domingo, 8 de junho de 2008

A Sombra do Caçador de Charles Laughton

Já foi há algum tempo que fui ao Teatro do Campo Alegre ver este filme, mas tempo para pensar em críticas é coisa que me tem faltado bastante nos últimos tempos, como possivelmente terão reparado. No entanto, prometi a mim mesmo que iria pensar neste filme, em breve. Este é o dia.



O único filme realizado pelo actor Charles Laughton, "Night Of The Hunter- A Sombra do Caçador", baseado no romance homonimo de Davis Grubb, foi muito mal recebido quando estreou, em 1955, pela crítica e pelo público.
Trata-se da história (Por sinal verídica.) de Harry Powell, um suposto pregador, que tem como ocupação casar com viúvas, ficar-lhes com o dinheiro e matá-las.
No entanto, é preso, e na prisão conhece Ben Harper, preso e condenado á forca por ter assassinado dois homens num assalto a um banco. Convencido de que a família saberá onde está esse dinheiro, Powell aproxima-se da viuva, Willa, e dos dois filhos, John e Pearl. Acaba por casar com ela, mas cedo percebe que se alguém sabe onde está escondido o dinheiro roubado, essa pessoa é John, o filho mais velho.
A relação que existe entre ele a mais recente mulher ganha contornos bizarros: ele convence-a que foi ela a razão que levou á morte de Ben, leva-a a discursos fanáticos sobre Deus, e nunca chega a ter sexo com ela, dizendo que o sexo é procriação e que eles não devem gerar mais uma criança, mas sim criar as duas que ela já tem.
Acho que se torna fácil perceber porque em 1955 ninguém queria ver este filme: na realidade, há um cinismo e uma falsidade intimamente relacionados com a religião e com as convenções sociais que pôr em causa não era opção, até há pouco tempo.




Ao longo de todo o filme vamos vendo diferentes leituras da sexualidade reprimida das mulheres, da sua submissão, da perversão de um pregador que mata sempre com os olhos postos em deus, e de uma sociedade absolutamente reaccionária e sensasionalista, do quão tudo é manipulado pela igreja e por um suposto deus.
Aparte de uma análise social assinalável, o filme é também muito estético, filmado a preto-e-branco (Na altura já existia o filme a cores.), com planos simbolistas, numa influencia clara do cinema do Expressionismo Alemão e da corrente do Film-Noir.
Destaque para as interpretações de Robert Mitchum ("Out Of The Past" de Jacques Tourneur.), Shelley Winters ("Lolita" de Kubrick) e Lillian Gish ("Birth Of a Nation" de DW Griffith.), além da memorável cena das tatuagens nas mãos com LOVE e HATE, em que o pregador conta a história da victoria de deus (LOVE) sobre o diabo (HATE).
Muito bom, mesmo.


Veredicto: 19/20

2 comentários:

barbedo disse...

Óptima crítica.
Apesar de tudo, só subtilmente o filme é um documento social.
Pesa bem mais a fantasia e as várias alegorias de que o filme está repleto (a travessia no rio, os animais).

Supermassive Black-Hole disse...

meu caro, não percebes? TUDO é um documento social. Tu próprio enquanto pessoa és um documento social. Essas coisas de que falas são muito interessantes, mas nao as quero estragar a quem ainda não viu.