segunda-feira, 30 de junho de 2008

A Ronda da Noite de Peter Greenaway

RELATO DE UM CRIME

Certamente uma das mais únicas e emblemáticas do Barroco, a obra de Rembrandt Van Rijn tem inspirado muita da arte que se tem feito posteriormente. Indo ao mais recente apenas, podemos contar o mais recente romance da escritora portuguesa Agustina Bessa Luís, e o novo filme do realizador Peter Greenaway, que partilham o título, “A Ronda da Noite”, título também da obra que os inspirou.
E enquanto que Agustina insere o quadro (Ou uma reprodução.) numa história sua, Greenaway aventura-se a contar a história do pintor enquanto este pinta o célebre e enigmático retrato de grupo, que pode afinal ser também o retrato de um crime e de várias irregularidades (A sombra da mão do personagem central sobre o púbis do homem a seu lado- é preciso lembrar que até há pouco tempo a homossexualidade era punida pela lei.).
A história divide-se essencialmente em dois planos: a execução da “Ronda da Noite” e a vida pessoal de Rembrandt, que se vão fundindo até que o primeiro começa a interferir com o segundo.

Logo nas primeiras sequências, reconhecemos a presença de Greenaway atrás da câmara e o seu toque no que vemos: é aquele cenário que parece mais pertencente ao teatro do que ao cinema, os altos-contrastes, a cor, a teatralidade em tudo. E pouco depois, os corpos brancos e muito naturais (Sem ginásios ou coisas semelhantes.), desta vez numa luz a lembrar claramente a iluminação da pintura barroca, ora focal, ora difusa. É preciso não esquecer que, da perspectiva de Greenaway, a pintura deu origem ao cinema, e se há pintura que realmente dá indicações de movimentação dramática, é a pintura do Barroco.
No entanto, este não é um filme perfeito, apenas por muito pequenas coisas, problemas que até acabam por nem o ser: primeiro é um filme elitista. Quem não pertencer a este mundo da Arte não terá a mínima hipótese de perceber certas partes do filme, as mais interessantes. E depois, há um excesso de bebés a chorar, como se fossem uma banda sonora, e isso é extremamente irritante.
Por outro lado: apenas uma elite terá interesse pela obra de Greenaway, é um cinema muito intelectualizado e nada imediato. E pode haver quem não se incomode como eu incomodo, pelo choro dos bebés.

Cenas a destacar, há o genérico, com um arrepiante violoncelo a irromper de pormenores de “Ronda da Noite”, a cena em que os pormenores do quadro são explicados (A sombra da mão, a rapariga a ser afastada, o cântaro na mão desta, o olho de Rembrandt quase oculto, etc, etc, etc.), e no final, quando o quadro é apresentado, e que nos é finalmente dito que a forma como Rembrandt pinta fez dele um pintor pouco apreciado: Enquanto que noutros retratos de grupo, havia estatismo e a consciência por parte dos modelos de que estavam a ser observados, no de Rembrandt reinava o caos e o movimento, os personagens eram como actores de teatro, e não pareciam ter noção de que eram observados.
Um filme importante para perceber a obra, o tempo, e a pessoa. E mais uma obra-prima de Greenaway.

Veredicto: 19/20

Night Watching (Trailer)

apresentação do filme de Greenaway. Para terem uma pequena ideia, de um filme que recomendo vivamente.

domingo, 29 de junho de 2008

nota puramente pessoal

threads that are golden
don´t break easily


mimetismos

este é um post de homenagem a todas as pessoas que já me disseram com quem eu sou parecido. Algumas respostas pareceram-me tão disparatadas, ou cómicas, ou despropositadas, ou até acertadas, que achei que mereceriam aqui ser referidas.
Então eu tenho cara de

Jesus (a minha antítese, obviamente)
Jim Morrisson (para mim é um elogio)
Comunista (quê? porquê?)
Poeta (ok, fixe)
Anjo Barroco (não sou loiro, nao tenho olhos azuis, nem asas, nem sou redondo)
Trovador (canto muito mal, nao percebo)

sábado, 28 de junho de 2008

ninguém pode deixar

de ver a Actual que vem o Expresso hoje. Está o máximo! Falam do dito fenómeno emo, têm um enorme texto sobre como os My Chemical Romance levaram uma miúda ao suicídio, falam de Marilyn Manson e de Kurt Cobain neste contexto.
O mais interessante é que eles acham que o estilo emo e a música dos My Chemical Romance e dos Tokio Hotel pode ser perturbador. Só se for porque dá demasiada vontade de rir.
Ainda mais engraçado é que nem os My Chemical Romance nem os Tokio Hotel se consideram emo.
E o vocalista dos TH queixa-se que quando foi á televisão não o deixaram pôr o cabelo no ar... Coitado!

And now that we´re at it, não percam as reportagens que estão a passar nos noticiários das fãs de Tokio Hotel a acampar em frente ao Pavilhão Atlântico, para irem assistir no melhor lugar possível. O clube de fãs do Toni Carreira tem concorrência. E da boa.
Quase tão deprimente como aquele freakshow quando eles cancelaram o concerto da primeira vez.
amanhã o Jornal de Notícias trará como suplemento um CD com 2 temas em ante-estreia de "Terra", o que será o quarto álbum de originais de Mariza. não se esqueçam porque é importante. o site da fadista também já está actualizado, entrem aqui.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

3 filmes sobre escritores

“Henry and June” de Philip Kaufmann
(1990)






Uma nulidade enquanto escritora e memorável como personagem, Anais Nin não era mais do que uma elegante senhora que escrevia fantasias eróticas, ainda que com uma linguagem a roçar o poético.
Ainda que dela tenhamos apenas histórias desinteressantes como “A Casa do Incesto” ou “Delta de Vénus”, certamente a sua vida terá muito interesse. Assim sendo, não é de estranhar um filme como “Henry and June”.
Maria de Medeiros, no seu primeiro papel fora de Portugal interpreta Anais Nin de uma forma assinalável: tanto pelo físico como pela performance coloca-nos perante uma mulher que em tudo nos surpreende: aparentemente inocente, mas preenchida por desejos e delírios sexuais.
Desejos e delírios sexuais que irá começar a pensar em satisfazer quando conhece Henry, Henry que é Henry Miller, que se cruza com Nin através do marido desta, Hugo, num dos muitos anos que passou a escrever “Trópico de Câncer”.
E é através de Henry que Anais se cruza com June (Interpretada por uma brutal Uma Thurmann.) , por quem se apaixonará quase de imediato.
A premissa, com tudo para ser dramática, evoluiu, tornando-se cada vez mais forte e deixando Nin cada vez mais encurralada, á solta no realizar da sua imaginação.
As personalidades vão então evoluindo e conduzindo uns contra os outros: as frustrações de Miller, a voracidade de Anais, o narcisismo de June, a insciência de Hugo. E nisto, Philip Kaufmann consegue brilhar: filma as cenas com a tensão e o tempo necessário, o sexo com toda a intensidade, os olhares com uma força poética, e as palavras com a importância devida (Tendo em conta que este é essencialmente um filme sobre escritores.).
Mas o que “Henry and June” tem de realmente notável é no retrato absolutamente cru de como a experiência e a vida impulsionam e permitem a arte, muitas vezes em situações que podem, à vista desarmada, ser condenáveis ou sacrílegas, mas que na realidade, são as únicas que realmente movem a criação.

Veredicto: 18/20


“Wilde” de Brian Gilbert
(1997)



Não menos controverso do que Anais Nin, mas certamente por diferentes motivos, Oscar Wilde tinha tudo para ter tido uma vidinha normal: mulher, filhos, talento para escrever, protagonismo e allure. As coisas correram mal quando Wilde descobre que é homossexual, e se inicia numa série de vários engates, que terminam em Lord Alfred Douglas aka Bosie. Por este se apaixona e com este se lança numa vida arriscada (Falamos de um tempo em que a homossexualidade é crime.) que o levará à cadeia, onde passará os mais desgastantes dois anos da sua vida, depois dos quais só sobreviverá mais dois. Alguns destes meses são passados com Bosie.
A película de Brian Gilbert tem sem dúvida uma certa quantidade de intensidade e de densidade narrativa. De uma forma coerente, Gilbert serve-se de contos infantis ou de livros como "De Profundis" para ir articulando os vários momentos da história. Não entra num previsível comportamento de querer engrandecer o personagem de quem fala: retrata-o com os seus defeitos e todas as suas falhas.
O contracenar de Stephen Fry (Wilde) e Jude Law (Bosie) é bom, sendo conseguida a tensão e o atrito pretendidos.


Veredicto: 17/20


“Eclipse Total” de Agnieszka Holland
(1995)






Sem Arthur Rimbaud, a poesia moderna não seria o que é. E sem Paul Verlaine, a vida de Rimbaud certamente não teria sido como foi. Rimbaud era um rapaz simples da província que aos 16 anos já escrevia a poesia que havia de revolucionar o mundo da literatura. Quem recebia esses poemas era Paul Verlaine, a viver em Paris com a mulher, pensando que lia os poemas de um jovem de 21 anos.
Quando Verlaine escreve a Rimbaud "vem alma-gémea, és esperado", e este vem mesmo, Verlaine depara-se com um rapaz mal-formado, rebelde e sem tento na língua, basicamente.
E no entanto, apaixona-se por ele.
Os dois fogem para vários sitios, Verlaine cada vez mais dominado por Rimbaud cada vez mais dominado pelas suas ambições e sonhos.
Relativamente ao filme em si, não fosse este um conto homossexual, e poderia ser passado num sábado á tarde, na TVI. A falta de tensão e de verismo nas cenas mais íntimas é óbvia, e nas cenas de sexo absolutamente escandalosa.
É um filme que não arrisca basicamente nada. E, ao fugir de uma exploração plena da relação amorosa entre os dois poetas, o realizador poderia ter-se focado pelo menos na relação literária que existia entre os dois, mas também isso aparece apenas de vez em quando. No geral, o filme parece ser um video turístico em que os guias são David Thewlis e Leonardo DiCaprio.

Veredicto: 14/20

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Madonna: Hard Candy

QUANDO A RAINHA SE JUNTA AOS SUBDITOS

Depois de enveredar por uma linha de música mais madura iniciada em “Ray Of Light” em “American Life” e de ter trazido de volta o dancefloor à moda antiga com todo o estilo em “Confessions On a Dancefloor”, Madonna muda de matriz uma vez mais. E se os três referidos álbuns serão três bons exercícios pop, além dos três melhores (Pela ordem em que surgem.) da cantora, este novo “Hard Candy”, se não é o seu pior álbum, será apenas por existir “Erótica”.
Se há razão para louvar Madonna, e a esta ninguém pode fugir, é por nunca ter ido atrás de modas, e ter sempre iniciado ela própria as tendências no universo pop (Por alguma razão é chamada de rainha.). E em “Hard Candy” podemos mesmo falar de uma rainha convertida.
Em vez de ser criativa e de trazer alguma coisa nova á monotonia da música pop, Madonna revela-se Maria-vai-com-as-outras por seguir a muito em voga reminiscência hip-hop em que á pop se acrescentam uns toques de R&B e de funk e pela lista de convidados que apresenta: de Timbaland a Justin Timberlake.
Assim, e numa primeira análise, ouvir “Hard Candy” é ouvir Madonna, mas podia perfeitamente ser ouvir Rhianna ou a mais recente Nelly Furtado. É a mesma estética, a mesma repetição de conceitos destinados ao sucesso de que Madonna, quanto mais não seja, apenas por ser Madonna, já não precisa.
Depois, relativamente ás canções, há que dizer que estas também são, no geral, desinteressantes e algumas mesmo más.

“Candy Shop”, o início, seria boa se não fosse o desagradável rap no final, a destruir completamente o ritmo subtil apenas para tornar a música mais vulgar.
“4 Minutes” é provavelmente a melhor canção, e dispensava completamente Justin Timberlake que não está, basicamente, a fazer nada. Em tudo o resto, a canção não foge ás tendências hip-hop nem ao esforço por ser rádio-friendly, pelo que resulta bem como primeiro single.
“She´s Not Me”, apesar de por vezes roçar uma certa histeria, podia vir de uma fase after-hours de “Confessions On a Dancefloor”, e segue uma linha mais ligada à electrónica.
Sobre “Devil Wouldn´t Recognize You”, idem aspas, apenas se acrescenta que é quase uma balada.
As restantes oito canções não se aproveitam, são de uma imaturidade e predicabilidade inesperadas. Resultarão bem certamente nos tops e nas discotecas da moda, mas não são suficientes para ficar para a história, e não permitem que o álbum seja bom.

Veredicto: 9/20

Madonna- 4 Minutes

video de avanço de "hard candy" com direito a um Justin Timberlake sem justificação

sábado, 21 de junho de 2008

coisas politizadas



I know
You know
every desperado
and Sharp Shooter
in the West
You say that I can't see behind
The Mask of those who call themselves
The Good Guys in this
who take and take
"so are you with Meor not"
you say
"this time decide"
Balmy days
sweet sangria
she's been gone
have you seen her
senorita
shyly turning away
leaving me our fading flame
Yeah you think about that

What you Believe in
It matters now
to you and me
What you believe in
I'm Takin' in
I said I'm takin' in
What you Believe in
It matters now
to you and me
Before sundown
the Mexicans leave
San Antone
the car will then
Drop him at the
Border the breaking point I know
Your people have suffered
time and time again
But what about I ask you now
the innocents on both sides

Balmy days
sweet sangria
she's been gone
have you seen her
senorita
shyly turning away
leaving me your fading flame
so give me give me give me
a no Window
I ask you,
give me give me give me
a Bloodless Road
Tell me tell me tell me
Why does Someone
have to have to have to lose?



TORI AMOS, "Sweet Sangria" para "Scarlet´s Walk", 2002
KAZEMIR MALEVICH, "Círculo Negro Sobre Fundo Branco", 1929

sexta-feira, 20 de junho de 2008

a rapaziada

_So what are your interests in art?
_Ah... Rembrandt, Picasso, Miguel Angelo... You know... The boys...

Hugh Grant e Tracey Ullmann em "Small Time Crooks- Vigaristas de Bairro" de Woody Allen
até estou feliz por termos perdido o jogo com a Alemanha. Primeiro, passa a vaidade áquelas nulidades dos jogadores, e segundo, acaba a histeria da qual ando farto há que tempos.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Awake de Joby Harold

PARA DORMIR E RESSONAR


Realmente, nestes dias, já não se justifica fazer um filme de terror. Não se justifica porque já não se sabe. É muito raro o realizador que não faz um filme deplorável, mesmo que parta de uma boa ideia.
Joby Harold, aliás, faz exactamente isso com o seu primeiro filme, "Awake". A ideia inicial é boa. Parte de um facto científico real, de que 1 em cada 700 pessoas que recebem anestesia geral por ano, não adormece, fica consciente, acordada, mas incapaz de mover o corpo.
E se isto poderia criar uma película tensa e perturbadora, na realidade, acaba por criar uma película anedótica e vulgar.



Clay Beresford Jr é um empresário bem-sucedido que mantém uma relação secreta com Sam, a secretária da mãe, Lilith. Além deste quotidiano dark secret, Clay sofre também de um problema de coração que lhe poderá encurtar seriamente a vida, a não ser que receba um transplante. A operação será feita por Jack Harper, o melhor amigo de Beresford.
Depois do escândalo da descoberta da relação com a rapariga de um estatuto social inferior, Clay decide apressar o casamento: casa nessa mesma noite, a noite em que recebe uma chamada que lhe diz que o seu novo coração está pronto a ser transplantado.
No início da operação, Clay recebe anestesia, e vai adormecendo lentamente só que... não adormece. Apercebe-se de que não só ouve tudo aquilo que os médicos estão a dizer, como também sente tudo o que lhe estão a fazer. Num transplante de coração.
Já esta cena é estragada completamente pelo uso do cliché: quer seja na música escolhida para acompanhar os pensamentos desesperados de um Clay acordado e imóvel, quer pela incapacidade de Hayden Christensen de exprimir o desespero e a dor de um momento assim. O seu escape seria pensar na recente esposa: e então somos bombardeados por uma série de imagens muito previsíveis para explorar o corpo de Jessica Alba em ângulos semi-picantes e despropositados.
Como se não fosse suficiente, Harold arranja-nos uma conspiração contra Clay, por parte dos médicos, da esposa, basicamente de toda a gente. Ou seja, um abuso do acaso: logo o paciente contra quem se conspirava é que foi ter consciência anestésica. Os diálogos desta cena primam pelo completo irrealismo, contando com uma Jessica Alba ridicula a dizer coisas como
"_Ninguém sabe que mudei de nome e me meti no teu grupo."
como quem despacha o mistério, para não perder muito tempo. Por estas e por outras é que o argumento é tão mau.
Em termos de realização o único plano mais interessante é o plano em que se ouvem os gritos de Hayden Christensen enquanto vemos a sua cara (Supostamente.) adormecida e plácida. Ou então os últimos momentos que Clay passa dentro da sua própria memória, em que as luzes se vão apagando: pode ser previsível, mas não deixa de resultar bem.


Hayden Christensen e Jessica Alba têm aqui interpretações péssimas, sem o mínimo de credibilidade, mesmo aplicados a personagens tão desinteressantes. Terrence Howard é inacreditavelmente mau, com um discurso melodramático e nada a calhar, ainda por cima em monólogo numa leitura a fazer lembrar uma avozinha que conta aos netos a história da Branca de Neve. Em contrapartida, Lena Olin presenteia-nos com uma excelente interpretação, numa personagem interessante (Que é mesmo a única.) que consegue vestir com óbvia facilidade. Palmas para ela. Só para ela.


Veredicto: 8/10

Awake

o trailer, que tem como fundo musical "Breathe Me" de Sia Furler. A música não dá no filme, nem fica grande coisa aqui, mas percebem-se as razões. Para terem uma ideia

quarta-feira, 18 de junho de 2008

apago cigarro atrás de cigarro



Apago cigarro atrás de cigarro
a chávena ainda quente de café,
e o corpo todo á escuta.
No sono entrevi o teu olhar e
ao visitar-te, excessivamente te beijei.
Entre temor, entre comas, os lugares
que habito são apenas pontos
de esquecimento e fuga.



Tenho medo, por vezes, de estar em casa,
outras de sair, não sei o que me persegue
ou persigo, movo-me apenas
por entre odores, escombros, e aflita
com perigos indefiniveis.



Helga Moreira, "Os Dias Todos Assim", 1996
Henri Matisse, "Harmonia em Vermelho", 1908

Sábado

ás 6 e meia da tarde, não se esqueçam da sessão da poeta Isabel de Sá na Fundação Eugénio de Andrade. Lá estaremos.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Lídia Jorge: Praça de Londres (Cinco Contos Situados)

Lugar- Incomum

Além de uma crítica à mais recente publicação de Lídia Jorge, este texto serve também de resposta a uma crítica à mesma publicada na “Actual” do Expresso de 24 de Maio, que achei particularmente interessante.
Na legenda do dito artigo de Ana Cristina Leonardo, lê-se “Lídia Jorge regressa ao conto. Mas desilude.”


Ao longo do longo texto que escreve sobre “Praça de Londres”, A.C.L. prende-se a “Teses sobre o Conto” de Ricardo Piglia, e prende-se demasiado. O que é que isto origina? Uma crítica puramente académica, despropositada e reveladora de um aparente (?) desconhecimento da obra da escritora algarvia. Quem, como eu, conhece a obra completa de Lídia Jorge certamente já se terá apercebido de que a autora tem uma forma específica de contar as suas histórias, de nos dizer o que nos quer dizer, e também uma forma muito individual de escrever. Quando lidamos com textos de um escritor com estas características, é pouco adequado estar a julgá-lo de acordo com estereótipos ou regras que indiquem como escrever. Quando lemos algo como “E no entanto não precisavam de ter vindo gerar aquele entretenimento forçado para compreendermos a situação em que nos encontrávamos. Por que precisaríamos?” sabemos logo que é Lídia Jorge. Então porquê seguir as regras de Tchekov?
Segundo a crítica da “Actual”, estes “cinco contos situados” deixam “pouco espaço para o sonho e para a imaginação do leitor, dissipada esta pelo moralismo que cada um dos títulos evidencia.” Isto não podia ser mais falso. Não há corte algum com a subjectividade de cada um dos textos, eles são, na realidade, muito susceptíveis de interpretações múltiplas, e deixam, como por norma os contos deixam, lacunas e detalhes por revelar, de forma a que os possamos inventar nós. E quanto a moralismos, não sei o que A.C.L. entende por “moralismo”, não os encontrei, nem neste nem em qualquer outro texto de Lídia Jorge, são, na realidade, relatos de situações e sentimentos muito humanos, com nada de moral nem de amoral. Não escreveu Lídia Jorge “A Última Dona” em que um homem de família se refugia numa estalagem com uma coquine? Não escreveu Lídia Jorge “O Vale da Paixão” em que um homem deserta de casa após ter engravidado uma mulher que casaria com o irmão do desertor?
“E, entre outras, residirá, dessa incapacidade de levar a “estranheza” ás últimas consequências, a razão maior do falhanço” lê-se mais adiante. Desde quando é que uma empregada se dá ao trabalho de guardar cabelos dentro de frascos para saber quando o patrão muda de amante? Desde quando é que gatos engolem anéis?

De certa forma, já fui explicando o que achei de “Praça de Londres”. Esquecendo o deplorável artigo da “Actual”, digo que estes contos são leituras assinaláveis, principalmente porque funcionam como metáforas e/ou como retratos de humanidade, volto a sublinhar.
“Praça de Londres”, que vai acompanhando o crescendo da emoção (Chegando ao delírio, nos possíveis diálogos com a porteira.) da mulher que se depara com uma situação bizarra na rua e tenta segui-la, terminando num anti-climax muito usual no dia-a-dia mais do que na literatura, o que é bom.
“Rue de Rhône” funciona, paralelamente, como história feminista e como crónica das repetidas tentativas do Homem de submeter a si a natureza.
“Branca de Neve” resulta muito bem ao evidenciar a formatação que a vida profissional das pessoas tende a estender-se e ser entendida como lógica de tudo pela própria pessoa (E eu, á porta dos exames e da defesa da Prova de Aptidão Artística percebo isso muito bem, encontro-me muitas vezes a falar de coisas vivenciais como se fossem parte da PAA ou da matéria que estudo.).
“Viagem para Dois” é uma história interessante pela forma como o homem conta á mulher a história que a mulher escreverá mais tarde, tentando dizer-lhe como há-de fazê-lo, deixando a nu aquele que por vezes poderá ser o processo de armazenamento de uma ideia e do descarregar para a página.
Por fim, “Perfume”, baseado no filme “Yol” de Yilmaz Guney, realizador turco a quem a escritora dedica o conto, prima pela forma como é contado, e pela forma como esse contar oscila entre os relatos na primeira pessoa do próprio narrador e pelos relatos das desconfianças da babá. É um conto interessante que não deixa de parecer digno de um romance.
Concluindo, “Praça de Londres” é um conjunto de belíssimos contos de uma escritora que nos mostra cada vez se deslocar melhor no caminho da metáfora e das emoções humanas, caminho que muito bem tem percorrido desde 1980 quando publicou “O Dia dos Prodígios”, ainda que por vezes isso faça com que nem todos a entendam. É uma pena.

Veredicto: 18/20

quarta-feira, 11 de junho de 2008

o quereres








Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão


Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês


Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor


Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói


Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão

Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és



Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor


Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus


O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim.



Caetano Veloso
Imagem: frames de "Autofuneral" de Keith Arnatt
Recomendo vivamente a versão desta música por Maria de Medeiros, no seu álbum "A Little More Blue", já aqui referido

domingo, 8 de junho de 2008

A Sombra do Caçador de Charles Laughton

Já foi há algum tempo que fui ao Teatro do Campo Alegre ver este filme, mas tempo para pensar em críticas é coisa que me tem faltado bastante nos últimos tempos, como possivelmente terão reparado. No entanto, prometi a mim mesmo que iria pensar neste filme, em breve. Este é o dia.



O único filme realizado pelo actor Charles Laughton, "Night Of The Hunter- A Sombra do Caçador", baseado no romance homonimo de Davis Grubb, foi muito mal recebido quando estreou, em 1955, pela crítica e pelo público.
Trata-se da história (Por sinal verídica.) de Harry Powell, um suposto pregador, que tem como ocupação casar com viúvas, ficar-lhes com o dinheiro e matá-las.
No entanto, é preso, e na prisão conhece Ben Harper, preso e condenado á forca por ter assassinado dois homens num assalto a um banco. Convencido de que a família saberá onde está esse dinheiro, Powell aproxima-se da viuva, Willa, e dos dois filhos, John e Pearl. Acaba por casar com ela, mas cedo percebe que se alguém sabe onde está escondido o dinheiro roubado, essa pessoa é John, o filho mais velho.
A relação que existe entre ele a mais recente mulher ganha contornos bizarros: ele convence-a que foi ela a razão que levou á morte de Ben, leva-a a discursos fanáticos sobre Deus, e nunca chega a ter sexo com ela, dizendo que o sexo é procriação e que eles não devem gerar mais uma criança, mas sim criar as duas que ela já tem.
Acho que se torna fácil perceber porque em 1955 ninguém queria ver este filme: na realidade, há um cinismo e uma falsidade intimamente relacionados com a religião e com as convenções sociais que pôr em causa não era opção, até há pouco tempo.




Ao longo de todo o filme vamos vendo diferentes leituras da sexualidade reprimida das mulheres, da sua submissão, da perversão de um pregador que mata sempre com os olhos postos em deus, e de uma sociedade absolutamente reaccionária e sensasionalista, do quão tudo é manipulado pela igreja e por um suposto deus.
Aparte de uma análise social assinalável, o filme é também muito estético, filmado a preto-e-branco (Na altura já existia o filme a cores.), com planos simbolistas, numa influencia clara do cinema do Expressionismo Alemão e da corrente do Film-Noir.
Destaque para as interpretações de Robert Mitchum ("Out Of The Past" de Jacques Tourneur.), Shelley Winters ("Lolita" de Kubrick) e Lillian Gish ("Birth Of a Nation" de DW Griffith.), além da memorável cena das tatuagens nas mãos com LOVE e HATE, em que o pregador conta a história da victoria de deus (LOVE) sobre o diabo (HATE).
Muito bom, mesmo.


Veredicto: 19/20

Isto nao é uma música

é uma oração. e aquilo não é um homem, é um deus da guitarra. Os Muse no seu melhor... and our time is running out...

sábado, 7 de junho de 2008

A Naifa no Theatro Circo

"A Verdade Apanha-se Com Enganos", do álbum anterior. Muito bom.

A fantástica

Ana Moura, ao vivo, a cantar "A Sós Com a Noite". Com um enorme talento recentemente (E tardiamente.) descoberto. A música é de Jorge Fernando, que já acompanhou, entre muitos outros, Amália e Mariza.

só para saberem que não estou a ver o jogo.

a sério. não estou.

ontem foi

o meu último dia como aluno da Secundária, da Soares dos Reis, do agrupamento de artes, dessas coisas todas.
Há sempre aquela frase da Tori Amos
I´m so sad
Like a good book I can´t pull this
Day back
A sorta fairytale
Felizmente, almocei com tudo a que tenho direito e terminei a noite em beleza no Plano B. Quando se está deprimido e no fim de um ciclo, não há nada como ir para uma sala mal iluminada fingir que se sabe dançar.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Porque Me Traíste Tanto?



porque tenho eu frieiras
se nunca tiro as luvas?
porque tenho eu arranhões
se os meus gatos são meigos?
como dizia uma pobre rapariga
que era criada e mal sabia ler
também eu vou dizer
coração partido
pé dormente
vou para a cama
que estou doente
porque me traíste tanto
se os meus gatos são meigos?
porque me traíste tanto
se eu nunca tiro as luvas?
poema: Adília Lopes o decote da raínha de espadas
imagem: "Quadrado Vermelho Sobre Fundo Branco" de Kazemir Malevich

quinta-feira, 5 de junho de 2008

woodstock



I came upon a child of god
He was walking along the road
And I asked him, where are you going
And this he told me
I'm going on down to yasgurs farm
I´m going to join in a rock n roll band
I´m going to camp out on the land
I´m going to try an get my soul free

We are stardust
We are golden
And we´ve got to get ourselves
Back to the garden

Then can I walk beside you
I have come here to lose the smog
And I feel to be a cog in something turning
Well maybe it is just the time of year
Or maybe its the time of man
I dont know who l am
But you know life is for learning

We are stardust
We are golden
And we´ve got to get ourselves
Back to the garden

By the time we got to Woodstock
We were half a million strong
And everywhere there was song and celebration
And I dreamed I saw the bombers
Riding shotgun in the sky
And they were turning into butterflies
Above our nation

We are stardust
Billion year old carbon
We are golden
Caught in the devils bargain
And we´ve got to get ourselves
Back to the garden

Letra: JONI MITCHELL (para "Ladies Of The Canyon" 1970)
Imagem: PAULO NOZOLINO
Link: SETE PALMOS DE TERRA- Episódio7 "Back to the Garden", 2ª época

1 retrato de

Gordon Matta-Clark, esse grande artista.

domingo, 1 de junho de 2008

cronica de uma ruína anunciada

Amy Winehouse volta a fazer das suas no Rock in Rio. Bêbada, afónica, drogada(?), a comer chocolate, a caír e dizer que devia ter cancelado. Assim chega a Lisboa a decadente do momento. É mesmo uma pena. Aqui está um exemplo com "Back to Black".

she´s lost control











Confusion in her eyes that says it all.
She's lost control.
And she's clinging to the nearest passer by,
She's lost control.
And she gave away the secrets of her past,
And said I've lost control again,
And a voice that told her when and where to act,
She said I've lost control again.
And she turned around and took me by the hand and said,
I've lost control again.
And how I'll never know just why or understand,
She said I've lost control again.
And she screamed out kicking on her side and said,
I've lost control again.
And seized up on the floor, I thought she'd die.
She said I've lost control.She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
Well I had to 'phone her friend to state my case,
And say she's lost control again.

And she showed up all the errors and mistakes,
And said I've lost control again.
But she expressed herself in many different ways,
Until she lost control again.
And walked upon the edge of no escape,
And laughed I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.




IAN CURTIS, "She´s Lost Control", para "Unknown Pleasures", Joy Division (1986)
Imagem: FRANCIS PICABIA