um bom rapaz
E corta essa
De querer me impressionar
Coisa boa é Deus quem dá
Besteira é a gente que faz

As "Barcas Novas" de Fiama



O livro “Barcas Novas” de Fiama Hasse Pais Brandão (Editora Ulisseia, 1967) é um curioso livro cuja temática incide sobre episódios bem conhecidos da nossa história, não para constituir mais uma perspectiva sobre os mesmos mas para problematizar a história moderna e nessa conjectura é um livro engagé aparecendo como alternativa ao que então faziam os poetas que se reivindicavam do movimento neo-realista (ou cujas opções estéticas se enquadravam no neo-realismo; ou se não era uma alternativa, apontava pelo menos uma saída possível para alguns dos impasses com que se debatia o movimento.
O livro passa em revista o início da nossa arte de navegar a partir de um conhecido poema de Joam Zorro, poema que dá o nome ao livro, mas também à batalha de Aljubarrota, o drama de Alcácer-Quibir, a memória dos nossos mortos, o assassinato de Inês de Castro, o cerco de Lisboa.
São alusões a episódios que marcaram de algum modo o nosso viver colectivo e que servem de contraponto aos desastres que uma política suicida nos havia de conduzir nos anos 60 com o envio de milhares de soldados para a guerra colonial (em termos literários, Fiama usa-os para reflectir o momento presente; de algum modo, poder-se-á dizer que os poemas que constituem este livro funcionam, na sua globalidade, como uma metonímia).
O poema de Joam Zorro é feito, como era comum ao tempo, na base de tercetos com repetição do 3º verso de cada estrofe e era endereçado à mia Senhor velida; o poema de Fiama utiliza um ritmo ainda mais simples na base de dípticos com uso da anáfora e da rima toante e dirige-se ao leitor e não já a uma criatura especial (é um convite à reflexão; tem, portanto, funções didácticas).


[...]


Lisboa, mar e barcas aparecem nos dois poemas como pano de fundo que é comum às duas situações: a partida das primeiras naus (séc. XII-XIII) e a partida dos militares para as colónias (1960-1974).
Mas, ainda a nível de substantivos, aparecem no poema de Fiama outros vocábulos: armas, homens, guerra e terra, necessários para caracterizar uma situação que é completamente diferente daquela a que alude Zorro e até contraditória. Em Zorro fala-se de um início e em Fiama de um final (ou, pelo menos, do início de um final).





Luís Serrano (a crítica completa pode ser lida aqui.)

As 7 Artes de Bruno Aleixo e do Busto

música:

dança:

pintura:

escultura:

teatro:

literatura:

cinema:

Bruno Aleixo FM (5)

nesta edição, Bruno decide comentar em vez de uma notícia um boato. Sobre cadeiras de bebé e multas de trânsito.



Bruno Aleixo FM (4)

O livro de fórmulas para o sucesso de João Garcia e Rui Nabeiro é pretexto para discussões sobre ética de trabalho



Bruno Aleixo FM (3)

sugestões de fim-de-semana que vão da paella ao Dossier Pelicano



Bruno Aleixo FM (2)

Mário Jardel participará ou não numa série rodada em Coimbra? E o filme posterior, em que sessão de cinema será? Todas estas e outras perguntas na segunda edição do Aleixo FM, com Nelson como convidado.



Bruno Aleixo FM (1)

a notícia de que Daniel Radcliffe poderá ter fumado droga numa festa origina discussões que vão do cinema à literatura e terminam na política, na ética e na medicina. O convidado é o Renato.



o caixão

fica explicada a fuga de Bruno Aleixo para o Brasil, após ter forjado a própria morte. O Homem do Bussaco e o dr. Ribeiro ajudam no esquema.

o ébrio

um familiar do Homem do Bussaco é psicanalisado pelo seu problema de alcoolismo. Uma história no mínimo tocante...

Histórias Vindas do Bussaco (4)

enfardar

Histórias Vindas do Bussaco (3)

achinfrinar

Histórias Vindas do Bussaco (2)

endrominar

Histórias Vindas do Bussaco

catrapiscar

Os Novos Conselhos de Bruno Aleixo... desta vez com amigos

carlos

Os Novos Conselhos de Bruno Aleixo... desta vez com amigos

José Policarpo

domingo, 27 de dezembro de 2009

um poema



Afinal desisto da carta, pensei, absorta num lençol de água- círculo quase fechado sem querer saber dos outros, lembrando apenas, respirando a vida possível. O sol?
Escolho os recantos da sombra, os rios.
Se me volto para o exterior perco o fio de mim, das crianças ainda palpitantes de imaginação, olhares claros na densidade das salas.
Vigiam-me, passeiam-se pelo granito arrastando os sapatos e os sonhos em carrinhos de papel fantasiado. Param a olhar os dedos, o redondo das pequenas unhas. Apalpam-se. Fumam cigarros à sua medida e pensam como será quando forem grandes. Reúnem-se nas retretes e choram ao lembrar a infância de que já não têm memória, tal foi o afogueamento, o frenesim, a pressa de crescer, fazerem vida. Então choram e abraçam-se num local escondido, demasiado íntimo talvez.
Que fizeram dos caramelos, das moedas e das outras mãos a que se davam, não sabem. Os caminhos das silvas estão agora obstruídos. Répteis mijam nas amoras, empestam os silvados onde rosas demasiadas crescem violentamente durante a primavera.





Isabel de Sá
O Festim das Serpentes Novas
1982- Brasília editora
imagem: Graça Martins

uma frase

Quase não me apercebo do silêncio por existir tanto ruído em mim, passos para onde e de quem, vozes chamado que pessoa e sobretudo o mecanismo da minha vida que não pára de andar

António Lobo Antunes
Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?

Escolho Branca Morte



Faço da infância vocação.
Dores lancinantes, pedidos urgentes
e a impossibilidade de exorcizar-me branca morte.
Exaustão, velhice, desencanto?
Por certo, uma mistura.
Sinto-me uma espécie de refugo, vivendo dos restos,
dos resíduos,
absolutamente só.
Numa primeira proximidade desta solidão,
dir-se-ia que obsessivamente só.
Nem os pensamentos me acompanham. Por enquanto,
ainda a dor impura de lembranças,
fragmentos que esboroam: restos de sol,
uma bóis enfiada em águas de Aljezur, toalhas
de praia, sardinhas, não importa: fragmentos
aflitivamente vivos que me fazem pensar: estou a
morrer, estou morto.
Ninguém acredita nesta morte nem eu mesmo a choro.
Mas é por estes indícios que sou conduzido
ao seu cadáver- uma estrada, algures, a caminho
de Estarreja e às escuras,
antes das louças da Vista Alegre- memórias
minúsculas e incomodatícias.
Não choro. Não conheço esse doce apaziguamento,
enjoo líquido da alma.
Vêm ainda silêncios não inteiramente pacientes
entrecortados destas fugidias e estéreis
recordações, dizer-me que tive vida, fui vivo,
um dia comi queijadas em Sintra.
Nisso se resume uma vida. A minha vida.
Também não escrevo. Algo se quebrou dentro de mim,
não sei se definitivamente, é bem possível,
e esta clausura mortífera e mortal
é também, ironicamente o reconheço, económica.
Não se gastam solas nem saliva,
nem se anda por uma Lisboa intolerável e festiva.
Não és tu quem me faz falta,
tu fazes parte da falta. Sou eu que me falto.
Esforço-me por aproximar-me e não encontro nada.
Nem o vazio que dá acesso ao abismo.
Não é agradável, mas sair e ir ao cinema
também não é agradável para quem está em falta.
Falto-me. Depois vem a dor física e a outra...
e penso: "tenho que deslocar o centro de gravidade
de tudo isto", mas não sei o que é isto.
Desejo o negativo- profanação da ordem que equilibra a
revolta, o vigor do vivo, mas "Uma vida de desejo
só é possível se a falta que é a sua chave
aparecer como pedra angular".
Não tenho apoio. Não tenho onde apoiar-me.
Quando digo estou a morrer e falo de morte, ninguém
entende a morte. Esta morte.
Não é outra morte. É a minha morte.


Eduarda Chiote
Branca Morte
1994, edições &etc
imagem: Jorge Pinheiro

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

santa Maria, mãe desta voz...

"These Boots Are Made For Walking", participação da grande Maria de Medeiros no álbum "Femina" do Legendary Tigerman

sarah mclachlan: wait


You know if I leave you now

it doesn't mean that I love you any less

it's just the state I'm in

I can't be good to anyone else like this

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

um poema que fala de coisas... assim muito íntimas... um poema que eu gostava de ter escrito



Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique
–as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


Maria do Rosário Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes
Gótica- 2001
imagem: Izima Kaoru

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Tatuagem




Ossifico a dor
o dia

Tatuagem
de tatuar o espaço
livre

onde a queda
a neve
ou o meio-dia
multiplica

a multiplicação
do sangue
um sulco claríssimo

um regresso de
células nas veias
qualquer coisa
de vário
ou de estanho

a moleza branca
de um calor
rosado

Tatuagem feita
vezes quatro

actividade espessa
de chuva sem
passagem

olhos animais de cornos
azuis

e perfilados
com lágrimas por dentro
ou neve ossificada

Tatuagem
tatuo no ventre um filho
Mãe depois e nunca
verificada

Mãe de ovários
duros
e peitos de madrugada
com um amante
por noite

um animal

uma harpa

Ou qualquer coisa
de bom
de esquecimento
de sono

o para sempre estar deitada
as pernas
sementes várias

o para sempre estar escolhida
entre mulheres
sem imagem

Tatuagem
violada
que se traz sob um dos
braços

uma agudeza
de água
epiderme rouca e parca

Partida
sem ser viagem

ou despedida
ou embarque

Tatuar
de tatuagem

sede de queda
oxidada


Maria Teresa Horta
Cidadelas Submersas
1961- colecção Pedras Brancas
imagem: Matthew Barney

um soneto



Ai daquele que um dia se abalance
A procurar na vida uma alma pura!
Bem depressa verá quão pouco dura
Essa ilusão, de a sonhar não canse.

Era feliz, mas em funéreo transe
A luz se me desfez em sombra escura,
Ai de mim, era um sonho de loucura,
Um castelo no ar, o meu romance.

Desfeito o sonho que em minh´alma tinha
Dos lábios afastei a armarga esponja
E menti-te em meus versos linha a linha:

Chamei-te anjo com asas, por lisonja!
Ofélia com bom-senso e burguesinha

Contrata um bacharel ou faz-te monja!

João Penha
Novas Rimas
1905- edições França Amado
imagem: João Figueiredo


sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

um poema



Distingo que no corpo do teu corpo há a pérola
do século dezassete que contemplo entre os dentes
dos corpos móveis das visões. Aquilo que no serão brilha
entre sombras mantidas.

Eles cintilam por estarem a ser objectos perante o sujeito,
há um vórtice na garganta. Sorves a água, quem beber
sacia-se, dizia-me o emissário, pois apenas sou ouvinte.





Fiama Hasse Pais Brandão
Homenagemàliteratura
1976- edições limiar

imagem: Gustav Klimt

Considerações sobre Crítica de Arte

Quem tiver um conhecimento da História da Arte sabe que as coisas inicialmente se definiam por séculos: o Renascimento, o Barroco… etc. Depois começaram-se a definir por décadas. Os dias têm na mesma 24 horas, mas o tempo é “mais rápido”. Mas depois do modernismo, as pessoas dentro de uma vida, passavam por vários movimentos. Podiam ser dadaístas, depois passar pelo cubismo, pelo abstracto… por aí.
Depois deixou de falar-se destas questões e apareceram expressões como “um artista da instalação”. Ora, o artista já não era “ele”, passou a ter uma especificidade técnica, um trabalho ligado à performance, à body art, ao site specific…
Depois começou a ser os gays, as lésbicas, as feministas… (Só não vieram os machistas, porque esses eram todos os que já existiam…). Depois começa a ser os gays que fazem isto, os gays que fazem aquilo, as lésbicas que são feministas, as que não são… Tudo assim, cada vez mais emaranhado. Os que são separados, os que têm três filhos, os que cozinham…
Ou seja, não se analisa, conta-se a história da pessoa.
O que é que isto faz? Dá muito menos trabalho.
E quando essa fórmula não resulta, arranjam o neo. É tudo neo, neo, neo, neo qualquer coisa.
(…)
Em 1997 ou 98, o Óscar Faria perguntou-me se eu achava que era neo-pop. E eu respondi-lhe que preferia neo-blank.

RUTE ROSAS
Numa entrevista concedida a mim, ao Vasco Barbedo e à Ana Sofia Guimarães a 19 de Março de 2008

Primavera



O homem funerário tirou respeitosamente o boné preto
quando o morto entrou no cemitério
e do boné sairam dois coelhos brancos
um ramo de tulipas
três cravos amarelos
e um cavalo árabe das noites.
É Primavera disse o cavalo árabe das noites
e comeu as tulipas e os cravos
e assustou os dois coelhos brancos
É Primavera
e as pessoas começaram a morrer
porque gostam de flores e de sol
e de música lenta





Y. K. Centeno
O Barco na Cidade
guimarães- col. poesia e verdade, 1965
imagem: Paul Klee

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

No barroco, as freiras a escrever até pontuavam...2



Cobridme de flores
Que muero de amores.

Porque me mi aliento el ayre
No lleve el olor sublime,
Cobridme.

Sea porque tudo es uno,
Alientos de amores e olores,
De flores

De azucenas y jasmines
Aqui la mortaja espero,
Que muero.

Si me perguntais de que
Respondo em dulces rigores:
De amores.



Soror Maria do Céu
Enganos no Bosque, Desenganos no Rio, Em que a Alma Entra Perdida e Sai Desenganada
Lisboa, 1736
imagem: Graça Martins

78.

Essa mistura néscia e branca, a reiteração infantil da íris ocupada de alguém, outra íris, a cegueira solar, glóbulo invicto, ou abraço.

Maria Velho da Costa
Da Rosa Fixa
1978- moraes

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Mariah Carey- Sweeatheart

Visual dos anos noventa inciais àparte, há coisas aqui que ainda não consigo explicar.

No Guggenheim, cenário a puxar para o foleiro (Como só o Frank Gerry conseguiria produzir.), mas carros algures, no mesmo espaço onde a Mariahzinha está deitada a exibir as pernas que o criador lhe deu. Aqueles movimentos que devem ser a versão dela de dançar também são estranhos e não acompanham o ritmo da canção. Mas o mais inexplicável é aquele gato persa branco. Será ele o sweetheart de que ela fala? A verdade é uma: a cena é estranha. E, se um dia pudesse fazer uma pergunta a miss Carey, seria sinceramente o que faz aquele gato ali.

Nem percebo por que nunca lhe pergutaram...

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Rhianna- Russian Roulette

Quando José Saramago disse que a bíblia era um manual de maus costumes e um catálogo de crueldade, este vídeo ainda não tinha saído. Porque a bíblia é inofensiva comparada com este vídeo. E é um ateu/ anti-religioso que está a dizer isto...

Jogar à roleta russa a dois, com o namorado com quem não se anda muito feliz, parece-me o tipo de coisas que nem depois do dobro dos shots de absinto que costumo tomar eu faria.

No meio de tudo isto, as imagens disconexas da menina a revolver-se para longe e para perto do foco de luz parecem ficar explicadas pela tensão de a qualquer momento ser assassinada por uma bala que ela mesma dispare. O que aliás, contraria aquele mito urbano de que quando estamos prestes a morrer vemos a nossa vida inteira,

Claro que se fosse eu, estaria provavelmente a delirar com os cigarros e a coca-cola que nunca mais iria tomar. Mas, de novo, eu não entraria num jogo amoroso destes. Preferiria aquele em que quem perder se despe. Mas estou certo de que o Marquês de Sade gostaria mais da versão da Rhianna.

vídeos que me fazem rir (segunda leva): J.Lo- Love Don´t Cost a Thing

Ao que se percebe da conversa inicial, o namorado da minha querida Jennifer envia-lhe uma pulseira para se desculpar por não poder encontrar-se com ela... outra vez. A mulher comum faria das duas uma: ou, caso fosse mais materialista e vingativa, pegava em toda a tralha com que ele se desculpou ao longo da relação e ia-se embora ou, caso fosse e firme, deixaria a tralha toda e ia embora na mesma.

Indecisa, Jennifer decide-se por um meio-termo. Pega realmente nas tralhas dele, mas, ao sair de carro, vai-a atirando para a estrada. É aqui que bate o ponto: podia ter vendido, ou ter dado para a caridade... para quê, se se pode atirar pela janela do descapotável?

Mais ainda, onde pára a polícia de trânsito? Uma sujeita transtornada a atirar joalharia pela janela do carro pode causar acidentes...

Algo não bate certo. E não o facto de ela dizer "if I wanna floss I got my own", frase que, se imaginarmos exactamente como é dita, estraga um pouco a ideia de femme fatale da menina e que, se imaginarmos que ela diz que não precisa que seja ele a fazer-lho é pura e simplesmente vomitiva...

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Nelly Furtado- Maneater

como os senhores do Blitz muito bem viram, foi num ápice que Nelly Furtado passou de boazinha a boazona. Mas, mais que isso, este vídeo, que lançou "Loose", mostra uma boa táctica de engate. Perder a trela do cão e correr atrás dele. Resultado, vai-se ter a uma cave cheia de gente que está a morrer por se roçar em tudo o que mexe. E tudo mexe. Devoradora de homens ou não, ela parece movimentar-se por ali, se bem que chega ao fim já no telhado e sozinha. Pois, pois... provoca provoca e quando é altura de avançar, descarta-se. Típico...

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Leona Lewis- Bleeding Love

Já que uma Mariah Carey não chegava para me atormentar os pesadelos mais traumatizantes, aparece uma em segunda mão, que, tal como a primeira, sangra amor por todos os poros. E, como se o tom melodramático da canção não chegasse, o vídeo presenteia-nos com todo o tipo de imagens em que as brigas mortíferas entre enamorados nos levam às lágrimas, de tão colados ao cliché. Sem comentários

41.

Ah como todo o prazer mais vivo, o rutilante na memória, se ostenta do terror da morte, um desvio de olhos, prelúdio da ausência, do ser visto.

Maria Velho da Costa
Da Rosa Fixa
1978- moraes

No barroco, as freiras a escrever até pontuavam...


Vida que não acaba de acabar-se,
Chegando já de vós a despedir-se,
Ou deixa, por sentida, de sentir-se,
Ou pode de imortal acreditar-se.

Vida que já não chega a terminar-se,
Pois chega já de vós a dividir-se,
Ou procura, vivendo, consumir-se,
Ou pretende, matando, eternizar-se.

O certo é, Senhor, que não fenece,
Antes no que padece se reporta,
Por que não se limite o que padece.

Mas viver entre lágrimas, que importa
Se vida que entre ausência permanece
É só viva ao pesar, ao gosto morta?

Soror Violante do Céu
Rimas Várias
(Rouen, 1646)
imagem: Graça Martins

um poema


Oh amor de todos os amores
ácido como um banho quente
longo como um naufrágio
doce como sumo de floresta.

Não se pode estar na poesia
como numa prisão
pobre contagem de cada dia
pelos dedos duma bela sem senão
e nenhuma parede onde riscar
o par do número par.

Nenhum espelho
nem a vontade de o quebrar.

Regina Guimarães
Algum(ns) Texto(s) Avesso(s) à Ideia de Obra
in Vozes e Olhares no Feminino, Afrontamento, 2001
imagem: Kazimir Malevich

164.

Extrema conveniência do poeta entre as árvores, essa ascensão lentíssima.

Maria Velho da Costa
Da Rosa Fixa
1978, moraes

domingo, 6 de dezembro de 2009

acabadinha de lançar


Brilho no Escuro, número 3, de inverno.
Poemas de Manuel de Freitas, João Borges, José Luís Peixoto, Nuno Brito, Ana Luísa Amaral e Isabel de Sá.
A capa e as ilustrações ficam a cargo de Graça Martins.
O lançamento, ontem, no Maus Hábitos, contou com apresentação de Isabel de Sá e leituras, brutais, de Isaque Ferreira e Ana Luísa Amaral.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

um poema



Quando eu vir vaguear por dentro da casa
o abeto que cresceu no bosque, hei-de
ajoelhar no soalho. Todas as coisas
comunicam entre si a totalidade das suas formas.
A mão que vai surgir do abeto apontará para mim.

Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias,
as cadeias de ouro dos rins. Deixar
que as unhas longas da árvore passem
entre mim e o imo dos quartos interiores da casa.

Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer,
vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa
atracção que a insónia desse vulto
há - de exercer sobre mim. Rodo
até à tontura da morte.
Torturo-me
até à alegria. Encontro na casa
o tema da despossuição e a agonia.

A pobreza antiga com que o corpo cai
para uma vala. Preso apenas às pérolas
que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar,
com os cânones clássicos, como se o poema
fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras
da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar
a sua configuração. Querem ser
reais, quando se aproximam.
Vai para diante da minha face, ao fundo.
Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel
enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão
arrasta a forma táctil até à passagem do poema.

Sou eu que me vergo ao domínio.
Que me poise a marca incandescente na testa.
Tocará na meninge como num cofre.
Aceito coroas para depor sobre mim.
Deixo os pés do abeto empurrar
com a biqueira violetas. A fragrância
delas leva-me a imaginar poemas
em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento
de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.



Fiama Hasse Pais Brandão
Área Branca
1970- arcádia


imagem: Odilon Redon

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

indisponível em Portugal, mas acabado de saír

michelle branch- this way

de "everything comes and goes"

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

the cranberries- stars

um vídeo muito engraçado para uma música muito boa

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

um poema




Quando alguém se senta numa mesa riscada por golpes, mossas deixadas por terrinas de esmalte, o azul desvincado como a tinta de certos túmulos se torna com os séculos indivisa, deve ter a certeza que a memória espreita disposta a sacrificá-lo no cadinho onde tudo se desvenda.
Para alguém que se senta assim, entregue à confusa geometria que rastejou a mesa de antigos embates do vidro grosso violentamente empurrado para fora, da travessa puxada muito cedo em direcção à fome, a morte pode tomar a forma de um agitado peixe que pede mais e mais que o alimentem. E quem se decide a ficar sentado frente a tantos riscos, *as marcas sobradas doutros gestos, quem se decide a isso, vai com certeza tentar a memória. Sobre as quatro montanhas, o candidato verá sete cidades que hão-de parecer-lhe, primeiro, fortificadas; cercam-nas altas paliçadas que lembram as muralhas de bambu com que os vátuas pensaram defender as suas casas de argila amassada com bosta. Ao dirigir-se armado naquela direcção, e se conservar vestígios da longínqua aliança que outrora se guardava em arcas que duas filas de seres alados, os anjos, sustentavam encolhidos como morcegos (alguns viravam a cara com ar dissimulado, mas dois olhavam ferozmente quem ameaçasse distender-lhes as asas), verá então que mais sete cidades as têm penetradas como se as muralhas repetissem as células, usando para isso de um ordenado processo cancerígeno.
E, se não desistir, verá que se lhe entregam, pois as cidadades da lembrança estão indefesas e só esperam o nosso ataque para se submeterem, prontas a todas as rapinas.






Fátima Maldonado
Cidades Indefesas
1980- centelha
imagem: Hundertwasser

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

e já que ando numa de revivalismos, é tempo de recuperar a "tia" Marianne

Marianne Faithfull: The Mystery Of Love

do álbum "Before The Poison"

O Drama Box de Mísia

Fanny Ardant declama o poema de Vasco Graça Moura, "Fogo Preso", traduzido para francês. Uma leitura assinalavelmente sensual e rítmica.


um daqueles dias em que

se sai de casa a pensar como está um dia tão bonito, talvez até chova. Depois, entro no café, sento-me na esplanada interior e começa o sol. Uma treta meia triste. A certa altura, dou por mim nisto:

black lab: learn to crawl

que aliás, contém este excerto, que me apetece destacar por nenhuma razão especial:

"can you teach me how to fly?/ cause you see I´m scared to die/ and I´ve only just begun to learn to crawl// Can you teach me how to fight?/ You can keep me up all night/ Would you be there on the ground/ If I should fall?/ Fall for you..."

Mas dada a crueldade de me imporem as radiações solares, decido que essa crueldade deve ser ouvida. O resultado:


Ute Lemper: The Case Continues

um clássico que nunca envelhece. Além disso, contém esta frase que nunca deixa de me parecer brutal:

"My only crime was passion/ Wild and uncontroled/ If sex were an Olympic sport/ We´d have won the gold"

M.H.M. de André Godinho



Passou ontem na Cinemateca de Lisboa o filme “M.H.M.” de André Godinho, documentário sobre Manuel Hermínio Monteiro, falecido editor da Assírio & Alvim.
Sobre o documentário, pouco a apontar, acima de tudo porque consegue perfeitamente cumprir os objectivos a que se propõe. Relatar o percurso de Hermínio Monteiro desde Trás-os-Montes até Lisboa, do curso de Direito ao departamento de vendas da Assírio & Alvim, e do departamento de vendas para a direcção. André Godinho apoia-se em fotografias e depoimentos, essencialmente, e consegue articulá-los bem, e fugir aos lugares comuns deste tipo de inclusões, nomeadamente nas fotografias que, aqui, em nada se assemelham a um slide-show, como poderia ter acontecido.
Os depoimentos de Manuela Correia, José Agostinho Baptista, Luís Guerra, António Costa, Sérgio Godinho, Graça Morais, Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós vão dando uma noção de Hermínio Monteiro como pessoa e como editor da Assírio e Alvim, deixando bem claro que não havia realmente uma grande separação entre os dois. A relação com as origens transmontanas é particularmente explorada nos depoimentos de Graça Morais, por exemplo, ao passo que Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós incidem mais na relação de MHM com Mário Cesariny de Vasconcelos e Eugénio de Andrade, cabendo a Manuela Correia as abordagens mais pessoais.
Entre vídeos caseiros, entrevistas e fotografias, vamos vendo também uma série de personagens da literatura que contactaram com MHM, de António Ramos Rosa a Nuno Júdice, a Fernando Pinto do Amaral, etc.
Apontar defeitos, penso que só se poderá fazer em relação ao conteúdo de alguns depoimentos. Nomeadamente porque são ditas coisas que ou não são verdade ou não são verdades muito exactas. Pelo menos em três casos:
Primeiro, quando se diz que MHM ou a Assírio e Alvim abriram portas a muitos novos autores. Por norma eu, quando vejo o número zero, penso “nenhum”, mas aparentemente há pessoas que face ao mesmo número dizem “muitos”. Que eu me lembre, a Assírio e Alvim publica quase apenas nomes muito consagrados. Podemos pensar em Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, António Franco Alexandre, António Barahona da Fonseca, Armando Silva Carvalho: todos estes foram publicados na Assírio já depois de serem autores realmente seguros. E mesmo os que não eram exactamente consagrados quando lá começaram a publicar, caso de Manuel de Freitas, também já não eram propriamente “novos autores”. Portanto, não sei muito bem qual a justificação para se dizer que MHM abriu portas a novos autores, e muito menos a “muitos”.
Depois, quando se fala de Hermínio Monteiro como um editor marginal. Isso é extremamente relativo, mas agora que caiu no goto falar de cultura “marginal”, parte-se sempre do princípio que assim é. À época, a Assírio e Alvim seria marginal como a Dom Quixote era marginal. Mas comparada com a &etc que inicia actividade um ano depois da Assírio e Alvim, ou com a Frenesi ou os primeiros tempos da Fenda, tendo todas existido ou existindo ainda paralelamente à Assírio e Alvim, não consigo entender muito bem o conceito de “marginal”. Não me parece que seja muito custoso dizer, como me parece que seria correcto, que Manuel Hermínio Monteiro conseguiu que o facto de dirigir uma editora que para todos os efeitos produzia lucros, e ainda produz, não fizesse do seu catálogo uma feira de best-sellers.
Por fim, a minha favorita, é quando se diz que todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim. Ora, eu podia fazer aqui uma lista de autores que venham na História da Literatura que nunca publicaram na Assírio e Alvim, e não são poucos. Alguns exemplos: António Ramos Rosa, Maria Teresa Horta, Isabel de Sá, Natália Correia, Jorge de Sena, Yvette K. Centeno, Irene Lisboa, Joaquim Manuel Magalhães, Paulo da Costa Domingos, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner… Enfim. Sem demérito para a Assírio e Alvim, a verdade é que nem todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim.
Não que seja culpa de André Godinho, mas de facto, o grande problema deste documentário é o grande problema de qualquer homenagem que se faça: nos depoimentos, as pessoas falam e, para enaltecer, não se importam nem de exagerar nem de distorcer a verdade.
Sem demérito para Manuel Hermínio Monteiro, claro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

um poema



É um homem muito jovem, de olhos excessivos, onde a ternura se mistura com o medo. Os seus olhos são, por vezes, interrogadores, olhos bandeirantes a resvalar em terreno novo. A boca é ávida e quente. Audácia. Vício. Claridade. O corpo do homem é frágil. Viajando no interior doutro corpo, derramando-se em grito, quase choro. Recomeçando. Quase sem palavras. Quase sem loucura. Como quem desfaz o sonho. Como quem assiste ao lento nascimento de alguém. Seguro. Sem projectos. Fuga adiada. Rejeitada. Homem que bebe o instante, insensível à gelada inquietação.
À volta do homem, os objectos. A mesa baixa, o sofá onde se acumula a roupa em desordem, a aceitação da loucura. Rápida é a maneira do homem se despir do azul. Sem pudor. Homem que entra vagarosamente na audácia de outro espaço. Homem transgressão. Nu, como sem memória. Desfazendo o êxtase com o olhar escorregando no relógio. A pressa. E as palavras dizendo a eternidade.





Maria Graciete Besse
Mulher Sentada no Silêncio
1985, edições Ulmeiro.


fotografia: FLORIA SIGISMONDI

e-mails impensáveis

recebi um e-mail com um excerto de uma música. Este era o excerto:

You know it only breaks my heart
To see you standing in the dark
Alone waiting there for me to come back
I'm too afraid to show
If it's coming over you
Like it's coming over me
I'm crashing like a tidal wave
That drags me out to sea
I wanna be with you
If you wanna be with me
Crashing like a tidal wave
I don't want to be
Stranded

a música é melhor nem dizer qual é, porque mesmo eu não acreditei.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ao vivo, a cores, e com vitrais... ainda absolutamente... absoluta

Lou Rhodes no seu mais que melhor: They Say

ao vivo, a cores, absolutamente... absoluta

Lou Rhodes no seu melhor: Bloom

ensaio sobre a lucidez

o (breve) texto de Gastão Cruz na edição desta semana do JL. Não tenho por hábito gostar de textos que apareçam na dita publicação, mas, de facto, Gastão Cruz acertou em cheio nos comentários que faz sobre "Caím" de José Saramago.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

um poema



um homem vai morrer e não o sabe.
nós sabemos.
amanhã
amanhã alguém apagará o crime da calçada
mas hoje é dor e luto.
amanhã facilmente esqueceremos.

um homem vai morrer e não o sabe.
e consentimos nós
porque sabemos.


Eduarda Chiote
"Esquemas"
1975- edições Limiar
imagem: Francis Bacon

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O Manual dos Inquisidores



"Caím" de José Saramago chegou às livrias há quase duas semanas. O caso está complicado. Logo no dia do lançamento, já havia pessoas a manifestar o seu desagrado pelo tema e seu tratamento do novo romance.
O facto de José Saramago ter declarado que, a seu ver, a bíblia é "um manual de maus costumes" e "um catálogo de crueldade" não ajudou. Se já antes as pessoas estavam ultrajadas e a ultrajar um livro que não leram, estas frases de Saramago são a catapulta definitiva que legitima que se fale do livro sem o ler.
Porque o problema maior, penso, não foi o facto de se estar a falar de um livro que não se leu, foi o de estar a falar dum livro que nem se vai ler sequer. E pelos vistos, já nem necessidade disso existe, porque as declarações do autor já servem para os reaccionários lhe caírem em cima.
Mas tudo bem. Entrevista com Judite de Sousa, debate na Sic Notícias com um padre teólogo. Não faltou nada. Para mim, que aprecio sempre um bom escândalo, mas que o aprecio mais ainda se a igreja estiver envolvida, foi um verdadeiro banquete.
Antes de mais, quero realçar a atitude de Saramago, aquando da entrevista com Judite de Sousa. Demarcou-se pelo nível e pela calma com que falou e, acima de tudo, por se mostrar disponível para um debate com qualquer pessoa, partindo do princípio que essa pessoa tivesse lido o livro.
Foi o caso. No dia seguinte, na Sic Notícias, Saramago debate com o padre Carreira das Neves, que além de ministro do senhor na terra, é também teólogo.
Sobre este debate, um apontamento(zinho): Carreira das Neves estava com sérias dificuldades em contrariar José Saramago.
Percebo porquê: pois como se contraria alguém que, para falar, se apoia unicamente na logica? É complicado. O próprio padre admite a existência de evangelhos proibidos, da relutância do clero em colocar o evangelho à disposição e leitura dos crentes, e, no meio de tudo isto, repete repetidamente o mesmo argumento: que não podemos interpretar a bíblia pelo que está lá escrito.
Aí, Saramago lança a cartada mais simples de todas: se é para isso, qual a necessidade da haver texto escrito?
Também particularmente infeliz foi a ideia de Carreira das Neves de comparar a bíblia a qualquer livro, por exemplo os de Saramago. Bem, eu acho que os livros de Saramago, e esta polémica em torno de "Caím" vem comprová-lo, não são sagrados, nem têm uma religião que neles se baseie.


Televisão áparte, há que falar dos jornais. Parece-me que qualquer palerma sem méritos reconhecidos se dá a competência de falar do assunto, mesmo que dele nada perceba. Alguém dizia, numa revista cujo nome agora me escapa, que Saramago era "um bronco" no que toca a política. Na minha opinião, palavras desta categoria não são propriamente dignas de uma coluna de qualquer colunista sério, pelo que a sua utilização é já sintomática do grande disparate que essa coluna era.
Mais supreendente ainda foi o Público, na sua edição da quinta feira da semana passada. Eu, que julgava que o Público era um bom jornal, vi-me absolutamente defraudado. Fica ao nível de qualquer pasquim que se distribui gratuitamente. A começar por Manuel Fernandes, director, que atira com ideias como este livro ser um livro destinado ao esquecimento, a avaliar pelas primeiras críticas (Ou seja, não tem uma opinião própria) e, por fim, atira com a acusação mais estúpida que eu já ouvi: que isto se trata de uma estratégia de marketing. Que eu me lembre, completam-se 11 anos que Saramago ganhou o Nobel. Para o bem e para o mal, ele não precisa de mais marketing, todo o marketing está feito já. E mesmo que não tivesse ganho o Nobel, há que reconhecer que Saramago tem já um público que o lê e que, para todos os efeitos, o respeita o suficiente para não precisar de campanhas de marketing.
Há ainda que ver que Manuel Fernandes tinha o dever de saber daquilo que fala. Não é o caso. Porque se fosse, ele não estranharia, nem atribuiria a ideia de estratégia a "Caím", porque, para quem sabe, já há muito tempo que Saramago se dedica a minar as fachadas com que a igreja se impõe entre nós. E se é difícil encontrar um livro em que este não largue as suas farpas á igreja e ao clero, pelo menos em "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", já Saramago se tinha insurgido contra a bíblia, num projecto cuja envergadura nada fica a dever a "Caím". Portanto, vir agora dizer que nada disto é a sério e que estamos perante um golpe publicitário só tem um nome: falta de cultura.
Cartas dos leitores, então, isso é que foi. Discursos inflamados sobre Saramago desrespeitar a religião, pessoas que dizem que ele tem inveja porque milhões de pessoas leram a bíblia e ela ficou para sempre na cabeceira, ao passo que os outros livros, como so de José Saramago, chegam e partem. Pessoas que afirmam a falta de inteligência do escritor.


No meio disto tudo, só há uma coisa que eu percebo: são poucas as reações de pessoas que não sejam as que, de facto, dormem com o missal ao lado. Só dessas poderia partir isto, que para mim, é ainda o maior escândalo de "Caím": é que vivemos num país com problemas económicos, com um primeiro-ministro que se recusa a atender aos problemas reais dos cidadãos, onde 120 mil professores saem à rua em protesto e são ignorados, onde hospitais fecham e a saúde se torna cada vez mais um privilégio de classes, onde a exclusão social é ainda uma realidade ignorada, onde temos ainda 10% de analfabetos, onde milhões são dados a quem andou a roubar nos BPI e BPN e por aí, onde o comum cidadão é diariamente manipulado e enganado, onde a cultura não tem existência, onde o desemprego cresce e continuará a crescer. E, no meio de tudo isto, é porque Saramago escreve um romance em que deixa a sua interpretação controversa da Bíblia que surgem discursos inflamados e grandes protestos?
Algo está errado neste país.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Falência e Outros Aspectos da Quasi

Parece que a editora Quasi entrou em falência. Já muito se discorreu sobre a editora enquanto esta esteve activa, e mais se discorre agora que termina.
Já que todo o tipo de pessoas está a falar do assunto, portanto, não vejo razões para eu mesmo o não fazer.
Para começar, esta notícia em nada me surpreende. Numa editora que nos habituou à pordução massiva de livros, que saíam às dezenas por ano; não deixa de se estranhar que este ano tão poucas notícias nos tenham chegado de Famalicão. Um quarto livro de Rui Lage, um novo original de Rosa Alice Branco, o volume de piedade de Nuno Morais da Rocha e… pouco mais.
“Vissicitudes da crise…” pensei eu. No entanto, parece que essas vissicitudes realmente afectaram a editora de Jorge Reis-Sá.
Àparte de méritos e desméritos deste como autor, como editor, os seus méritos e desméritos são mais que evidentes.
Por um lado, frequentemente Jorge Reis-Sá publicou verdadeiras peças de lixo, nomeadamente no que toca aos novos autores, apostando em poesia ou pretensa poesia de todos os tipos e todas as qualidades.
As qualidades gráficas da editora também deixavam muito a desejar. Capas sem qualquer estilo que identificasse a editora, usando todo o tipo de fotografias vulgaríssimas, desenhos taxtativos, e, por vezes, capas sem conexão alguma com o conteúdo dos livros. Digamos que, se julgássemos os livros só pela capa, teria sido a ruína de “As Fábulas” de Fiama, ou de quase todos os que publicou de Ramos Rosa, etc.
Ainda assim, Jorge Reis Sá pode orgulhar-se de ter publicado muitos autores que outros editores não publicaram (Por questões de táctica, etc.), e de, no meio de muito lixo, ter realmente publicado verdadeiras obras-primas. A reter, as obras reunidas de Isabel de Sá e Rosa Alice Branco, vários originais de António Ramos Rosa, um dos mais interessantes livros de Maria Teresa Horta, o livro de Eduarda Chiote que recebeu o prémio Teixeira de Pascoaes, o último original de Fiama Hasse Pais Brandão, um original de Helga Moreira, outro de Jorge Sousa Braga, outro de Manuel Cintra, antologias de Adília Lopes, Al Berto, Carlos de Oliveira ou Pedro Homem de Mello, bem como os primeiros livros de autores como Tiago Araújo, tendo, portanto, sido ele a abrir as portas a autores que só mais tarde viriam a publicar noutras editoras, e portanto, a receber críticas (Nomeadamente de António Guerreiro, que só conta as bibliografias a partir da Averno.).
No meio disto tudo, há que ver que, mesmo sendo de gosto duvidoso, Jorge Reis Sá merece alguns méritos. Só porque é justo que assim seja.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

até arrepia...

I've seen the real atrocities,

Buried in the sand,

Stockpiled safety for a few,

While we stand holding hands.

I'm living in the Ice age,

I'm living in the Ice age,

Nothing will hold,

Nothing will fit,

Into the cold,

a smile on your lips.

Living in the Ice age,

Living in the Ice age,

Living in the Ice age.

Searching for another way,

Hide behind the door,

We'll live in holes and disused shafts,

Hopes for little more.

I'm living in the Ice age,

I'm living in the Ice age,

Nothing will hold,

Nothing will fit,

Into the cold,

No smile on your lips,

Living in the Ice age,

Living in the Ice age,

Living in the Ice age.

IAN CURTIS

joy division: ice age

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Wanda Ramos: Poe-Mas-Com-Sentidos

SENTIDOS CONSENTIDOS



Falar de Wanda Ramos (O que já não faço há quantos meses…) implica sempre falar de questões de aceitação por parte do público, da crítica e dos restantes escritores. E se é verdade que, em última análise, tudo isto são questões paralelas ao livro, também é verdade que em muito definem o destino deste.
O caso de Wanda Ramos, no entanto, acrescenta a estas questões paralelas uma mais: a relação da própria autora com os livros, e, concrectamente, com a sua poesia.
Precocemente desaparecida em 1998, em 1999 veio a lume o seu último romance, “Crónica com Estuário ao Fundo” (Caminho). Mas o seu último livro de poesia surgira já em 1986, este “Poe-Mas-Com-Sentidos” (1986, Ulmeiro).


Nesta edição é visível, nomeadamente através da nota final, a vontade da autora de realmente terminar ali a sua poesia. Isto porque “Poe-Mas-Com-Sentidos” repõe “Nas Coxas do Tempo”, que tivera edição autónoma em 1970, numa restrita plaquette onde se inseriam ainda desenhos de António Ferra; recolhe todos os poemas dispersos em jornais e revistas literárias, bem como vários poemas em prosa, provavelmente os posteriores a “Intimidade da Fala” (1983, &etc) que era consituído apenas por poemas em prosa.
Por outro lado, percebe-se que este é um final precoce, efectivamente:
Colocando Wanda Ramos no seu contexto, ela surge em 1970 com todos os entraves que uma edição de autor implica, e apresenta-nos uma poesia onde dois ecos são visíveis: o romantismo exacerbado de Florbela Espanca e o erotismo assumido de Maria Teresa Horta. Não sendo “Nas Coxas do Tempo” um mau livro (É, alias, do meu ponto de vista, um dos melhores momentos da autora.), perde um pouco do seu impacto pela imediata associação a estes nomes. Posteriormente, em particular em “E Contudo Cantar Sempre” (1979, Inova), estes ecos tornam-se mais diluidos numa voz que efectivamente começa a definir-se.
Ainda nos anos 70, recebemos os sururus de Joaquim Manuel Magalhães e João Miguel Fernandes Jorge, que os próprios mais tarde haveriam de reconhecer como idiotices, mas que, para todos os efeitos, sempre causam determinado impacto num meio que tem pavor a não se renovar (Nem que seja pelo non-sense.); a poesia violenta de Al Berto que haveria de se tornar numa das mais originais da nossa literatura; e ainda alguns outros nomes, entre os quais o de Eduarda Chiote, que, passados estes anos, se percebe estarem mais relacionados, ainda que de forma ténue, com a poesia de 80 do que propriamente com a de 70, ainda que nela tenham surgido.
No meio disto, um livro em que há referências que demasiadamente se fazem sentir é para marcar uma pessoa.
Wanda Ramos terá chegado a esta conclusão. O facto de entretanto ter inciado o seu percurso como romancista, com “Percursos (Do Luachimo ao Luena)” (1981, Presença) e de neste se ter demonstrado realmente mais original do que na poesia (“Percursos” é, a meu ver, o melhor romance sobre um outro lado, o da mulher, da Guerra Colonial, depois de “A Costa dos Murmúrios” de Lídia Jorge.) também terá contribuído para que Wanda Ramos tenha decidido em definitivo dedicar-se a um projecto em que podia realmente ser boa, e que, aliás, a conduziu à História da Literatura Portuguesa.
“Poe-Mas-Com-Sentidos” é, portanto, a colecção última de poesia da autora. E uma boa colecção, mesmo assim.

A inclusão do primeiro texto da autora, que dista vários anos dos restantes (Segundo a nota final, este livro cobre um espaço de tempo entre 1968 e 1986.), funciona bem por tornar realmente clara a mudança de tonalidade nesta poesia: se inicialmente ela se nos apresenta simbólica e, por vezes, quase surrealizante, com imagens sucessivas onde o erotismo se torna uma espécie de mundo pairando sobre o mundo; na segunda secção, que dá título ao livro, é como se este mundo simbólico se tivesse infiltrado no real, sendo que as referências simbólicas encontram uma conexão com o real através do indivíduo, do sujeito poético. A cidade, a rua, a casa, são descritas e entrecortadas por “entradas em cena” de elementos que simbolizam invariavelmente o desejo. Por outras palavras: a percepção da realidade é filtrada pelo corpo, e apenas daí se pode tornar objecto de desejo ou contentor de um objecto de desejo.
Noutros poemas, a mesma situação acontece sem que o seu resultado seja o desejo, e, nesse caso, é por norma a tristeza e a solidão, também elas experienciadas fisicamente.
Este capítulo, “Poe-Mas-Com-Sentidos”, é também uma espécie de biografia da autora, contendo, além dos poemas mais emotivos ou descritivos de situações que o são, referências à “África (Também) Minha”, e todas as questões de aculturação e distância que uma mudança tão radical implica; e também a própria escrita, enquanto elemento constituinte do quotidiano, a necessidade das palavras para fixar “tantos destes itinerários perdidos nos anos/ achados a cada hora de entrar em casa” (pag.35).
Por fim, o último capítulo, “Brumas”, engloba seis poemas em prosa. A maior diferença em relação aos poemas em verso será provavelmente a densidade narrativa: esta torna-se mais definida a partir do segundo livro da autora, mas, nos poemas em prosa, surge definitivamente mais forte, como se se tratasse de uma “página de diário entreaberto” (título de uma sequência de “Intimidade da Fala”).
Uma questão importa ainda referir: a linguagem. Em Wanda Ramos dificilmente se encontram palavras para procurar no dicionário. Encontram-se, no entanto, palavras que por vezes parecem já ter caído em desuso, algumas abordagens mais distantes de uma erudição que a maioria dos autores procura. Para isto, tanto as suas raízes africanas, como uma leitura dos seus romances que a isto mesmo aludem, ajudam a entender que a linguagem, a “fala” de Wanda Ramos é mesmo profundamente “íntima”, precisamente por isto: é uma fala, um vocabulário, profundamente ligado às suas origens, numa relação quase umbilical, e que à escritora dificilmente passaria despercebida, uma vez que tinha o curso de Letras. Esta assumpção da origem da fala pessoal é, portanto, um dos elementos de maior interesse na poesia de Wanda Ramos, e poderá ter sido, para os delicados ouvidos do meio literário português, uma das razões para a considerar “vulgar”.
Se é certo que a autora atinge uma grande maturidade nestes poemas, e a presença do primeiro texto é, como se disse, um elemento que reforça esta ideia, a verdade é que se entende que houve alguns aspectos que claramente poderiam ter sido mais desenvolvidos. Provavelmente, a poesia de Wanda Ramos teria atingido um outro grau de qualidade ou de completude se tivesse sido continuada.
Enfim… pelo menos seguiram-se romances como “Litoral (Ara Solis)”…