domingo, 27 de abril de 2008

Portishead: Third

LONGOS DIAS TÊM 11 ANOS



"Esteja alerta para a regra dos três
O que você dá retornará para você
Você só ganha aquilo que você merece
Essa lição você tem que aprender..."
é assim mesmo, com uma voz foleira a falar português com sotaque do Brasil que abre o terceiro álbum de originais dos Portishead, quando o segundo, homónimo, comemora 11 anos de lançamento. Estes 11 anos são muito tempo, e se os Portishead não fossem uma banda de culto, com um público leal, certamente nem valeria a pena publicar "Third". Felizmente, não é o caso: ainda que impacientes, soubemos esperar e receber a mais recente colecção do trio de Bristol.
No entanto, Beth Gibbons, Geoff Barrow e Adrian Utley não são estúpidos e sabiam que ao fim de tanto tempo, o melhor seria mesmo ter uma boa desculpa: nada melhor do que uma radical mudança de sonoridade, ainda que se mantenham sempre fieis á sua própria identidade musical.





Assim sendo, quando começamos a ouvir o som ecoante de "Silence" (originalmente "Wicca".), repetindo-se sempre a mesma sequencia ritmica, percebemos que já não estamos a ouvir a mesma coisa, e ao mesmo tempo estamos: ainda é a voz de Beth Gibbons, sempre dolorosa e agressiva, os ritmos ácidos e psicadélicos, a complexidade instrumental bem construída, enfim, os Portishead em 2008, por assim dizer.
Se há alguma canção mais parecida aos albuns anteriores, ela será "We Carry On" (originalmente "Peaches".), e esta aproximação será pura coincidência.



Tudo o resto é absolutamente inédito em Portishead: os ambientes eléctricos/electrónicos próprios da música downtempo, mas uma construção instrumental a lembrar a rock gótico dos Depeche Mode, dos Dead Can Dance, dos The Cure ou dos Bauhaus, ainda que a voz seja a mesma de sempre, e sempre excelente, mas isso é óbvio.
Beth Gibbons tem também um papel mais interventivo, a nível de produção e de instrumentos: certamente que a gravação do seu álbum "Out Of Season" não lhe terá passado ao lado. As suas letras surgem mais politizadas, mas sem perder as ideias amargosas ou niilistas a que fomos habituados no passado.
De todas as faixas, "Machine Gun" (Em que a beat de bateria electrónica parece, efectivamente, imitar uma metralhadora.) é provavelmente a mais bizarra, talvez por isso tenha sido escolhida para single de avanço. A par com esta, destacam-se "Nylon Smile", a tal amargura niilista, "We Carry On", repetição esquizofrénica da mesma tristeza, "Plastic", numa sonoridade fluida a lembrar uma electrónica downtempo quase Massive Attack e "Magic Doors", uma das mais interessantes em termos de esquema, e das que suscita mesmo a vontade de ver ao vivo.
A questão do transporte das canções para o palco é também interessante. A agressividade e multiplicidade/simultaniedade de sons de "Dummy" e a estética barroca de "Portishead" pareciam ser verdadeiros desafios de palco. "Third" é mais simples e parece mais próximo ao que se ouve da banda, ao vivo.
Enfim, da mesma forma que o mar é sempre o mar, Portishead é sempre Portishead. E garanto que valeu a pena todo este tempo de espera. Se Agustina me permite o roubo e a alteração, "longos dias têm 11 anos", mas quando no final há um álbum assim, não há problema.


Veredicto: 19/20

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